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La insignia
31 de janeiro de 2007


Acidentes e mortes violentas nas grandes mídias

O fio condutor


Luís Carlos Lopes
La Insignia. Brasil, 31 de janeiro de 2007.


Alguns fatos ainda estão 'frescos' na memória coletiva deste imenso país chamado Brasil. Certamente, com o tempo, serão quase esquecidos. São, ainda recentes, e seus ecos estão presentes nas grandes mídias. Estas, repetindo a fórmula de sempre, os tratou como espetáculos. Na maioria dos casos, a investigação das reais razões destes fenômenos foi secundária, sobretudo na televisão aberta. O mais importante foi a exibição da dor humana e o detalhamento do sofrimento. Destes fatos, destacam-se: a trágica queda do avião de passageiros na Serra do Cachimbo, os vários episódios extremamente violentos da criminalidade em São Paulo e no Rio de Janeiro e o incrível acidente nas obras do metrô paulista.

O consumidor dessas notícias emociona-se com tanto sofrimento e isto é bastante lucrativo, dá audiência e vende os produtos da publicidade. A recriação midiática de fatos desta natureza obedece a parâmetros ficcionais, fortemente vinculados às noções de fatalismo existentes em nossa cultura. Estas coisas ocorreriam por efeito dos desígnios do sobrenatural. São fatalidades das quais não se pode fugir e que se devem aceitar como 'naturais'. O que vincula todos estes acontecimentos em um só feixe é a morte de seres humanos. As mortes violentas são reconstruídas nas mídias em detalhes, por vezes com algum pudor, ou em alguns casos sem qualquer respeito pelas vítimas.

Obviamente, trata-se de fatos muito dolorosos, que envolvem perdas afetivas e materiais que jamais serão inteiramente reparadas. O choque que a audiência recebe é o de imaginar que poderia estar ali e sofrer do mesmo jeito. Os mais empáticos imaginam-se no lugar dos falecidos ou de seus próximos e chegam próximo de sentir as mesmas dores. Os simpáticos lamentam por tanto sofrimento. Os cínicos adoram o fato de não estarem no mesmo lugar e momento, dizendo que nada tem a ver com isso. As grandes mídias trabalham com as emoções humanas, considerando diferenças, mesmo que partam de um discurso comum.

Estas emoções são trabalhadas em oposição a uma percepção racional. Não é proibido sentir, ter dó, lamentar etc. Entretanto, não é bem visto compreender, explicar, analisar, interpretar e buscar os fundamentos. Menos ainda, é interditado dizer, a não ser retoricamente, que isto pode mudar, que estes fatos não precisariam ter ocorrido. Eles não são acasos da natureza. São fatos sociais que têm múltiplos sujeitos. Podem ser evitados. É mais importante atacar suas causas, impedindo que se repitam. De nada adianta somente punir pelo que já ocorreu, mantendo os requisitos e as condições que levarão à repetição dos mesmos dramas.

Quando um avião cai, uma obra desaba ou alguém é queimado vivo ou leva um tiro, isto acontece por meio da manipulação da natureza levada a cabo por seres humanos.

Um avião só pode cair se houver falhas técnicas ou humanas. O engenho aeronáutico de hoje não é construído para se espatifar no solo. Foi sucessivamente testado e funciona a partir da experiência de um século de aviação. É verdade que somos escravos da técnica e que ela não é perfeita. Mas, também, é verdadeiro que existem experiências acumuladas, um saber transformado em objetos e máquinas usadas pela humanidade. Existem, outrossim, poderosos interesses econômicos que não desejam ser prejudicados.

No caso dos aviões de hoje, a maior parte dos acidentes ocorre por falhas de manutenção, erros e comportamentos inadequados dos pilotos e do pessoal de terra, equipamentos errados ou gastos que continuam a ser usados por motivos econômicos ou políticos, ações violentas para derrubá-los etc. Uma pequena parte dos acidentes aéreos é 'natural', isto é, fruto de uma tempestade que não foi possível de prever, um raio inesperado etc. Apesar do medo universal de viajar de avião, há o consenso de que se trata do mais seguro meio de transporte conhecido, isto é, o menos sujeito a acidentes.

Na construção civil, nos parâmetros contemporâneos, domina a noção de cálculo, hoje maximizada pelo uso dos computadores. A não ser nos casos de tempestades, terremotos e maremotos e outros eventos naturais que vão além das previsões disponíveis, os 'acidentes' ocorrem por ou como efeito de: erros humanos das mais variadas naturezas; fadigas de material de suporte; usos inadequados de máquinas ou pesquisa incorreta do terreno; problemas econômicos e políticos de gestão - má-administração, desejo de lucro máximo e corrupção, em alguns exemplos; trabalho excessivo e/ou mal remunerado; etc.

Dificilmente, um grande acidente na construção civil tem uma única causa. Dependendo de sua extensão, múltiplos fatores concorrem para que a 'fatalidade' aconteça. O cálculo pode estar correto, mas baseado em premissas falsas. A ganância pode ter sido maior do que a força da técnica. A corrupção, não raro, implica em uso de materiais mais baratos, mão-de-obra menos qualificada, para sobrar mais o que roubar. Enfim, múltiplas paixões e razões instrumentais serão, quase sempre, os verdadeiros 'culpados'. Sempre lembrando, que paixões e razões são portadas por pessoas e instituições, estas, também, formadas por pessoas, que são sujeitos de sua história.

O crime é algo que vai muito além do criminoso e de sua vítima. O crime é um problema social e político. Por mais que muitos tentem negar, as evidências internacionais mostram que a maioria dos delitos aumenta ou diminui em relação direta com as taxas de desemprego e as políticas de distribuição de renda. Nos países, onde o desemprego é menor e a renda é mais bem distribuída, existe menos corrupção, ostentação das elites, as políticas são mais respeitadoras dos direitos humanos etc., a criminalidade é menor. Existe uma relação direta entre as políticas de governo e o desenvolvimento da criminalidade. De modo indireto, o crime se relaciona ao tipo de sociedade onde é gestado.

Os fuzis e pistolas usados pelos 'bandidos' de hoje, que tantas vítimas têm feito, entre eles mesmos, a polícia e a população comum atravessam fronteiras internacionais e nacionais. Isto não seria possível sem a existência de uma forte corrupção de Estado, em várias instâncias. São Paulo e o Rio de Janeiro não produzem armas de fogo, todavia, elas estão presentes nos inúmeros confrontos noticiados pelas mídias. Muitas das mesmas são iguais ou similares às usadas pelas polícias. Não raro, tal como a imprensa escrita já noticiou, algumas já foram apreendidas e voltaram misteriosamente ao uso dos criminosos.

Os casos pavorosos recentes do uso da gasolina para intimidar ou queimar vítimas espalhou-se como 'moda' depois de um primeiro acontecimento do tipo, amplamente noticiado. Há uma sintonia da morte que envolve as grandes mídias, que transformam o crime em espetáculo, a corrupção e a extrema violência de Estado e os problemas sociais que geram uma legião de jovens criminosos.

As grandes cidades e, hoje, mesmo rincões mais afastados funcionam como um laboratório de monstruosidades, gerando pessoas sem passado e sem futuro, dispostas a qualquer coisa, para conseguir algum dinheiro, por vezes para preencher necessidades básicas ou simplesmente brilhar no tecido social e ter um pouco de poder. O desenvolvimento da cultura do consumo e do individualismo são o pano de fundo para o drama atual. A publicidade de massa suporta, nas grandes mídias, os fundamentos desta cultura.

Não é possível se pensar uma ética coletiva que se anteponha a tantas desgraças, sem que a mesma não seja eminentemente crítica das bases sociais e políticas em que 'acidentes', crimes e outros problemas ocorrem. A construção desta ética deve fugir de soluções rápidas e tópicas, sem quaisquer profundidades. Os problemas citados são, na maioria dos casos, construtos humanos, portanto, podem ser modificados. De nada adianta chorar pelo leite derramado, se nada se faz para que as razões profundas destes fenômenos sejam alteradas, mesmo que os resultados não sejam imediatos.



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