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La insignia
22 de abril de 2007


Dois casos de corrupção acadêmica


Urariano Mota
La Insignia. Brasil, abril de 2007.


O homem diante de mim não é nenhum corrupto. Ainda que não haja contradição entre ser um cientista e um senhor corrupto, o homem diante de mim é um mestre, um professor, um cientista. Para melhor situá-lo, direi que ele está no Brasil, e mais precisamente que é um biólogo, um estudioso das ciências da vida. Ele me fala do que lhe ocorreu em uma escola superior do sul do Brasil. No entanto, a sua pessoa poderá ser vista no país onde agora o leitor vive, na mais remota cidade, a milhares de quilômetros do lugar onde escrevo. Em razão da universalidade dos casos que narra, ele, antes de ser um cientista, é um homem ubíquo. Com a palavra, o professor K:

- A coisa está pior do que a imaginação pode alcançar. O senhor se julga um escritor, um sujeito dotado de grandes sonhos e fantasia? Então acompanhe o que lhe vou contar, porque a sua imaginação vai aprender muito.

Pois bem. Eu fui nomeado para ser relator de uma dissertação de mestrado. Nada de mais, isso faz parte do meu trabalho. Anote. Por experiência eu sei que não devo esperar teses que revolucionem o mundo da ciência. Revolução? Menos, bem menos, para que exagerar? A realidade já é um exagero. Para dizer a verdade, eu não devo esperar a mínima contribuição para qualquer coisa, a mínima que seja. Como eu sou um homem honesto, eu lhe digo que se este fosse o critério, eu próprio não estaria no lugar onde estou. Mas não ter esperança é diferente da mais completa e absoluta desesperança. Pois bem.

Quando eu havia corrigido cerca de 2/3 da tese, umas 60 páginas, eu tinha computado cerca de 150 erros de português. Preste bem atenção. Eu não sou essas coisas toda em minha língua, eu não sou exatamente um cultor do português, a minha especialidade é outra. Mas havia erros crassos, clamorosos, gritantes até para um indivíduo como eu. Agora, mire como as coisas andam em harmonia, na maior concordância orgânica. O que o trabalho não sabia de português, melhor ainda não sabia da ciência biológica. Que maravilhosa coerência, não é? Havia antagonismos, buracos, hiatos, saltos, o caralho a quatro. O que faz então este doutor que lhe fala? Chamei o aluno à minha presença, contei-lhe o estado deplorável da sua tese.

O aluno, um jovem astuto, muito vivo, me respondeu então, na minha cara, pois a que cara ele haveria de falar, não é?... na minha cara ele me disse que não teria tempo de fazer as correções antes da defesa, que já estava marcada para o dia 13 de abril, e que viria um outro doutor de Brasília para a banca examinadora, etc, etc, etc. Então eu disse a ele: "Escute, você me fez perder um tempo grande nesta correção. Mas, se a data da defesa já está marcada e seu orientador acha que o seu trabalho está apresentável, eu não vou criar problemas. Agora, tem uma coisa: Retire o meu nome na qualidade de relator, está certo assim?"

Não sei por que cargas d'água o novo cientista achou que a comissão examinadora poderia criar problemas, se ele não recebesse "o apto a ser julgado" do relator, no caso, eu. Por conta dessa dúvida, ele apareceu lá em minha casa, acompanhado dos seguintes fundamentos teóricos e experiências de laboratório: o seu poderoso e importante pai, com mostras de riqueza, nas roupas, nos sapatos, a mencionar de passagem o carro importado, e mais as mais importantes citações científicas, todas de nomes de políticos e de pessoas influentes da sociedade. Claro, como a visita era de amizade, como era uma política de boa vizinhança, eles vieram, a título de apresentação, com um lítro de uísque antigo, cujo preço é o meu salário.... É claro, eu não só dispensei o "presente" como voltei a explicar tudo de novo: "O problema é seu e de seu orientador. O que vocês acordarem, para mim estará ótimo. Agora, não coloque o meu nome nessa história. Só isso".

Bem, o cientista defendeu o indefensável, não fez as modificações sugeridas nem por mim nem pela banca examinadora, e quando imprimiu os seis volumes finais da dissertação colocou o meu nome como relator. Eu fiquei furioso, e só não chamei o cara de santo. Então, fiz uma reclamação por escrito ao coordenador da Pós-graduação e lhe disse que já era a segunda vez que me faziam de palhaço. Por fim, e numa atitude radical, consegui apagar o meu nome em quatro dos seis volumes impressos, com corretivo. O pai do aluno, quando soube dessa minha atitude, que faz? Imagine, o pai do farsante ameaçou-me com um processo. Eu era o delinqüente! Ainda bem que para a minha felicidade, para que o pai indignado não levasse adiante o processo, não havia prova de que eu era o executor de haver borrado o meu nome. E para maior prova de minha boa vontade, ainda havia dois exemplares com o nome legível do relator.

Agora, vem a melhor parte: contando isso aos colegas professores em uma reunião do Departamento de Biologia, em vez de receber apoio integral pela minha atitude, eu fui acusado de estar com excesso de "preciosismo" nas minhas correções. Os professores mais corruptos disseram que eu fui imbecil, idiota, metido a Robespierre em não ter aceitado o litro de uísque do cara. Em nome até da presente marcha de valores, eu nada respondi a quem me chamou de Robespierre barato. Minha cabeça poderia ir para a guilhotina.

Um outro caso.

Um colega foi para Portugal fazer um Pós-doutorado. Quando chegou me perguntou por um trabalho que iria ser publicado com o nome do orientando, do orientador (eu, mais uma vez) e no dele, pois ele ... Mira, a gente não pode ter excesso de escrúpulos. Entenda. O rolo compressor, a onda, o oceano, a atmosfera biológica, social, o caralho, é de tal forma que ninguém escapa ileso, entende? Em pequenas coisas concedemos. Ou caso contrário, cairemos no pecado do suicídio. Entendes? Concedemos um milésimo, um milionésimo, ou seremos obrigados a mendigar auxílio a quem já concedeu o cu, alma e complementos. Pois bem. O colega havia tomado por empréstimo... assim, a fundo perdido, R$ 1.800,00, que havia tirado de um outro projeto que tinha dinheiro em excesso. Tira do que tem muito para o que tem nada. Até aí, creias, nada de mais. Eu me comprometi que o trabalho seria publicado em nome dos três: no do orientando, no meu (orientador) e no dele. Ele me disse que tinha pressa na publicação, pois "Vai ocorrer um congresso de Bioquímica em Lisboa, e eu quero voltar a Portugal nessa ocasião. Quem vai apresentar o trabalho sou eu, pois eu consigo o dinheiro das despesas para essa viagem com facilidade". Eu disse então para ele que o trabalho já havia sido enviado para uma revista especializada em bioquímica e que um dos revisores tinha notado que as análises químicas não eram confiáveis.

Bueno, ele então me respondeu que "esses caras (os revisores) são cheios de frescura e que têm muita inveja de quem publica trabalhos de qualidade" (o dele - melhor dizendo, o "nosso")... Eu lhe respondi que este não era o caso, pois a argumentação do revisor estava correta e que deveríamos refazer as análises químicas para depois tentar publicar o trabalho na revista ou nos anais de um congresso, como o que estava previsto para Lisboa. Ele disse então: "Envia para o Congresso de Portugal do jeito que está, pois não temos tempo para agendar os laboratórios da USP antes do Congresso em Portugal". Eu disse "Não", porque as advertências do revisor estavam corretas, e mesmo que os revisores do Congresso de Lisboa não notassem os erros de análise química, eu estaria sendo desonesto, pois eu já havia sido informado sobre isso antes. O cara me disse que eu agia como um otário, um tonto, e que por isso eu nunca mais receberia qualquer dinheiro para futuras pesquisas...

Aqui terminam as palavras do professor K. Se bem entendi, ignorante que sou do mundo das academias e dos congressos de ciência biológica, se bem entendi, posso concluir que a tradicional divisão do mundo de fora, de todos os dias, também invadiu o austero e rigoroso mundo da ciência. No mundo acadêmico, científico, também os homens se dividem em astutos e tontos. Ou como dizemos no Brasil, em espertos e otários. Claro, o progresso da humanidade depende dos otários. Mas a boa vida pertence aos vivos e espertos. Escrever sobre isto é a única vingança dos tontos.



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