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La insignia
31 de maio de 2006


As causas da violência urbana


Altamiro Borges (*)
La Insignia. Brasil, maio de 2006.


Na mesma semana da onda de violência em São Paulo, o IBGE divulgou uma pesquisa sobre a segurança alimentar que ajuda a entender as causas profundas desta guerra urbana. Ela revela que quase 14 milhões de brasileiros sofreram de fome em 2004, num universo de 72 milhões de pessoas vítimas de insegurança alimentar. Também confirma que este flagelo atinge principalmente os jovens; ele é maior nos domicílios com menores de 18 anos (41%) do que nas residências habitadas somente por adultos (24%). Por último, ela mostra a relação direta entre fome e pobreza - decorrente do desemprego, da informalidade e da baixa renda. Perto de 6 milhões de pessoas que passaram fome possuíam rendimento inferior a US$ 30 mensais.

Entre outros méritos, a pesquisa serve para se contrapor à onda de histeria da mídia, com suas reportagens jorrando sangue que instigam o pânico e o ódio na população, em especial na acovardada "classe média". Sem minimizar a urgência da adoção de medidas de segurança eficazes de proteção à sociedade, ela ajuda a evitar o senso comum de que a barbárie é inerente ao ser humano, que dá brecha à pregação direitista da "tolerância zero". Essa preconceituosa concepção, que desvincula a violência urbana das chagas sociais, é que orienta a reação truculenta da polícia. Após os ataques do crime organizado, o aparato repressivo do Estado assassinou 110 pessoas em São Paulo - muitas delas sem qualquer vínculo com os criminosos.

Maiores vítimas dos marginais, agora os moradores da periferia de São Paulo são alvos da truculência da PM e da discriminação da "classe média". No clima de ódio estimulado pela mídia, policiais encapuzados espalham terror e medo nos bairros pobres. "Familiares têm nos procurado contando que o filho, que era trabalhador, que estava indo ou voltando do trabalho, foi vítima da ação da política. Já há a percepção de que a violência arbitrariamente está ocorrendo nas periferias", denuncia Oscar Vilhena, da ONG Conectas Direitos Humanos. O auxiliar de cozinha Francisco Antônio Moreira, sem passagem pela polícia, foi uma das vítimas desta insanidade: morreu com três tiros na cabeça num bairro da zona sul da capital paulista.

"Por mais que saibamos que a polícia está traumatizada, e isso é natural, o que nos preocupa são algumas falas do comando das polícias. Um comandante disse, por exemplo, que 'a caçada não termina agora', que 'temos que eliminar'. Se há uma reação natural da população, porque todos tiveram seus direitos violados e querem reagir, isso não pode ser aceito por parte do aparato do Estado", explica Oscar Vilhena. "Caso embarquem nesse caminho, o Estado não vai se diferenciar dos criminosos. O que define qualquer crime é a violação da lei, de um lado ou do outro. Esse tipo de retórica só abre espaço para que os maus policiais comecem a agir por conta própria", alerta. Nesta ação irracional, as razões sociais são menosprezadas.

Num país em que a desigualdade social é uma das maiores do mundo - no qual 14 milhões de pessoas são vítimas da fome e apenas 20 mil famílias de ricaços especulam com 85% dos títulos públicos e ostentam o luxo da Daslu -, a violência urbana encontra o seu caldo de cultura. Os quase 2 milhões de jovens aptos a ingressar no trabalho por ano e que não encontram emprego acabam se tornando o "exército de reserva do narcotráfico", conforme a expressão do insuspeito sociólogo Hélio Jaguaribe. Enviados aos presídios, que o PCC chama de "faculdades", muitos destes jovens viram reféns do crime organizado. Na sociedade do espetáculo, em que o consumo é endeusado, o crime é visto como forma de superação da exclusão social!

Os efeitos eleitorais

Como era previsível num ano de acirrada disputa sucessória, a onda de violência em São Paulo tornou-se mais um motivo para as especulações eleitorais. As recentes pesquisas já confirmam que o ex-governador Geraldo Alckmin foi o maior prejudicado pela guerra urbana que abalou o país. Ela desmascarou o PSDB, que governa o Estado há quase 12 anos e que se gabava da sua pretensa "competência gerencial" e do seu "eficiente" controle da máquina pública. A ausência de investimentos sociais, a redução dos gastos na segurança pública e a prioridade na truculenta repressão policial e na construção de presídios e Febems, as "faculdades" na ótica do crime organizado, evidenciaram a falta de sensibilidade do tucanato.

Para a Justiça Global, "os ataques representam uma confluência entre a incompetência das autoridades do estado, do poder judiciário e da própria polícia, conjugada com a ação de um grupo criminoso organizado, que há muito se fortalece dentro e fora dos presídios. As autoridades de São Paulo foram incompetentes, ineficientes e, pior, negligentes". A conclusão desta ONG é que a grave crise da segurança pública não será resolvida sem que ocorra uma mudança estrutural, que priorize a geração de emprego e as políticas sociais, e que esteja associada a outra concepção de segurança - com investimentos na inteligência policial, investigações coordenadas e medidas concretas para pôr fim à corrupção nos poderes públicos.

No outro extremo, a onda de violência explicitou as diferenças de comportamento entre os governos Lula e FHC - que apenas os míopes não enxergam. Até por sua origem na miséria, Lula é muito mais sensível aos dramas sociais. As políticas públicas de inclusão e de combate à fome hoje são mais ativas. Só com o Bolsa Família o governo atingirá 11,1 milhões de domicílios neste ano - hoje, 9,1 milhões de famílias recebem o benefício; em 2004, eram 6,7 milhões. Este e outros programas, de caráter emergencial, é que explicam a redução da miséria na fase recente, conforme atestou a própria ONU. O recente aumento real do salário mínimo e das aposentadorias também procuraram superar a dívida social apontada pelo IBGE.

Estas medidas sociais, porém, são insuficientes. Não resultam em mudanças estruturais no país, mantendo as causas da péssima distribuição de renda e riqueza. Não alteram a repugnante situação em que 20 mil famílias especulam e esbanjam opulência, enquanto 14 milhões de brasileiros passam fome. Sem alterar essa lógica destrutiva, que beneficia a oligarquia financeira, elas não conseguem garantir, nem ao menos, a segurança alimentar. Os programas sociais apenas "secam gelo": o que eles incluem, o desemprego e a baixa renda excluem em dobro! Daí a urgência de um novo ciclo de desenvolvimento com valorização do trabalho no Brasil. Do contrário, novas explosões de violência tenderão a ocorrer.


(*) Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi).



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