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La insignia
3 de março de 2007


Brasil

Pasárgada


Luís Carlos Lopes
La Insignia. Brasil, março de 2007.


Uma sucessão de infanticídios, fortemente explorados pelas mídias, tem comovido a todos. Este tipo de crime, milenar, normalmente é mais cometido pelos pais, parentes ou pessoas bem próximas, no âmbito privado da vida dos envolvidos. Decorre da miséria material ou, por vezes moral, vivida pelos que cometem tal atrocidade. Em nossa cultura, os filhos são a esperança, representam o futuro e a sorte na vida. Eliminá-los representa abandonar qualquer ilusão. As crianças são sempre vítimas inocentes do que o mundo dos adultos produz de mais brutal. Herodes continua vivo e atuante.

As escravas matavam, em algumas situações, os seus rebentos, quando não conseguiam interromper a gravidez. Não é difícil compreender que, para elas, ter filhos significava piorar ainda mais as condições de vida de quem já tinha sido coisificado pelo mais brutal sistema de exploração do homem pelo homem, jamais inventado.

Em situações extremas, um ser humano é capaz de fazer coisas, que a nossa vã filosofia não tem como aceitar. Não raro, a hipocrisia toma o lugar da compreensão objetiva do problema. Este costuma ser entendido como fato isolado. Suas causas são esquecidas e o ódio, muitas vezes justificável, toma o lugar da razão. O resultado é que um drama é sucedido por outros, e assim por diante. Nada é feito para alterar suas razões profundas. Tudo irá se repetir, melancolicamente.

Duas versões do crime nefando de infanticídio têm ocupado um espaço imenso nas mídias de massa: o tentado ou cometido pelos pais, mormente, pela mãe, na nossa atual e hegemônica monoparentalidade; e o mesmo crime cometido por terceiros, como parte de assaltos ou como resultado de conflitos bélicos envolvendo as polícias e os bandos armados, estes últimos presentes nas periferias e favelas do Brasil atual.

No primeiro caso, as imagens terríveis da tentativa ou da realização do crime são exibidas com o seu inerente dramatismo somado à sua espetacularização. A mãe é culpada! O seu linchamento moral impede que se discuta, de modo racional, os motivos igualmente terríveis de sua decisão. As mulheres carregam suas culpas ancestrais, cometendo ou não crimes apavorantes. Se forem negras e pobres, certamente serão julgadas com imensa severidade pelas mídias e pela opinião comum.

No segundo, tudo dependerá de quem é o morto, em que condições foi assassinado e como o caso foi midiatizado. A condenação midiática, respaldada socialmente, pode ser violenta, à beira da incitação ao linchamento, ou se pode, apenas lamentar, por exemplo, lembrando que aquele menino, quase sempre negro e indubitavelmente pobre, estava entre os 'bandidos' e o 'caveirão', recebendo a bala fatal. A vida vale pouco em nosso tempo. A morte pode sobrevir repentinamente, como sempre, de modo estúpido e possível de ser evitada.

Obviamente, que os sentimentos dos pais e dos demais, diretamente envolvidos, não têm nada a ver com os processos de valoração sociomidiática. O que varia é a reação dos que recebem as mensagens e não são próximos dos que viveram diretamente os fatos. Nem sempre a dor humana é captada pelas mídias, por mais que sua caricatura seja fartamente usada como forma de vender suas mercadorias. A dor é um problema de foro íntimo e deve ser respeitada como tal.

O poder das mídias é imenso, mas elas não podem criar a realidade do que exibem. Todavia, podem recriá-la nas bases que sejam favoráveis aos seus senhores. Deve haver cuidado de não se tomar casos isolados, exibidos com grande alarde pelos meios de comunicação, por mais cruéis que sejam, como representantes de toda a verdade social. Eles são indicadores importantes, mas, normalmente, os problemas que geram situações dramáticas como estas, não aparecem na superfície exibida. Tal como o inferno, eles são subterrâneos, ardem lentamente. Suas labaredas emergem das profundezas do tecido social provocando os danos conhecidos.

Como seria bom que as mídias de massa, em eventos terríveis como estes, fossem usadas para discutir o desemprego estrutural que assola a mãe gentil, afetando, por vezes definitivamente, milhões de jovens. Como seria agradável ver as mídias discutindo o problema da ignorância ligada à semi-alfabetização, à inexistência do estímulo da leitura, à difusão de crenças irracionalistas e ao baixo consumo de arte de qualidade. Como seria estimulante que as mesmas abrissem, sem preconceitos, a discussão sobre o fanatismo religioso, sobre o nosso fundamentalismo reificante e aberto as mais diversas ignomínias.

Por que não discutir o futuro de nossos jovens, seus sonhos e suas esperanças frustradas? Por que as mesmas mídias não fazem a ligação entre o crime e os problemas sociais do país? Será que ainda acreditam, como na Idade Média, que o crime é um problema estritamente pessoal, um pecado, e algo que deve ser punido com o fogo do inferno manejado pela justiça dos homens? Por que não se imagina o mesmo tratamento aos corruptos que roubam milhões, aos fazendeiros que usam de mão-de-obra escrava, aos responsáveis por falências que levam milhares para o desemprego, aos formuladores de políticas econômicas que excluem ainda mais os excluídos?

Ninguém pode ser humano, se vive como um animal. Se bem que se possa estar ofendendo animais, que, por vezes, vivem melhor que muitos seres humanos. Como seria bom que as mídias discutissem a si próprias, perguntando-se, por exemplo, qual é o efeito da publicidade sobre quem não pode consumir os produtos alardeados? Verificassem, em outro exemplo, qual a sua fatia de responsabilidade na disseminação da violência? Como seria gratificante se a justiça punisse exemplarmente os responsáveis por qualquer ato brutal, dentre eles o infanticídio. Mas, também punisse igualmente todos os responsáveis pelo processo de animalização que converte jovens em homicidas, que executam seus próprios irmãos.

Como seria bom se Pasárgada existisse.



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