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La insignia
4 de julho de 2007


Néctar: água, açúcar e uma pitada de...


Marinês Eiterer e Felipe A. P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil, julho de 2007.


Néctar é o nome da solução açucarada produzida pelas plantas no interior de uma estrutura secretora chamada nectário. Desde os tempos de Aristóteles, no século 4 a.C., já se sabia que as abelhas coletavam uma substância adocicada produzida pelas flores e que a estocavam em suas colméias. Naquela época, porém, ainda não se fazia distinção entre néctar e mel.

A palavra néctar foi usada pela primeira vez pelo botânico francês Jean de la Ruelle (1474-1537). O termo nectário, no entanto, só apareceu na literatura científica quase 200 anos depois e o primeiro a usá-lo, ao que parece, foi Carl von Linné (1707-1778), em 1735.

Os nectários surgiram antes das flores. A planta com nectários mais primitiva que se conhece, a samambaia Pteridium aquilinum, não possui flores [1]. Entre as gimnospermas, plantas igualmente desprovidas de flores, nectários são particularmente comuns em espécies dos gêneros Ephedra (Ephedraceae) e Welwitschia (Welwitschiaceae). Foi só com o surgimento das angiospermas que os nectários passaram a produzir néctar como atrativo floral.

Alguns autores modernos argumentam que os nectários estariam inicialmente envolvidos com a excreção do excesso de açúcar produzido pelas folhas. Há, porém, outras interpretações. Seja qual for a origem dos nectários, produzir néctar é uma função sabidamente dispendiosa. Para ter uma idéia, o volume de néctar produzido por uma planta pode consumir até 37% de toda a sua produção fotossintética diária [2]. Não é à-toa, portanto, que as plantas sejam capazes de reabsorver (isto é, metabolizar) seu próprio néctar, utilizando os produtos desse metabolismo em outras funções.


Uma questão de nomenclatura

A relação entre néctar e polinização só foi estabelecida no século 19, graças aos estudos de Christian K. Sprengel (1759-1816), F. H. G. Hildebrand (1835-1915) e Charles Darwin (1809-1882). Na mesma época, Johann X. R. Caspary (1818-1887) propôs uma distinção entre nectários florais e extraflorais. Nectários florais seriam aqueles que ocorrem dentro de flores, enquanto os extraflorais seriam encontrados nas partes vegetativas do corpo da planta, como pecíolo, lâmina foliar etc. Um exemplo familiar de planta com nectário extrafloral é o maracujá comum (Passiflora), cujo pecíolos foliares ostentam um par dessas estruturas.

Uma nomenclatura alternativa para os nectários, levando em conta aspectos funcionais, foi proposta pelo botânico italiano Federico Delpino (1833-1905). De acordo com ele, teríamos dois tipos de nectários: o nupcial e o extranupcial. O primeiro seria aquele nectário que participa mais diretamente do processo de polinização (as 'núpcias'), enquanto o segundo não estaria envolvido nesse processo. A nomenclatura proposta por Caspary, contudo, terminou prevalecendo.


Atrativos florais

Inúmeras espécies animais visitam flores em busca de recursos. Muitos desses visitantes estão atrás de néctar, outros não. Dos animais que habitualmente visitam flores em busca de néctar (abelhas, borboletas, moscas, beija-flores, morcegos etc.) apenas alguns agem e atuam como polinizadores efetivos. Muitos visitantes são apenas pilhadores oportunistas que roubam néctar (e eventualmente outros recursos) sem exibir preferências ou comportamentos próprios de um polinizador [3].

Polinizadores são visitantes que involuntária mas sistematicamente transferem grãos de pólen entre flores de uma determinada espécie de planta. O uso deliberado da expressão 'involuntária' procura ressaltar aqui a idéia de que, do ponto de vista do polinizador, as flores visitadas são basicamente uma fonte de alimento (néctar, por exemplo). Trocando em miúdos, quando transporta o pólen de uma flor a outra, o polinizador não está exatamente fazendo um 'favor' à planta. Do ponto de vista da planta, podemos dizer que o néctar é a recompensa que ela fornece aos seus polinizadores por um serviço (transferência de pólen) bem feito.

Essas interações mutualísticas entre plantas e polinizadores favoreceram a evolução de flores particularmente atrativas e, ao mesmo tempo, econômicas. Quer dizer, ao longo do tempo, as flores evoluíram de modo a maximizar seu poder atrativo e, ao mesmo tempo, minimizar os custos envolvidos com a manutenção de uma comunidade local de consumidores. Um jeito de fazer isso é regular a quantidade e a qualidade da recompensa oferecida (no caso, o néctar).


O néctar

À medida que as investigações em torno da interface planta/polinizador progrediam, alguns pesquisadores se voltaram para o estudo da composição química do néctar. Um trabalho pioneiro nessa área foi realizado por Gaston Bonnier (1853-1922), botânico francês que quantificou os diferentes tipos de açúcares presentes no néctar de algumas flores. Boa parte do que sabemos hoje sobre a composição química do néctar deve-se, porém, ao amplo e meticuloso trabalho do casal Baker - os ingleses Herbert G. Baker (1920-2001) e Irene Baker (1918-1989) [4].

Sabemos hoje que o néctar é primariamente uma solução energética, composta de água e açúcares (sacarose, frutose, glicose). Mas não é só isso: trata-se de uma solução energética devidamente temperada... A proporção dos diferentes tipos de açúcar, a concentração de cada um deles e a quantidade total de néctar são algumas das características que variam de acordo com a espécie de planta [5]. E é em parte graças a essa variação que flores de plantas diferentes tendem a atrair conjuntos mais ou menos distintos de polinizadores.

Flores com néctar rico em sacarose, por exemplo, atraem principalmente abelhas, mariposas, borboletas e aves, enquanto flores com néctar rico em frutose ou glicose atraem outras espécies de abelhas e moscas. A concentração de açúcares (i.e., a quantidade de açúcar presente por unidade de volume de água) determina a viscosidade do néctar e isso também influencia a identidade dos visitantes. Abelhas, por exemplo, preferem néctar mais viscoso, enquanto borboletas e beija-flores preferem néctar mais aquoso. Por sua vez, a quantidade de néctar influencia tanto a identidade como o tamanho dos visitantes. Como regra geral, flores que produzem grandes quantidades de néctar atraem os polinizadores de maior porte.

Além de açúcares, sabemos agora que o néctar contém também uma rica e variada gama de substâncias químicas, como aminoácidos, proteínas, lipídios, antioxidantes, minerais e vitaminas, além de algumas toxinas. Mas ainda sabemos relativamente pouco sobre o papel dessas substâncias e suas implicações na polinização. Os aminoácidos, por exemplo, parecem ser importantes como complemento alimentar para animais que necessitam de uma dieta rica em proteínas, como é o caso de borboletas e moscas. Os antioxidantes podem estar presentes a fim de evitar a oxidação e, conseqüentemente, a degradação de outros componentes importantes do néctar. Por sua vez, alguns tipos de proteínas parecem agir na proteção da flor contra o ataque de fungos.

Mas como explicar a presença de substâncias tóxicas no néctar: afinal, por que adicionar toxinas na composição química de um líquido produzido para funcionar como atrativo? Uma explicação plausível, seria a seguinte: a presença de substâncias tóxicas, como ocorre no néctar das flores da datura (Datura, Solanaceae) e do rododendro (Rhododendron, Ericaceae), é um modo de evitar a ação de pilhadores oportunistas. Isso também ocorre com as flores da catalpa (Catalpa speciosa, Bignoniaceae), cujo néctar é rico em toxinas que inibem a ação de formigas nectarívoras, embora essas mesmas substâncias não façam qualquer mal aos legítimos polinizadores.

Para finalizar, um breve comentário antropocêntrico: a presença de algumas dessas outras substâncias no néctar (além de água e açúcar) é responsável pelas diferenças que nós, seres humanos, percebemos no sabor e na cor do mel.


Notas

(*) Marinês Eiterer e bióloga meiterer@hotmail.com, consultora botânica da AUE Soluções. Versão ligeriamente modificada deste artigo foi publicada na edição de julho de 2007 da Revista Eletrônica AUE Soluções http://www.auesolucoes.com.br/revista/default.asp.
Felipe A.P.L Costa é biólogo meiterer@hotmail.com, autor de Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003) e A curva de Keeling e outros processos invisíveis que afetam a vida na Terra (2006).

1. Outras espécies de samambaias também possuem nectários; ver, por exemplo, Koptur, S.; Rico-Gray, V. & Palacios-Rios, M. 1998. Ant protection of the nectaried fern Polypodium plebeium in central Mexico. American Journal of Botany 85: 736-739.
2. Para um estudo meticuloso, ver Pyke, G. H. 1991. What does it cost a plant to produce floral nectar? Nature 350: 58-60.
3. Sobre a terminologia apropriada para os diferentes tipos de visitantes florais, ver Inouye, D. W. 1980. The terminology of floral larceny. Ecology 61: 1251-1253.
4. Sobre as influências científicas do casal Baker, ver Bock, J. H. & Linhart, Y. B., eds. 1989. Evolutionary ecology of plants. Boulder, Westview Press.
5. Ver Baker, H. G. & Baker, I. 1983. A brief historical review of the chemistry of floral nectar. In: B. Bentley & T. Elias, eds. The biology of nectaries. NY, Columbia University Press.



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