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14 de janeiro de 2006 |
Mídia quer Lula e PT calados
Mário Messagi Júnior
Manchete do site ig.com.br do final de dezembro de 2005 dizia "Lula não pára de falar". Lula, para o ig, só fala besteiras. Deve calar, portanto. Ato falho, talvez, pois calar um ator político importante é prática antidemocrática, por mais tolas que sejam suas palavras. Talvez o ig não concorde, mas o presidente da República é um ator importante na República. Além disso, Lula não tem dito besteiras, mas sofre sempre pela seleção de citações descontextualizadas.
O ato falho revela uma ação de fôlego, duradoura e de efeitos contundentes: pretende-se que o PT e Lula não falem. Devem, tão somente, assumir seus erros, assumir sua desonestidade atávica e pedir perdão. Depois, se retirar, por trinta anos da política partidária, para Borhausen ficar feliz. Corja que assolou o país, os petistas devem apenas entender que foram pegos, descobertos, e aceitar o banimento. Para o bem da nação. A percepção exagerada dos erros do PT entra pelos poros da população, da mais simples, que acredita, ingenuamente, na cobertura da imprensa, passando pela classe média conservadora, que acreditaria em qualquer coisa contra o PT, chegando até os militantes, que, diante da falta de negativas sistemáticas e detalhadas do partido, ficam em dúvida. Produz-se, pela repetição, uma ordem de discurso, onde contrariar a concepção dominante é ato de insânia. Abrir a boca para dizer qualquer coisa que não seja "perdão e adeus" é dizer besteira. Qualquer petista pode sentir isso. Como em nenhum momento, defender o PT é difícil. As informações fluem num ritmo muito mais veloz do que podemos entendê-las. Na verdade, pouco se entende da cobertura, exceto um sentimento geral de que o PT é corrupto e de que Lula está escondendo as ações imperdoáveis que praticou no exercício da Presidência. Assim, fala Toninho da Barcelona e acusa. Rocha Matos acusa. Toninho Malvadeza Neto acusa. Apresentam provas inconsistentes ou claramente produzidas. Instrumentos de produção de manchetes, não resultados de investigação. Mas se tanta gente diz e ninguém desmente com contundência, deve ser verdade. Por vezes, o efeito de ausência de resposta é produzido pela ausência de cobertura. Quando o PT não cala, não é ouvido. O resultado é a imposição de um sentido apenas. Se é verdade a corrupção, negá-la é mentir. Quem mente, não deveria abrir a boca. Institui-se a verdade pelo discurso. A isso, chamo espiral do silêncio. O PT foi pego nela. No início, acusado, apenas pedia desculpa. Não tinha coragem de negar a voz hegemônica, até por que seu tesoureiro era réu confesso. Agora, o partido começa a dar sinais de recuperação. O PT deve, de fato, pedir perdão pelos graves equívocos que cometeu. Mais que isso, deve dar sinais claros e contundentes de que não é o que a imprensa e a oposição dizem que é. Não se trata apenas de retórica, mas de gestos concretos, como a apuração veraz e eficiente dos culpados pelo caixa dois, as origens dos recursos e a punição dos responsáveis. Isso não deve ser feito da maneira como o PT faria em outra situação, mas de forma radical. O PT deve ser, neste caso, mais realista que o rei. A ação, além de tudo, deve ser simbólica, dotada de sentido claro para a população. Ação é discurso. E o sentido deve ser: o PT errou, mas, ao contrário dos acusadores, tem estofo moral para purgar seus delitos e, mais que isso, preveni-los. A prevenção deve vir pela mudança do funcionamento do partido, com a criação de dispositivos que impeçam que os problemas se repitam. E tais mecanismos devem ser divulgados, convertidos também em discurso, em sentido. Por fim, o PT poderia propor leis, de forma visível para a sociedade, para inibir práticas corruptas na política partidária. É preciso dar sinais mais claros de que o PT ainda pode ser o depositário das esperanças e energias por um Brasil melhor, mais humano e mais justo. Então, cada ação deve se revestir de uma lógica simbólica. Se não tiver condições de fazer isso, é sinal de que o partido está mais perto daquilo que a oposição diz que ele é. Se deve pedir perdão pelo que fez, o PT não deve nem cogitar se desculpar pelo que a imprensa e a oposição querem que ele se desculpe. Não deve, jamais, se desculpar pelo que não fez, mas lhe é atribuído. Pedir perdão implica assumir culpa. Se ela não existe, é necessário negá-la com ênfase. Tanto uma coisa quanto outra, perdão e ação moralizadora e negação, são fundamentais para recuperar o que o PT perdeu no imaginário coletivo e que, mesmo com tudo isso, lhe custará muito caro. A percepção da população sobre o PT mudou, drasticamente, para pior. Este deslocamento antecede a crise, mas é aprofundado por ela. É necessário entender as razões desta reconfiguração do imaginário social para fazer o caminho inverso ou, pelo menos, mudar de caminho. Tento entender As esperanças que o partido aglutinava gerou uma estimativa muito alta sobre o governo Lula. Responder a utopias tão vastas e, por vezes, tão heterogêneas seria impossível. Paul Ricouer explica que as utopias são não-contraditórias. Ao tentar realizá-las, sempre vemos que são muito mais complexas e difíceis do que imaginávamos. Além disso, muitas vezes imaginamos que nossos sonhos são os sonhos de todos, mas sonhamos sozinhos ou em grupos muito menores. O PT sempre canalizou os interesses de muitos movimentos sociais. Interesses, por vezes, contraditórios, mas que se aglutinavam em torno do partido. Ser um partido de massa, que dá voz aos movimentos sociais sempre esteve nos princípios norteadores do PT. E sempre produziu dispersão de posições e dispersão utópica. Por tudo isso, o governo Lula só poderia decepcionar, em maior ou menor medida. Isso não isenta a responsabilidade do governo. Pois muitas vezes o caminho trilhado ia no sentido contrário do que qualquer um tenha imaginado. Eram estranhos a todos os petistas. Nossas utopias viraram distopias, na forma de concessões, por vezes muito além do que a esquerda poderia suportar. E o governo foi insensível o suficiente para não perceber estes sinais, até que os mais decepcionados rompessem radicalmente, como foi o caso de Fernando Gabeira. Estas decepções já davam sinais claros muito antes da crise que se instalou no país. O caixa dois confessado por Delúbio Soares e o uso de um agente usual de outros esquemas, anteriores ao governo Lula, pioraram muito as coisas, destruíram um dos pilares simbólicos do partido, tanto para os cidadãos quanto para os militantes. À decepção com o governo se somou a decepção com o PT, da qual, no fundo, não se separa em momento algum. O abalo nas nossas utopias, o norte que nos move, foi violento. A nossa perplexidade e incapacidade momentânea de dar respostas, seja com discursos, seja com ações, alimentou a situação. Segundo a imprensa, é a maior crise da República. Não é falso. Mas se trata de uma profecia auto-realizada. Ao afirmar a crise como a maior da história, ao mostrá-la como tal, a imprensa faz dela a pior das crises, de fato. Não por que o ilícito, na sua origem, seja o pior da República. Mas por que o simbolismo disso, em se tratando do PT, é claro e demolidor. O PT paga mais caro pelos seus defeitos por causa das suas virtudes. Ninguém construiu uma imagem ligada è ética e políticas públicas de combate à corrupção tão eficazes quanto o PT. Além disso, esta simbólica e estas políticas nunca foram resultado de projetos individuais. Inventamos o "modo petista de governar", constituímos um partido de verdade. Agora, somos, no imaginário coletivo, iguais aos demais partidos. Não apenas alguns de nós, mas todos nós somos iguais. Agimos como coletivo; respondemos como coletivo. Mas, para a oposição, não basta provar que não somos diferentes. O próximo passo é provar que somos piores. A oposição está empenhada nisso. Pouco preocupada com a corrupção, bloqueia até o mais óbvio expediente de combate à corrupção que é o financiamento público de campanha. Mas, para a platéia, posa de moralizadora. Por outro lado, nunca um governo foi alvo de ataques tão violentos, patrocinado por um jornalismo tão ruim, cheio de falhas tão básicas de checagem e precisão de informação. Por isso, não podemos subdimensionar a crise. É a maior crise da história da República, pós redemocratização. É preciso acatar isso. É preciso entender a lógica da imprensa e jogar com ela. É preciso criar mecanismos alternativos de comunicação que vocalizem nossas palavras sem a mediação dos grandes jornais e emissoras de rádio e TV. É preciso mostrar, com ênfase, que o PT se arrepende dos seus erros e que nunca mais vai repeti-los. É preciso mostrar que o governo não foi tudo que imaginávamos e assumir que, em muitos aspectos, fez o contrário do que planejamos, mas que é pelo menos duas vezes melhor que qualquer governo de direita. E que é, sim, um governo de esquerda, ainda que tenha praticado políticas ortodoxas. E é preciso não calar, falar contra uma ordem hegemônica de discurso. É necessário falar alto, com coragem. Não aceitar, nunca, um cala boca. (*) Mário Messagi Júnior é jornalista, professor da Universidade Federal do Paraná e doutorando em Comunicação pela Unisinos - Universidade do Vale dos Rio dos Sinos. E-mail: messagi@ufpr.br |
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