Mapa del sitio Portada Redacción Colabora Enlaces Buscador Correo
La insignia
15 de abril de 2007


O escritor que ambiciona ser rico


Urariano Mota
La Insignia. Brasil, abril de 2007.


Declaro logo de início que eu tenho um amigo escritor. Se outras pessoas têm influenza, sarampo, asma, câncer, eu lhes digo logo, liso, listo e pronto: eu tenho um amigo escritor. Como estamos em época de declaração de renda, bem que deveria tentar a devolução do imposto pago a mais, e por isso corrijo e adiciono: eu possuo uns 7 amigos escritores. Este em especial, de que lhes vou falar agora, é o sétimo. O que dele eu disser não se aplica aos outros.

Dar-lhe-ei o nome de Escritor em Desespero. Em primeiro lugar, devo dizer que ele não tem culpa de ser um escritor. Na verdade, nenhum dos meus 7 amigos tem culpa de ser essa enfermidade. Tivessem o Mal de Alzheimer, vá lá, alguma culpa teriam. Pelo menos genética. Agora imaginem um homem que vai passando sob um edifício, e um réptil quelônio aquático, mais conhecido pelo apodo de tartaruga, lhe cai em cima da cabeça. Ele não tem culpa. Tem azar, um nome vulgar para o significado de acaso. Guardadas as proporções, assim ocorre também com os escritores. Eles não têm culpa de ser um, têm azar. Ou os acasos de tartarugas que lhes caem do céu. Pero este nosso amigo Escritor achou por bem acrescentar mais uma coisa: ele quer e deseja e ambiciona ser rico. É justo. Se não é São Francisco, não é justo que um homem aspire a viver na pobreza. Muito bem, isso é mais que justo. O problema de semelhante ambição é que o nosso escritor deseja ser rico por fruto e obra da sua arte de escrever.

Creiam-me, e se não me derem esse crédito, acreditem em mim por hipótese. Tudo que lhes passo a narrar é verdade, ainda que nem sempre factual. Encontramo-nos em um bar domingo passado, no progressista subúrbio de Água Fria, zona norte do Recife. (Vejam só a natureza perversa da natureza da espécie, sempre volta ao subúrbio com os olhos fechados para a decadência desse lugar da juventude.) Pois bem, estamos em Água Fria, e ele, como todo bom escritor, dirige a mim defeitos que estão nele. Vocês vão ver, ele faz das próprias inquietações a minha pessoa.

- Então, continuas a escrever todos os dias, não é?

Bebo e me calo, porque não venho cumprindo com esse dever todos os dias, nos últimos tempos.

- Bom, bem sabes, o escritor que não escreve todos os dias é um filho-da-puta.

- Nem sempre - falo e digo em um misericordioso esforço de reflexão. - Há uns lapsos, há uns impedimentos que nem sempre estão resolvidos.

- Dinheiro, não é? E dinheiro é problema, homem? Dinheiro é solução ...Não, não, não, nada fales. Tu és um nefelibata? Responde, tu vives nas nuvens, ou caíste de uma nuvem? Responde, tu tens duas opções. Bem sei, tu queres viver na literatura à margem da profissão da literatura. Certo? Então te fode, desgraçado. Tu vais fazer todo tipo de ocupação à margem da tua pessoa, certo?

Ele é de um gênero que incomoda a gente. De tão frágil que é, sempre está no ataque. Faz jogo e broma com a verdade. Então eu me vingo. Os escritores agem muitas vezes como um perro, como um cão fila brasileiro, que ataca sem ladrar. Claro, para a minha desgraça, muitos anos depois. Pero agora eu me vingo, na hora.

- Certo, e qual o caminho da salvação, Senhor? Me fale, porque mais do que Deus eu sou todo ouvidos. Me conte.

- É simples. É só mudar de atitude.

- Para ser um bom escritor? Para ser um ótimo?

- Pés no chão, homem. Se tu queres viver a tentar ser um bom escritor, te fode. Tu vais morrer disso. E depois, sobre a tua cova, hão de chorar os cinamomos. E terás todas as honrarias que recebem os mortos. Lá do alto do Olimpo estarás muito feliz, se puderes subir do túmulo. Se queres isso, te fode.

- Certo, mas a gente pode entrar no Olimpo em vida mesmo. Isso não é de todo impossível.

- OK, grande gênio, mas vamos calcular a probabilidade... deixa ver, 1 em um milhão, talvez. Você é o sorteado.

- Isso é uma grossura total, meu amigo. Muy amigo... Você põe no cálculo o que não pode entrar no cálculo. Você calcula o impossível, o que se consegue por força do talento, do fogo....

- Que piada! É para rir? Quantos artistas de valor você conhece que estão fora do Olimpo? Quantos artistas estão dentro por motivos estranhos ao talento? Hem? Se queres esperar o Olimpo, te fode. Eu quero um Olimpo mais prático, o verdadeiro paraíso na terra: eu quero ficar rico....Ou melhor, eu bem sei que tu queres ficar rico.

Então eu me calo, porque o desejo não me é assim tão estranho. Concedam-me a fraqueza. Que ele parece perceber, porque volta mais contundente:

- Presta atenção. Para ser um escritor rico não é preciso talento. Gostou? Uma dose por tua conta para esta lição. Vai anotando. Talento para escrever não é preciso. Não ficou mais fácil?

- Mas é preciso o talento para ganhar dinheiro, é claro. Devolva a dose.

- Pára de ser burro. Talento para ganhar dinheiro quem possui é capitalista. E capitalista não entende porra nenhuma de escrever. Ele põe quem sabe para trabalhar para ele. OK? Então acompanhe. Para ficar rico escrevendo a receita é simples: tu tens que escrever aquilo que o mercado pede. Do you entende? É simples como água, é simples como este uísque. Do you percebe? Então mira, nada vende mais que livro de auto-ajuda. Percebe?

- Essa não, por favor, isso é o óbvio. Você me deve uma dose. O mercado está saturado de livros de auto-ajuda.

- Devolva, animal. Mais uma para a minha conta. Auto-ajuda é um gênero sempre renovável. O mercado está saturado de um certo ramo de auto-ajuda. Por exemplo, o livro que diz "subir na vida é fácil", Ou subir é mais fácil que ereção para um tarado com priapismo. Disso o mercado está cheio. Há um outro tipo, no mesmo gênero: o que se faz com reflexões mais elaboradas, percebe?, o que aposta no mistério, no imenso mistério das coisas que não têm explicação... Eu já estou imaginando um, agora mesmo: escreva algo que fale das dificuldades reais, da vida real, mas que insinue uma conformação com o status quo. Entende? Mira: o que caracteriza a auto-ajuda é a conformação. Esse gênero não quer transformar nada. Ele só deseja cambiar o possível para continuar o mesmo.

- Mas para escrever uma coisa dessas o sujeito tem que acreditar nisso, não é? Não dá para ter esta cabeça e escrever esse tipo de coisa.

- Claro, quando o dinheiro começar a entrar, você acredita. Esse negócio de acreditar também é uma conformação, homem. Você mete o pau na burguesia até o momento em que não é um. Quando for, você vai conhecer as grandes figuras humanas que antes não percebia. E vai dizer, "eu já fui muito preconceituoso". Isso é dialético! Quando a gente se aproxima do diabo é que vê melhor: o diabo não é tão diabo assim...

- Hum... - eu me digo e lhe digo. E confesso em silêncio que estou meio perturbado.

- Você tem que transformar em palavras o que o mercado pede.

- Isso é uma merda, rapaz - Protesto, em meio à corrente de água irresistível. - Isso é uma merda.

- O quê, viver na merda? De que adianta ganhar a criação se vives na merda, desgraçado? Mira, jamais serás o meu herói inesquecível.

- Alto lá, eu não vivo na merda.

- Essa vida morna, sem altos nem baixos, é uma merda, homem. Sem fome e sem conforto...

- Sei. Mas você pede o impossível. Para ficar rico o escritor tem que enfiar a mão na merda.

- E não só a mão. Os pés, a cara, a mente, o corpo todo. E sem reclamar que o perfume não é bom.

- Sei. - Eu deveria dizer, "eu confesso que nada sei".

- Adapta-te ou morre.

E para nada dizer que uma adaptação nesses termos já é uma vitória da morte, apenas lhe respondo:

- Você é um depravado. Eu não vou lhe pagar dose nenhuma.

E assim falo sem muita ênfase, por me faltarem forças, em nome até da honestidade. É que me lembro, de repente, de um poema que escrevi para o laboratório Pfizer, em honra das pílulas Viagra. Mas é prudente calar, porque o poema foi recusado. E por isso lhe digo:

- O mercado não quer poesia. Para quê arte para um sucesso de venda?

- Quem está falando em arte? Se o mercado não vem ao meu talento, o meu talento irá ao mercado. Então eu serei rico sozinho.

E por mais que sonhe com projetos criminosos, ele me pisca um olho, "sonhar não é crime, é?". Concordo. Sonhar, não importa o sonho, não é crime. O crime é a corrente que gera esse tipo de sonho. Para a semana continuamos, porque a conversa não acaba aqui.



Portada | Iberoamérica | Internacional | Derechos Humanos | Cultura | Ecología | Economía | Sociedad Ciencia y tecnología | Diálogos | Especiales | Álbum | Cartas | Directorio | Redacción | Proyecto