Mapa del sitio Portada Redacción Colabora Enlaces Buscador Correo
La insignia
1 de abril de 2007


Um deus inca em São Paulo


Urariano Mota
La Insignia. Brasil, abril de 2007.


Para não faltar ao compromisso com La Insígnia, recupero um texto publicado no Jornal da Semana, de São Paulo, em 23 de outubro de 1977. Na época, eu escrevia crônicas como freelancer para esse jornal, que era editado por Raduan Nassar. De passagem devo anotar que nesse tempo o estado de ânimo e de matéria - alma e prata - deste repórter era o pior possível. Para terem uma idéia do quanto, este que lhes escreve somente respondia cartas que viessem com selos adicionados no interior do envelope. No entanto, não sei se em razão de raiva ou de maior desespero, o texto a seguir não demonstra bem a carência de dinheiro no espírito do repórter. Que era um atleta sonhador nesses dias: caminhava até 9 horas, em rigoroso regime de calorias, por inúmeros e infindáveis quilômetros. Sempre a observar a bela paisagem dos edifícios paulistanos, sob um céu invariavelmente gris.


Deus inca assaz falado

O que o cidadão espera de um bar que tem o nome de "Latinoamericano"? Toureiros de Espanha em terras do México, Sarita Montiel cantando "La violetera", a felliniana Mamãe Dolores aos prantos secundada por Parra de mosquetão, com duplas de mexicanos de sombreros a passear pelas mesas chacoalhando "que bonitos ojos tienes", um indivíduo pisando una señorita em arrojado tango, um índio com poncho a mascar com os olhitos apertados nos Andes? Pois se de Latin American o cidadão só entende os prospectos distribuídos em agências de viagem, não vá a este bar que tomará tremendo susto: ao pé da escada, na Henrique Schaumann (quase esquina da Avenida Rebouças), encontrará um deus inca pintado na parede, segurando, à altura do queixo, aquilo que o eufemismo recomenda dizer, um vigoroso falo.

Falemos, em termos: o senhor reverencia o deus-poder, sobe a escada, e adentra um ambiente cujo toque é a calma, o recolhimento, o bar, doce bar - atributos que, naturalmente, custam alguns trocados, que pesariam para um obrero, o que não deve ser o seu caso. Em um recanto em que a quase penumbra convida à paz (tão difícil, lá fora), o senhor senta-se, pois este bar não é um daqueles infernais botecos em que a gente se embriaga de pé, até cair; senta-se e degusta, ao sabor do acaso, un tequila, un pisco, un don ramón, ou un negroni latino, que certamente lhe acenderá as ventas, mas será contido, amaciado pela suave música que vem dos trópicos, nas ondas doces das vozes dos grupos folclóricos del Paraguay, del Chile, del Perú ... encastoadas em gentis fitas de um gravador que rumoreja e faz o ambiente. Das 19 e 30 ao último cliente, a depender do cliente, evidentemente. Falou?".

Pensando melhor, essas linhas possuem raiva e um olhar de quem vivia à margem. Na época, toda a redação do Jornal da Semana achava que era um textínho de bom humor.



Portada | Iberoamérica | Internacional | Derechos Humanos | Cultura | Ecología | Economía | Sociedad Ciencia y tecnología | Diálogos | Especiales | Álbum | Cartas | Directorio | Redacción | Proyecto