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La insignia
26 de março de 2007


Um novo reformismo


Alberto Aggio
Gramsci e o Brasil / La Insignia. Brasil, março de 2006.


A demanda por posicionamentos político-ideológicos mais nítidos e afirmativos, sem cair novamente no romantismo ou dogmatismo de outros tempos, parece estar gerando na sociedade uma demanda por definições mais integrais, como aquela que o filósofo Antonio Cícero manifestou recentemente (FSP, 03/03/2007, E10) a propósito da necessidade de defesa de um "reformismo profundo e conseqüente" diante dos ataques reacionários à modernidade que ele detecta em alguns círculos intelectuais da sociedade brasileira.

Tais ataques, aliados ao presentismo sentimentalista reinante e a posturas que ainda cultivam as polarizações duais - abstratas e passadistas - como critério de aferição política, estariam impregnando a conjuntura presente de um antiprogressismo jamais visto no país. Bem compreendido, o alerta de Antonio Cícero em prol de um necessário retorno a tempos mais exigentes soaria, então, como um apelo à reflexão sobre a nossa complexidade e também como um convite à elaboração e construção social de uma nova cultura política progressista entre nós.

Enfatize-se, de saída, que a direita política, em termos mundiais, tem todas as simpatias para com os posicionamentos que Cícero definiu como característicos dessa "ofensiva reacionária". Entretanto, discrepando um pouco do filósofo, não vejo possibilidade de o desafio proposto ser enfrentado a partir de um campo político-ideológico que despreze o que reconhecemos como esquerda ou, pelo menos, como uma parcela dela que sempre teve preocupações correlatas.

E essa esquerda não está sozinha. Por seus temas, enfoques e posturas, ela construiu e mantém uma ponte com uma parcela significativa do pensamento crítico contemporâneo, que articula e assimila, em suas críticas, diagnósticos e projetos, os diversos setores intelectuais e políticos que têm suas origens ou ainda prezam sua identificação com um liberalismo de corte moderno e renovador. Fora de discussão que ambas as correntes de pensamento guardam fortes e seguras condições de contribuir positivamente com o desafio proposto.

Todavia - e voltando ao nosso ponto -, é indiscutível que há no Brasil uma esquerda que assumiu, desde o final da década de 1970, uma vinculação profunda com o tema da democracia e que efetivamente se afastou das idéias dogmáticas que habitavam o ideário mais convencional da esquerda, tanto da "esquerda tradicional" quanto da chamada "nova esquerda". Talvez a maior expressão dessa mudança tenha sido a publicação e a extraordinária recepção do famoso artigo de Carlos Nelson Coutinho, "A democracia como valor universal" (1979), com a formação, a partir daí, de um entorno de militantes ativos dessa idéia, que, apesar de algumas sobrevivências leninistas (admitidas mais tarde pelo próprio autor), jogava por terra o entendimento de que a democracia não era mais do que uma tática a ser desprezada depois da sonhada conquista do poder.

Aprofundando mais o argumento, se poderia dizer que, apesar de alguns esforços nessa direção, o fim do tempo histórico das revoluções como método e critério para a mudança histórica não produziu, entre nós, uma nova fórmula identitária que garantisse, simbólica e politicamente, uma nova expressão para a esquerda. Consensualmente reconhecíveis, os fatos do mundo e do Brasil no final do século XX são os responsáveis diretos pelo esgotamento dos dois mais potentes núcleos de identidade da esquerda brasileira, a saber, o núcleo bolchevique/soviético e o núcleo cubano/guerrilheiro.

Surpreendentemente, a esquerda pós-1989, que havia surgido pouco antes e ambicionava se configurar como um novo paradigma, fracassou mais rapidamente que aquela dos modelos anteriores. Contudo, o cenário que ela deixa depois da sua fulgurante trajetória é ainda mais inconsistente: fundada no mercado, a esquerda representada pelo PT se expressa como uma esquerda de simulacros, nos quais realidade e ilusão se integram em erráticas metamorfoses.

Está posto, portanto, o desafio de superar simultaneamente três dimensões históricas da esquerda brasileira. Mas aqui a história não deve nem merece ser repetida. Essa não pode ser uma das muitas oportunidades perdidas na trajetória de construção da esquerda e da democracia brasileira. Entre muitas razões, porque o nosso penoso e débil processo de modernização e de democratização somente se consumou, em seus traços conhecidos, devido à não existência, entre nós, de uma esquerda radicalmente democrática e reformista.

Por essa razão, é preciso recapturar o tema das reformas para o campo da esquerda brasileira por meio da elaboração de um programa que concentre suas propostas nas demandas democratizadoras do mundo do trabalho e da vida. Baseado numa política aberta e em amplo diálogo com a sociedade, é preciso pensar as reformas como mudanças que envolvam a democratização do poder na sociedade brasileira, ou seja, é preciso conectar as reformas com o tema da civilização democrática. É preciso pensar as reformas para além do minimalismo e da lógica de mercado a que elas foram reduzidas na política brasileira recente. Em outras palavras, é preciso resgatá-las como uma perspectiva de realização da modernidade.

O país necessita forjar uma outra esquerda, com amplas bases sociais, legitimada como reformista e que fale ao coração de milhões. No Brasil, um partido das reformas deve defender a melhoria da vida das pessoas e, em função dessa perspectiva, deve privilegiar a elaboração e implementação de um programa que tenha as características e o sentido de um "reformismo desenvolvimentista". Esse "novo reformismo" é, enfim, a base de uma nova cultura política para uma esquerda moderna e democrática. No plano da política, como reivindicou o filósofo, "um reformismo profundo e conseqüente".


Alberto Aggio é professor Livre Docente de História na Unesp/Franca. Publicou Democracia e socialismo: a experiência chilena (Annablume, 2002, 2. ed); é também co-organizador de Pensar o século XX (Unesp, 2003).



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