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La insignia
25 de março de 2007


Mundialização plural e identidade


Marco Aurélio Nogueira
La Insignia. Brasil, março de 2006.


A imagem de um mundo global, interligado e cada vez mais padronizado está na percepção de todos. Mas seria isso indício de que se estariam dissolvendo as diferenças entre povos e pessoas e desaparecendo a especificidade das distintas experiências histórico-sociais e culturas? A questão faz sentido e tem estado na base de muitas postulações em defesa da integridade nacional e da pureza cultural.

Antes de tudo, convém lembrar que não há como não se ter diferenças enquanto se tiver desigualdades, sobretudo as profundas, associadas a disparidades de renda, de poder econômico, de status, de oportunidades - ou seja, as desigualdades sociais, impulsionadas pelo afã de acumular, pelos regimes de propriedade, pela volúpia do capital. Este é o lado perverso e desagradável das diferenças, algo que mantém a humanidade com um pé preso na barbárie. Em que pesem todos os discursos mais ou menos simplificadores e todos os esforços reformadores, a desigualdade social continua ativa, em expansão.

Mas o mundo mundializado também assiste a um ininterrupto e crescente processo de produção de diferenças que estão associadas a algo nada perverso. Povos, indivíduos, grupos e comunidades étnicas se sentem hoje sempre mais impelidos a proclamar, vocalizar e difundir sua especificidade, aquilo que os distingue e singulariza no contexto padronizado e aparentemente “igualizado”. Podem fazer isso, precisam fazer isso e querem fazê-lo. Vista desse ângulo, a mundialização é radicalmente plural. Nunca fomos tão parecidos e tão diferentes.

Há mesmo, hoje, uma compulsão pela diferença, pela afirmação de identidades específicas. De um lado, impulsionadas pelo mercado e pela moda, muitas pessoas buscam nas grifes, na “customização” e na exibição de bens, regra geral, supérfluos um modo de se destacarem na multidão. De outro lado, grupos, comunidades e indivíduos lutam para defender sua singularidade substantiva - seu orgulho étnico, suas tradições, sua raça, sua religião - e seu direito de ser respeitados e reconhecidos como tais. Trata-se de um movimento que, no primeiro caso, exacerba uma diferenciação vazia de significado e que, no segundo, fortalece e viabiliza uma diversidade fundamental para a reprodução da humanidade como algo digno.

A sociedade mundial em constituição não tem propriamente uma cultura global a ela vinculada, sobretudo se pensarmos nisso como esmagamento das distintas culturas locais, regionais ou nacionais. É verdade que, impulsionada pela dinâmica global, uma espécie de “cultura McWorld” se infiltra nos mais distintos arranjos socioculturais, ávida pela conformação de um monolítico “povo” de consumidores. Além disso, o maior intercâmbio de informações cria inúmeros incentivos para que os distintos valores culturais se aproximem uns dos outros e se misturem. Tem-se assim a impressão de que há uma única língua no mundo, se come uma única comida e se cantam as mesmas canções em todos os cantos. É uma impressão que reflete a realidade. Afinal, a globalização não diminuiu a diferença de potência entre os Estados nem eliminou a capacidade que alguns atores têm de dirigir e influenciar pelos valores e pelas ideologias os demais. Há, de fato, predomínio de certos hábitos e comportamentos, e não é por acaso que o inglês é uma espécie de língua global. A situação, porém, é seguramente mais complicada.

A redução das distâncias, a maior facilidade para viajar e circular, as conexões em tempo real, a visualização de cenários simultâneos e a difusão em redes das mais diversas manifestações culturais produzem uma imaginação solta em relação aos territórios e aos Estados nacionais. Grupos e pessoas se tornam bem mais disponíveis em termos intelectuais, éticos e comportamentais. Uma cultura mundial fica assim delineada, ganhando fôlego e se beneficiando da constituição de um espaço supraterritorial (e, portanto, supranacional): o ciberespaço.

Nesse movimento, alguns valores já mundializados (como, por exemplo, fast-food, música e cinema norte-americanos) tendem a aumentar sua influência e são ainda mais incorporados pelas pessoas. Mas não há nada que se aproxime de homogeneização cultural. As práticas cotidianas dos povos, enraizadas em territórios e histórias reais, passam a ter de lidar com novos ingredientes, pressões e circunstâncias. Entram em contato com outras “informações” culturais, assimilando-as e as convertendo em material para reelaborar seus próprios conhecimentos e experiências. Nessa dialética, também se vão expondo aos outros, comunicando-se mais e se afirmando como identidade. Mais que multicultural, nosso mundo é fruto e palco de um cruzamento de culturas: é intercultural. No final de tudo, tem-se mais consciência das diferenças, maior aceitação do que distingue uns e outros, maior respeito pela especificidade de cada um e, ao mesmo tempo, maior integração. A miséria, a desigualdade e a opressão persistem, mas não sem tensões e contradições.

A pluralização da experiência humana é um poderoso instrumento de construção do futuro, dentro e fora das sociedades nacionais, que, de resto, se internacionalizam rapidamente. Representa a possibilidade de uma unificação aberta para a emancipação, a construção de uma unidade do diverso em novas bases. Ao mesmo tempo, a luta pela afirmação e pelo reconhecimento de identidades específicas - que de modo algum é estranha à História humana - expressa a necessidade que todos sentem de encontrar um lugar ao sol, um modo de se inserir num mundo que sob vários aspectos parece fora de controle e está revirando as bases que davam equilíbrio e “cara” aos grupos, aos indivíduos, às instituições. Todos querem ser “diferentes” e passam a respeitar mais as diferenças porque desse modo, quem sabe, aumentam suas chances de encontrar a própria identidade.


(*) Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp, é autor, entre outros livros, de Em Defesa da Política (Senac, 2001) e Um Estado para a Sociedade Civil (Cortez, 2004).

Também publicado no Estadao de São Paulo.



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