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La insignia
7 de junho de 2007


Mais uma missão


Helena Vasconcelos
Storm / La Insignia. Portugal, 2007.

O Canto da Missão, de John Le Carré
Ed.Dom Quixote, Lisboa, 2007.


Cada novo livro de John Le Carré, é recebido com entusiasmo quase unânime, o que é animador para um homem que já vai no seu vigésimo romance, se aproxima a passos largos dos oitenta anos e permanece uma figura controversa, tanto nos meios literários como nos meandros da política e da economia, com a sua ficção demasiado próxima da realidade . Diz-se que o treino de Le Carré no "Intelligence Corps" aliado à experiência dos anos em Oxford - a combinação da leitura dos Clássicos com tácticas de espionagem sempre foi uma paixão muito britânica - lhe forneceram uma visão pertinaz e certeira do modus operandi dos governos, corporações económicas, multi-nacionais, etc., de tal forma premonitória que muitas histórias que ele conta acabam por acontecer, se ainda não tiverem acontecido. Acrescente-se a sua habilidade no uso de diferentes Línguas e o retrato de um dos maiores escritores contemporâneos de uma forma muito peculiar de "thrillers" está feito. Em poucas palavras: se alguém quiser saber alguma coisa sobre golpes e contra golpes, manigâncias estratégicas, intrigas nos bastidores e guerras civis faz melhor em ler os seus livros do que alistar-se nas fileiras de estudantes de Política Internacional numa Universidade qualquer.

John Le Carré, de seu verdadeiro nome David John Moore Cornwell, é um inglês que não aprecia Londres e foge da "cena literária", tendo preferido uma educação orientada para a Literatura de expressão germânica. É, também, um ex-espião cujo treino lhe ensinou que a realidade e a ficção se desenvolvem em paralelo e se confundem e um escritor que se ocupa essencialmente em criar tramas hábeis, complexas e bizantinas. Os conhecedores da sua obra falam de influências, de Graham Greene - que, como se sabe, classificou "O Espião que Veio do Frio" como o melhor livro de espionagem de todos os tempos - de Ian Flemming e de Evelyn Waugh, especialmente no que diz respeito a "Scoop, de P.G. Wodehouse e do melancólico Ford Maddox Ford com o seu "O Bom Soldado", uma história sobre a solidão daqueles que traem, que vivem na sombra sem terem a possibilidade, ou a força, de revelarem a sua personalidade verdadeira. Personagens de Le Carré como George Smiley, Jonathan Pine - o "homem que poderia passar por um "gentleman" - ou Alec Leamas, o profissional batido que aos cinquenta anos, desiludido e cansado, só deseja "sair do frio" e voltar a "ser ele próprio" - sem não saber muito bem o que isso significa - ficaram, até hoje, como figuras emblemáticas da história literária e pessoal do autor. Cada um deles está ligado a uma época específica, desde a Guerra Fria à paranóia contemporânea em relação ao terrorismo.

Os conflitos são eternos e há sempre um País do Terceiro Mundo - ou do quarto ou do quinto - que os poderosos transformam no seu espaço de recreio eleito para fazerem o seu tráfico (negócios), experimentarem as suas novas armas ( progresso tecnológico), testarem os seus medicamentos (investigação científica) ou levarem a cabo as suas brincadeiras macabras (diplomacia). Hitler e Estaline deram o exemplo na Europa - fielmente seguidos pelos líderes da Bósnia há pouco mais do que uma década - mas, do Sudoeste Asiático à América Latina, passando pelo Médio Oriente, a história repete-se. No entanto, África - o paraíso/pesadelo - continua a liderar os rankings internacionais em termos de barbárie, violência, genocídios, fome, limpezas étnicas, disseminação da Sida e da tuberculose, a uma escala tal que, como acontece com os intervenientes em "O Canto da Missão", o Mal se tornou perfeitamente "banal".

Desde os tempos pouco saudosos do velho Leopoldo da Bélgica - Joseph Conrad não o deixou escapar e Le Carré faz a devida vénia ao autor polaco - que não se via tanto descaramento e tanta demência, aproveitada com mestria pelo cinema que tem fornecido filmes recentes - e memoráveis - como "Hotel Ruanda", "O Último Rei da Escócia", "Diamantes de Sangue", para só mencionar alguns. É evidente que Le Carré chegou tarde a África mas fê-lo com espantosa eficácia: "O Fiel Jardineiro", (2001) passa-se no Quénia e é um conto sombrio que aponta o dedo às indústrias farmacêuticas e às experiências que os seus laboratórios levam a cabo em países onde a vida humana vale bem menos do que um copo de água.

John Le Carré nasceu em Outubro de 1931 em Dorset, Inglaterra. O pai , Ronnald (Ronnie) Cornwell, nunca teve um trabalho honesto em toda a sua vida, tendo-se especializado em burlar pessoas e empresas. O filho afirma que ele era, sem margens de dúvidas, um "artista" ao jeito de um Butch Cassidy ou de um Sundance Kid. O seu encanto, maneiras aristocráticas e perfeito gosto no vestuário seduziam quem quer que estivesse disposto a embarcar nos seus esquemas. Foi preso uma meia dúzia de vezes e libertado outras tantas. Anos mais tarde, em Hong-Kong, John foi abordado por um homem que lhe disse ter sido guarda da prisão onde o pai tinha sido detido; o entusiasmo com que falou do charme de "Ronnie" não poderia ser mais genuíno. De uma outra vez, em Copenhague, o escritor foi contactado pela polícia dinamarquesa porque o pai tinha entrado ilegalmente no País com a conivência de dois pilotos da Scandinavian Airways (SAS). Ao que parece tinham-se encontrado todos, por acaso, num bar em Nova Iorque e Ronnie ganhara-lhes uma fortuna ao póquer, passando, rapidamente à troca da dívida por uma viagem até Copenhague, "à boleia". Os pilotos, pouco sensatamente, anuíram com entusiasmo. Outra vez, ainda, foi John quem teve de fazer uma transferência de alguns milhares de dólares para sacar o pai de uma prisão de Jacarta.

Estas e outras histórias são contadas pelo autor com uma mal disfarçada satisfação que contrasta com a ausência de referências à mãe a qual, cansada das manigâncias do marido, o deixou - e aos filhos - sem deixar morada ou contacto, tinha John seis anos. Ronnie aproveitou a situação para escapar à imperiosa convocação do Exército - estava-se em plena Grande Guerra II - alegando as responsabilidades e encargos de "pai solteiro". Como o próprio filho conta, a situação não podia estar mais longe da verdade. Não lhe faltava companhia feminina e tanto John como o irmão eram frequentemente despachados para casas de amigos ou para colégios internos. Mais tarde, John evocaria o pai em "O Espião Perfeito", que, de acordo com o próprio autor, é o mais biográfico de todos os seus livros. Ao que parece Rick Pym o pai de Magnus, o herói da história, é uma figura decalcada do seu próprio progenitor.

Aos dezasseis anos, John rebelou-se, saiu de Sherborne e matriculou-se na Universidade de Berna, na Suiça. Aí apurou o seu alemão e desenvolveu o gosto por línguas, um facto que faz sempre jeito a espiões. O seu alistamento no M16 foi talvez fruto da sua capacidade para entrar na pele de outras personagens - algo que faz muito bem, até hoje - imitando-lhes as vozes, os trejeitos, os sotaques. (Numa entrevista Le Carré contou que, nessa altura, não queria ser inglês mas sim alemão, o que dá azo a especulações. Estava-se no período do pós-guerra e o entusiasmo de alguns dos seus compatriotas pelo comunismo - que ele sempre criticou - poderá ter sido uma razão para esta atitude).

Le Carré diz que a carreira literária é muito semelhante à de espião, uma vez que se trata, nos dois casos ,de inventar e assumir diferentes identidades, de enganar e de iludir, de ouvir e fazer falar vozes distintas, de criar máscaras convincentes e de escapar incólume sempre que possível. Por isso, nos longínquos anos sessenta, o jovem John saltou do M16 para o seu recanto na Cornualha e começou a escrever, de início sem grandes resultados com dois livros que não chamaram a atenção de ninguém. Foi com "O Espião que Saiu do Frio" (1963) que o seu estilo começou a impor-se. Seguiu-se a trilogia de Smiley (e do seu confronto com Karla), um duelo que fez história nos Serviços Secretos e inspirou formas de actuar de verdadeiros espiões. John era um perfeito conhecedor do "Grande Jogo", o romântico epíteto que Arthur Connolly atribuiu aos seus trabalhos de espionagem quando das guerras entre a Inglaterra e a Rússia pela posse de território na Asia Central, durante o século XIX, e que Kipling recriou em "Kim".

Em Maio de 1987, Le Carré fez uma viagem especial. Conseguiu um visto e aterrou em Moscovo onde foi recebido pelo director do Sindicato dos Escritores Vladimir Karpov. O facto de o terem deixado entrar, pela primeira vez, no País tão sinistramente descrito nos seus livros, foi uma surpresa para toda a gente, incluindo as autoridades consulares. Foi durante essa estranha visita que o mesmo Karpov, com ligações "amistosas" ao KGB, propôs a Le Carré encontrar-se com Kim Philby, um convite que o escritor declinou. Mais tarde disse que se tinha sentido tentado mas que o seu desprezo por Philby - "ele sabia das execuções em massa de Estaline e chegou a trabalhar com Beria, o sinistro e feroz braço direito e carrasco do ditador", Le Carré dixit - o impedira de aceitar. Le Carré tinha conhecido bem Philby, o inglês que, com o seu famoso Grupo de Cambridge (Donald MacLean, Guy Burgess, Anthony Blunt e John Cairncross), criaram uma das crises mais duradouras na consciência nacional inglesa e deram um exemplo complexo das tortuosas vias do pensamento humano em conflito mortal entre ideais e realidade, entre lealdade e traição. Talvez por Le Carré ser um especialista neste tipo de dilemas, Philby transformou-se numa espécie de Doppelgänger do escritor e a sua deserção para a então URSS constituiu para John, o exemplo acabado do erro humano.

Quando se começou a ouvir palavras como "glasnost" e "perestroika" e caiu o Muro de Berlim, em 1989, especulou-se que o fim de uma era para o mundo poderia ser, também, um golpe de misericórdia para Le Carré e outros escritores que perderiam, assim, a razão de ser das suas intrincadas histórias. Os dias - e as noites - de inimigos figadais como Karla e Smiley, as deambulações deste último pela Praça Dzerzhinsky sem tirar os olhos do edifício do KGB , a imagem do Kremlin como um bunker em cujos corredores se comunicava entre sussurros, os esqueletos que se amontoavam nos armários e as paredes que tinham ouvidos poderiam ter mudado - ou não - mas a imaginação de John Le Carré e o gosto que o ser humano tem para o mistério, não tiveram a mesma sorte. Houve a Ásia ("The Honourable Schoolboy" foi aí situado) e a América Latina, ( cenário de "O Alfaiate do Panamá") e sempre novas tramóias. Na realidade Le Carré nunca, até hoje, pareceu sofrer de falta de assunto, uma vez que os conflitos de interesses, a corrupção, tanto dos Governos como das grandes empresas corporativas que funcionam como mini-estados, não têm deixado de aumentar. África, com os seus estados regidos por ditadores desprezíveis e magnatas loucos que podem impunemente funcionar fora de qualquer lei é, agora, o terreno predilecto para as histórias que o autor decidiu caricaturar , mostrando todo o grotesco surreal das situações.

Outro tema que parece inesgotável é a decadência abjecta dos próprios serviços secretos, tanto britânicos como americanos, aos quais Le Carré aponta um dedo acusatório, assacando-lhes responsabilidades, devido à ignorância, estupidez e burocracia que sustentam e que têm favorecido a amoralidade de regimes políticos. Este desencanto que raia as margens do desprezo está bem patente nos seus últimos livros. É preciso não esquecer que Le Carré esteve entre os escritores que se pronunciaram veementemente contra a Guerra no Iraque - "um grande País (os EUA) dominado e empurrado pelas forças erradas" - contra a "estupidez de Bush" e contra a sua "administração de cariz medieval". John tem ridicularizado Bush e Blair bem como os Serviços Secretos europeus e americanos como já deplorara a política internacional de Clinton. É veementemente contra as ligações entre regimes políticos e o tráfico de armas e de drogas - daí a sua crítica demolidora em relação a alguns governos africanos - e já declarou que tanto os espiões como os traficantes de armas investem na guerra e merecem ser sujeitos a um "Julgamento de Nuremberga, parte II". A sua posição, ferozmente defendida, surge já no livro "Amigos para Sempre" no qual dois antigos agentes duplos se confrontam, melancolicamente, no novo xadrez geo-político.

Le Carré continua a ser uma figura controversa. Há alguns anos, pegou-se de razões com Salman Rushdie - que lhe chamou "asno pomposo" - e com Christopher Hitchens por causa da questão israelo-árabe. (Le Carré, com o todo o seu conservadorismo, defende a causa árabe). As mulheres acham-no misógino e, desde que começou a escrever livros passados em África, há quem lhe atribua as culpas de uma espécie de conspiração neo-colonial. Mas o importante, para Le Carré, é a ausência perversa e nefasta de uma Ética. A história dos serviços secretos acaba sempre por funcionar como uma metáfora poderosa do "lado sujo e sonhador da consciência de um País". E acrescenta: "se temos fantasias secretas acerca de nós próprios é (nos serviços secretos) que as concretizamos. Se as nossas intenções são secretas será nesse trabalho que se exprimirão. Se mantemos ilusões a respeito de nós próprios, será na "intelligence" que elas se transformarão em acção. Por isso, a espionagem nunca acabará". Para Le Carré, o dilema, o conflito, a luta titânica já não é entre o Bem e o Mal, uma vez que as fronteiras entre estes dois conceitos desapareceram sem deixar rasto. O problema, agora, para o autor está no conflito entre os sistemas democráticos que, em sua opinião oferecem liberdade mas falham no exercício da Justiça , e os governos - ou facções, ou religiões - que apregoam a justiça mas eliminam a liberdade.

"O Canto da Missão" é uma fábula contemporânea com brilhantes alusões a Fielding , Swift e Jane Austen. Bruno Salvador é um órfão trazido do Congo para a Inglaterra. O pai, um missionário irlandês bem intencionado que não resistiu à tentação na forma de uma nativa que desapareceu prematuramente, levada na enxurrada da violência rotineira do País, tudo fez, antes de morrer, para assegurar uma educação ao filho. Da "Missão" do padre Michael até Inglaterra, Bruno aprendeu a tirar da vida aquilo que ela lhe dá, sem muitas perguntas nem angustias existenciais. Tal como Tom Jones, Salvador/Salvo é um rapaz perfeitamente integrado no espaço que o destino lhe reservou. Cortês, senhor de si próprio e incuravelmente vaidoso ele é, apenas, mais um mestiço sem raízes, um malandro bom e encantador. Casado com uma jornalista da moda - uma suposta aristocrata que o desposou para aborrecer a família - continua a sentir-se como a "criança secreta", o bastardo sem terra e sem amarras, até que lhe acontecem duas coisas: apaixona-se por uma enfermeira congolesa e é contratado, como tradutor/interprete (ele é conhecedor de muitas línguas "abaixo da linha de água", como o xi, o suaíli, o ruanda-queniano, o ruanda-ugandês, etc.) para acompanhar uma cimeira de grande importância, num lugar secreto para resolver o futuro do Congo. Salvo, o "zebra", o intérprete que interpreta, é mais uma das personagens de Le Carré que usa a sua candura para virar a cara para o outro lado quando o que vê não é eticamente correcto. No caso de Salvo, o seu desejo de agradar leva-o bem longe e Le Carré cita explicitamente Jane Austen ( " É um facto conhecido que, na véspera das batalhas, os pensamentos dos recrutas mais leais vagueiam em direcções imprevistas e alguns deles chegam a rebelar-se" pág. 93) para dotar as suas personagens da necessária duplicidade e hipocrisia cómicas . Para além de mostrarem uma face que não é a verdadeira, o seu desejo é ultrapassarem sinuosamente as barreiras de classe típicas da sociedade britânica, mesmo no século XXI e passarem por "gentlemen" algo que, com a ironia própria de Le Carré, já nem sequer existe. O autor, tão elegante na escolha de palavras e tão hábil quanto Swifft na forma de zurzir sem piedade os seus compatriotas - e não só - tem sido o cronista exemplar das guerras que se travam desde os anos cinquenta, sem esquecer aquela a que um dos seus críticos chamou "a guerra civil" no coração de cada homem.

Em "O Canto da Missão" - um título flagrantemente dúbio -Le Carré envereda até por uma via muito ao estilo de Lewis Carroll para ilustrar o absurdo, ou, neste caso, o muito britânico "nonsense". Quando Salvo acorda, pela manhã, num local totalmente estranho e "limpo" de referências, deambula por salas e corredores - algumas portas estão trancadas, outras não - até que chega a uma sala onde, a um canto, está Jasper, um burocrata kafkeano que se queixa das condições de trabalho e lá vai explicando, entre resmungos, o objectivo da sua infindável tarefa: redigir um "contrato vital" entre três parceiros inomináveis. Salvo, sempre pronto para a admiração e para a adulação, (que, para ele, poderão dar sentido a todo aquele disparate) pergunta-lhe respeitosamente se o assunto não é demasiado complicado, ao que o senhor Jasper responde: "não é complicado porque o redigi com lucidez. É académico e inaplicável". Nem o coelho de Alice poderia ter respondido melhor. E quando Salvo, perplexo, tenta esclarecer as suas dúvidas - "se é inaplicável, como é que pode ser um contrato?" - as respostas vão sendo cada vez mais intrincadas. É claro que Bruno Salvador - Salvo - é o produto mais puro que existe de todos os "pós": pós-colonialismos, pós-modernismos, pós-revoluções, pós-romantismos. Na Literatura pós-colonialista , Narayan e Naipaul foram pioneiros, tal como Rushdie e as Desai - Anita e Kiran, mãe e filha. Mas, na realidade, Salvo é uma personagem que se aproxima mais das de outros autores como Joyce Cary ("Mister Johnson" - 1939, em que a candura da personagem (também) serve uma história. simultaneamente cómica e trágica), como William Boyd, o escritor inglês contemporâneo que nasceu em Accra e escreveu o brilhante "A Good Man in Africa" (1981) ou ainda como Robert Wilson o autor de thrillers que começou por escrever quatro "romances africanos" .

É provável que Le Carré sinta uma espécie de nostalgia em relação aos tempos da Guerra Fria. Nessa altura, "sabia-se quem eram os maus e quem eram os bons" embora houvesse opiniões antagónicas sobre a classificação de ambos os lados. "O Canto da Missão" e o seu "zebra" mostra claramente que esse tempo acabou. Ex-colonizadores, ex-colonizados, senhores da guerra e "respeitáveis" homens de negócios, chefes de tribo, curandeiros, generais e homens de leis, europeus, americanos, africanos e asiáticos cabem todos no mesmo saco. As fronteiras desapareceram e não é a ingenuidade de um "Salvador" que irá desmentir o facto de que o que interessa são o ouro, os diamantes, o petróleo e os metais preciosos no bom e fecundo solo africano, à espera que os venham buscar nem que, para isso, seja necessário fomentar uma guerra civil, levar a cabo certas limpezas étnicas e dar mais trabalho aos jornalistas.

Bruno Salvo é mais uma vítima da miragem do futuro e a sua paixão por Hannah leva-o a imaginar um Congo diferente do actual, um País onde as pessoas não "morram como moscas todos os dias", onde não haja …."matanças tribais, doenças, fome, soldados com dez anos e pura incompetência de cima a baixo, violações e mutilações a dar com pau" (pág. 129) Quando, a propósito da figura de Pantel em "O Alfaiate do Panamá" perguntaram a Le Carré por que razão tinha criado uma figura tão pateticamente cómica - uma espécie de "tio" ficcional de Bruno Salvo - o autor respondeu que, depois de tudo o que já viu e experimentou na vida, só lhe restam duas opções: o suicídio ou o humor. Felizmente, e "O Canto da Missão" comprova-o , parece ter escolhido a segunda.



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