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29 de maio de 2005 |
Urariano Mota
Do alto dos seus 1 metro e 61 centímetros de altura, bem harmonizados em 62 quilos e 69 anos, o historiador e arquiteto José Luiz da Mota Menezes não impressiona a vista inculta. Por força do seu olhar, olhamos sempre para a sua cabeça, para os fios brancos da barba e das têmporas, e ainda assim nada vemos da fama do homem que descalço nos recebe em sua casa. Ele é reconhecido internacionalmente pelos trabalhos de restauração que tem feito, pela ressurreição de monumentos da época do domínio holandês, e para sorte da cultura judaica e sobrevivência material do mestre, é autor da recuperação da primeira sinagoga das Américas, no bairro do Velho Recife.
- A nossa entrevista será sobre o quê? pergunta. Com um gesto, ele encerra a série de depois, porque deve saber, por experiência, que dos muitos depois pouco sai na imprensa, depois. - Veja logo se o gravador está funcionando, me diz. Eu presto atenção no que os entrevistados falam, professor, se o gravador falhar, com esforço e paciência, poderei reconstruir, tenho vontade de lhe dizer, mas isto já seria um depois, e por isso em silêncio fico a ligar e a desligar o gravador, até o momento em que, acho que ele não percebeu, acerto a estranha posição em que a fita nova se encaixa e gira. Respiro o alívio: o entrevistador consegue demonstrar que põe um gravador para funcionar com sucesso. A primeira vez em que vi este senhor que se põe a discorrer à minha frente, foi na Igreja da Conceição dos Militares, numa palestra em que ele relacionava as imagens de Nossa Senhora no teto, nas paredes e nos nichos da igreja à própria evolução da imagem da mãe de Deus na história. Isto nunca me havia ocorrido. Eu julgava, como boa parte dos ignorantes à minha imagem e semelhança, que a imagem da Virgem Maria era uma só, havia mais de 500 anos. Lembro que o meu deslumbramento era freqüentemente interrompido pela Secretária da Prefeitura, que recomendava ao professor que fosse breve, porque a sua fala deveria ser apenas uma das falas de um evento histórico-turístico-publicitário da Prefeitura do Recife. A Secretária chegava a lhe puxar a manga da camisa, ao que o mestre respondia com as mais polidas palavras do - Tenha calma, tenha calma! A Secretária não teve, para melhor sucesso do evento. Interrompido assim antes do fim, quando a multidão se dirigia para o próximo ponto onde outros arquitetos falariam em português de substantivos sem verbos, lembro que me dirigi ao professor e lhe disse que a Prefeitura do Recife cometia um erro em chamá-lo para uma pequena exposição. Ele me olhou firme, e me encarou, lembro. Ao que eu lhe disse, "não se chama um sábio para um evento de turistas". Este homem que agora fala à minha frente, relembra um crime que a exatidão aritmética, física, deveria chamar de destruição de parte de um bairro do Recife. A exatidão histórica, não. Isto porque o mestre José Luiz da Mota Menezes se refere à destruição do bairro de São José, um bairro do centro da cidade, um mais-que-bairro, uma identidade do Recife. E conta com palavras de quem viveu, sem consulta a registros nos jornais, como se deu este crime. Até porque o assassinato se fez no mais brutal ano da ditadura Médici, em 1973. Os registros fiéis dos jornais não há, e aqui a falta significa medo, e repressão. Ao ouvir agora o que este homem conta, dou graças aos deuses a fita do gravador girar sem a minha interferência. Eu não saberia interferir, eu não saberia dizer-me, agora, enquanto ouço e escuto o seu relato objetivo, "tenha calma, tenha calma". Vocês irão ver, o arquiteto e historiador narra um assassinato. Que para ser fiel ao fato, deveria ser chamado de O Assassinato de um Bairro. Deveria, mas à última hora preferi o que vai no título acima. Espero que compreendam. Para denunciar um crime todo exagero é ponderação.
"- A intervenção do prefeito Augusto Lucena se dá no seu segundo mandato. Mas Lucena não abriu mão da idéia de fazer a Dantas Barreto dele, uma vez que ele foi o homem da obra da Avenida Recife, um indivíduo dado a grandes obras... ele queria marcar a sua administração com uma obra que projetada em 1914 deveria ser feita, ignorando naquela altura que ela já era contornável, já não era mais necessária. Foi então que eu declarei num documento para a Academia de Letras, para os intelectuais, que iria se fazer uma obra que era absurda, porque era "uma avenida do nada para o nada". Eu gravei e entreguei à Academia de Letras, entreguei aos intelectuais essa minha declaração e que ficou na história. Lucena insistiu, e então iniciou a derrubada de todos os imóveis, na primeira etapa, até chegar na Igreja. Quando ele chegou na Igreja, a igreja era tombada. Então ele iniciou um processo que caracterizasse o destombamento. Para esse fim, ele (e há uma documentação arquivada no Ministério da Cultura), ele mandou que um indivíduo chamado Ubirajara, que era o demolidor oficial da Prefeitura do Recife, amarrasse um cabo de aço na torre da Igreja, para derrubar a torre e descaracterizar dessa forma o edifício. Wilson, fotógrafo, (aquele, do "Quiosque de Wilson", na Rua Nova) nessa altura se achava presente, documentou o prefeito Lucena, em pessoa, auxiliado por seu secretário Ubirajara, amarrando o cabo de aço na torre da Igreja e puxando, e a torre caindo. Justo no dia em que vinha um representante do IPHAN para identificar a Igreja como importante. Por outro lado, se apresentou ao Prefeito Lucena a idéia de que a avenida poderia ser desviada pela parte de trás da igreja, porque a igreja era muito estreita, muito pequenininha, então ela ficava dentro de uma ilha (como a Igreja de Nossa Senhora da Candelária no Rio de Janeiro), sem prejuízo nenhum para o tráfego, e se manteria a Igreja e o casario que identificava o que restou do Pátio, do bairro de São José. Ele não aceitou a idéia, continuou a batalha, e conseguiu do ministro, o ministro militar, o Ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho, o destombamento, contrariando intelectuais, como Ariano Suassuna, o Conselho de Cultura, enfim, ele conseguiu o destombamento da Igreja. E então demoliu. - Em que ano foi isso, professor? - Em 1973. Na segunda gestão de Lucena.... Então, nessa altura dos acontecimentos, o então Ministro da Educação e Cultura Jarbas Passarinho declarou o destombamento, mas disse que obrigaria a Prefeitura a refazer o frontão da Igreja virado ao contrário para a avenida... o que seria uma solução, vamos dizer, mediadora, mas uma solução um tanto ou quanto estranha, porque se iria construir uma fachada de uma Igreja que nunca existiu, só para lembrar que uma igreja existiu. Para lembrar que uma igreja existiu, bastaria uma fotografia. Mas nem isto, esse paliativo, esse absurdo do frontão virado, foi feito.
E a Dantas Barreto foi consolidada, gerando-se com isto, e aí é que vem um processo complicadíssimo, gerando um esvaziamento do bairro de São José, porque as famílias, foram mais de 200 desapropriações, as famílias foram deslocadas com uma indenização miserável, muitos eram inquilinos, a demolição foi feita a toque de caixa...
- Houve destruição de ruas? |
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