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La insignia
14 de janeiro de 2006


O varredor que gosta de ler


Urariano Mota
La Insignia. Brasil, janeiro de 2006.


Se vivesse em um país de fala hispânica, a ocupação de Fabio seria chamada de "barrendero". No Brasil, mais que uma ocupação, o seu trabalho substitui a pessoa, que recebe o nome de gari, varredor, ou lixeiro. Trabalhador de limpeza urbana, Ajudante de equipe, não importa o eufemismo, Fábio Pereira da Silva é um homem raro e esquisito. Ele gosta de ler. Isso já seria um título honorífico para qualquer indivíduo em uma terra onde se lê pouco, mal e à força, quando se lê. Mas para um homem cuja atividade é recolher o que os mal-educados derrubamos nas calçadas, como se estivesse em um nível abaixo dos porcos, ser leitor é o mesmo que ser uma descoberta.

Todas as noites, ele pode ser visto na Avenida Rio Branco, no Recife Antigo, a ler sob a luz de uma banca de revistas. O dono da banca, para espantar os ladrões, quando acaba o seu dia, deixa uma lâmpada fluorescente acesa. Isso é tudo o que pede Fábio Pereira da Silva, que existam os ladrões e o medo do furto, porque das 7 às 8 da noite ele recebe essa bênção. Acomodado ao chão, abre um livro e lê, concentrado e em paz, esquecido do mundo. Isso muito me chamou a atenção. Isso muito acendeu em mim a imaginação, e comecei a ver nele um indivíduo da minha adolescência, que varria o chão de empresas e sonhava com a filosofia. Um jovem revoltado, pobre e agressivo, com idéias de pôr fogo no mundo, pensei.

No entanto, ele não é esse indivíduo que a imaginação desenhou com as linhas da experiência. Ele é outro. Durante a entrevista veio uma frustração, aquela frustração que acompanha os repórteres que saem com a entrevista feita antes que o entrevistado abra a boca. Depois compreendi melhor, ele é a realidade possível, e ainda assim surpreendente, irônica, mais imaginosa que a fantasia. Vocês verão por quê. Com vocês Fábio Pereira da Silva, 25 anos, que estudou até o terceiro ano científico.

- Fábio, me diga uma coisa, eu conheci você uma noite em que eu estava passando pela Rio Branco, e vi você lendo no chão, em frente a uma banca de revistas. Você lê o quê?

- A Bíblia, a bíblia sagrada.

- Certo, a Bíblia... O que você mais gosta de ler na Bíblia?

- A Bíblia é assim um livro, a revelação de Deus...não tenho ainda aquele assunto específico que eu pegue... Eu sou da Assembléia de Deus, de Camaragibe.

- Muito bem ...Tem algum versículo, algum pensamento que oriente os seus dias?

- Tem esse aqui (mostra a folha arrancada de um caderno): Romanos 6.23: "Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor."

- Você lê no intervalo do lanche, no horário das 7 às 8 horas da noite. Outros colegas de trabalho têm esse costume?

- Eu não sei, eu não conheço. Eu acho que é porque eles não são evangélicos ...

- Quando você lê a Bíblia, você está procurando o quê nela? A salvação da sua alma?

- Não...a Bíblia, quando a gente lê, ela é um alimento para a nossa alma... porque Cristo uma vez disse assim, "não só do pão viverá o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus", então ele fala que a gente, como ser humano, que a gente carnal se alimenta do alimento material, mas a gente, porque é um crente, quando aceita Jesus, nasce de novo, porque o homem, porque Jesus disse que o homem tem que nascer do espírito... é um novo nascimento, quer dizer que a gente (morre) nasce, e a gente começa a viver outra vida, a não ser essa do mundo. O alimento para que a gente se alimente é a palavra.

- Mas você não sente falta do outro alimento, material?

- A gente precisa dos dois. O alimento espiritual, que é a palavra, e o alimento material, que é o alimento com que a gente vive.

- E esse alimento material hoje lhe faz falta?

- Faz falta, sim...

- Que sonhos você tem para os seus próximos anos? O que você imagina ser?

- A gente quer uma vida assim boa, não é? ... Porque todo o mundo assim, é uma vida de... é assim... você ter uma vida melhor é bom, não é? Mas assim eu penso, de ter assim, porque é bom, não é, uma vida melhor, não é? Mas eu a cada dia eu sigo a vontade de Deus.

- Mas o que é que você deseja para os seus próximos anos? Você se imagina varredor no futuro?

- Assim, eu nunca tive assim, algo assim, não. Eu penso em conseguir alguma coisa melhor, de trabalho. Mas assim, uma coisa específica, sobre aquilo ... Eu penso ter uma coisa melhor, não é? Trabalhar em outras coisas, mas exatamente a coisa, não sei.

- Você tem vergonha de ser varredor?

- No começo eu ficava um pouco meio envergonhado... até assim, as pessoas, que às vezes olhavam para mim, porque às vezes a gente está na parada do ônibus, tem uma mulher, homem, ficam olhando assim pra pessoa... no começo eu ainda tive um pouco, não é?, aquela vergonha, mas agora, não.

- Que outros livros, além da Bíblia, você se interessa?

- Outros livros assim, como a Escatologia.

- Escatologia?!

- Sim, são livros que falam o futuro que Deus falou. As palavras que na Bíblia tem, que ainda não se cumpriram, mas vão se cumprir, futuramente. Eu tenho vontade de me aprofundar mais, ler mais isso.

- Você comprou a sua Bíblia, ou foi recebida de presente?

- Eu comprei.

- Quanto foi ela?

- Noventa e quatro reais.

- Você pagou como, à vista?

- Não, paguei no cartão, em quatro vezes.

- Este é o único livro na sua casa?

- É ... livro, é, de livro, é. Só tem assim um dicionário.

- Dicionário em casa? Que dicionário, de bolso ou grande?

- Pequeno, de bolso.



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