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La insignia
22 de maio de 2006


Brasil

Os hexacampeões!


Raul Longo
La Insignia. Brasil, maio de 2006.


Faltam dois meses para a voz de Galvão Bueno explodir num grito de "É gol do Brasiiiil!". Em todos os rádios, todos os televisores. Em todos os lares, lojas e bares. Travando nossas gargantas, inflando nossos peitos um uníssono: - É goooool! Gol do Brasil.

Galvão Bueno descrevendo, comentando cada lance. Vez por outra um palpite dos de sua equipe: o ex-jogador a rememorar outras copas, o ex-juiz a conferir a justiça do árbitro. E lá no campo, o "speaker", o repórter correndo para a boca do vestiário, colhendo o parecer do técnico, dos nossos heróis de 90 minutos.

E nós aqui de olho na tela, naquela ansiedade, naquela felicidade tamanha pela bola na trave, pelo 'foi, não foi', pelo 'é agora! Passa! Centra! Chuuuta... Vai!". E um rojão indo, levando nossa mais profunda e sentida brasilidade, irmanada e emanada num só abraço, um único choro. Uma grande alegria!

Emoções condensadas em 15 minutos de intervalo entre dois tempos de pura apreensão, medo, precisão, coragem, destreza e categoria. "Que categoriiia!" - elogia o Galvão, elogiando cada um de nós. Cada um de nós: negros como Pelé, brancos como Zico, cafuzos como Garrincha, mulatos como Jairzinho.

Em cada um, uma multidão. Um turbilhão que explode em rojões, insiste nas buzinas, bate nas latas, nas panelas e nos couros. Somos o esquadrão de ouro! Os heróis do caneco!

E vamos às ruas: mares de brasileiros! Seremos maiores que os heróis de qualquer história! Seremos os viquingues, os exércitos de Gengis Khan. Parreira, o nosso Napoleão. Rubinho o nosso Pinzón. Cafu, o Simon Bolívar brasileiro. Seremos, em total essência: brasileiros. Brasileiríssimos nessa hora!

Seremos o lendário Rei Arthur e os cavaleiros de sua távola trazendo para casa o santo graal. Seremos Hercules e Aquiles. Mais astutos que Ulisses e com mais coragem que todos os da história de Tróia. De todas as histórias! Dos exércitos de centuriões, dos pares de França, dos 300 de Esparta, dos cruzados e Saladino, dos samurais, os imperiais de qualquer reino, os generais da Segunda e demais guerras. Ivanhoé, Superman, e os cowboys. Somos nós! Mais que o El Cid dos espanhóis.

Ninguém nos encara. Nem alemães, italianos ou argentinos. Ninguém se compara! Treme até o norte-americano, pois quem não sabe que somos uma potência? Em cada Rubinho, Ronaldinho: um Ricardo Coração de Leão. Sem contar que somos Pelé: o rei da maior nação do mundo todo, e inteiro.

Somos um só brasileiro! Em cada um, uma multidão: na Boa Viagem em Recife, na Voluntários da Pátria em Porto Alegre. Na Avenida Paulista repleta. Na Pampulha de BH e na Nossa Senhora de Copacabana. Em Salvador, Brasília, Belém, Manaus e Conceição do Mato Adentro! Em cada cidade desse país, um só país: negro, branco, índio, mulato, cafuzo.

E vamos receber nossos meninos de ouro, a gloriosa seleção canarinho. Todos juntos na mesma emoção, em lágrimas de gratidão por provarem ao mundo, pela sexta vez, para todos os povos e nações, que somos os campeões. Os hexacampeões!

O mundo nos aplaudirá. Afinal, ninguém, país nenhum chegou a tanto. Nem perto! Certamente o mundo sorrirá de nossa alegria. Provavelmente, ainda que com sotaque, em todo mundo também se gritará: "- Brazil: hequixacampeon!" E trocarão alguns passos de nosso samba, vestirão nossa camisa verde-amarela e agitarão nossas bandeirinhas. O mundo se divertirá com nossa alegria por pelo menos um mês. Quem sabe, quinze dias. Talvez, uma semana. Certamente no dia em que o capitão da seleção levantar o caneco e o Galvão Bueno berrar pela milésima vez: "- Brasiiiil hexacampeão!"

No entanto, mesmo que apesar do favoritismo, por uma dessas imprevisibilidades de todo esporte e competição, o grito de Galvão se sufoque em nossas gargantas, sem qualquer eco e repercussão; provavelmente o mundo nos admirará por outro motivo, ainda este ano. Ainda este ano, pode acontecer do mundo, em cada país, por muitos dias, se questionar por seus órgãos de imprensa: quem é essa gente? Do que é feito esse povo?

Quem são esses hexacampeões que a cada quatro anos depositam todas as suas esperanças e ambições nos pés de onze meninos negros, brancos, mulatos, cafuzos? Onze meninos pobres. Onze pivetes, moleques, trombadinhas, traficantes, assaltantes, meliantes ou famintos, miseráveis, abandonados. Todos ignorantes.

Onze meninos com talento nos pés, destreza nas pernas, ginga no corpo e muita, mas muuuuita sorte. A sorte de terem conseguido driblar nosso silêncio, sobreviver ao nosso silêncio. O silêncio e a impassibilidade que sempre dedicamos aos milhões de meninos dos morros, das periferias, da escravidão nos latifúndios dos sertões, das pedreiras e carvoarias. Das Febens e de tantos governos omissos.

Meninos a quem sempre demos apenas duas opções: a bola ou a cola? O craque do futebol, ou o crack do cachimbo? O drible ou o tráfico? Até o dia em que um nos responde repetindo a mesma clássica pergunta: "- A bolsa ou a vida?"

Não! Não daremos nada! Para os que não escolheram a bola nem tiveram tanta sorte, daremos apenas a polícia. E que roubem nossas vidas, mas não daremos sequer carinho com a mão do dedo que acusa, e pouco nos importa se o mundo nos vê escondê-la no bolso fundo da nossa covardia. Pouco nos importa a inclusão social, a distribuição da renda. O bolsa família, o projeto de difusão da escola básica ou as cotas para universitários negros, brancos, mulatos, cafuzos. Pobres.

Aí estão todas as pesquisas provando que reconhecemos a legitimidade de nosso governo, mas se ainda assim insistem por impedi-lo através da especulação de erros historicamente costumeiros, não empunharemos cartazes, nem sairemos às ruas. Às ruas só sairemos por uma boa razão. Não para defender nossa vontade tantas vezes expressa, por mais que a negue a imprensa.

E que o mundo se espante e confirme o velho general estrangeiro, afinal não fazemos questão de um país sério. Não fazemos questão de respeito, não sabemos o que é dignidade.

Pouco importa se, como jamais, há combate à corrupção, o contrabando, a destruição ambiental, a sonegação e escravidão. Pouco importa se até o ministro cai. Que importa se há liberdade nunca vista para a mídia criar notícia que não se comprova? Se, como nunca aconteceu, integrantes do governo se dispõem a respostas para políticos de duvidosa ou comprovada fama por crimes pregressos, redundantes em acusações cansativamente elucidadas. Se desculpas inventadas para testemunhos subornados não enganam nem inglês, que importa?

Não interessa se o país produz como nunca, se o empresário vende, se o povo consome, se o salário dobra e as ofertas de emprego crescem em um mês o que antes nem em um ano. Se a inflação acabou, se o dólar abaixou e o país exporta, que importa?

Que interessa se recuperou a credibilidade internacional que nunca teve, e hoje é indicado como liderança do hemisfério?

Na Coréia do Sul, por uma dívida muito menor, em todos os interiores, em todas as cidades, o país festejou a independência do FMI por muitas semanas. Não estamos aqui para isso. Somos mais espertos! Sabemos não haver pai que pague pelo filho que não reconhece para evitar escândalo de um caso de trinta anos atrás, mas se o Ministro que nos tirou da inflação e do atoleiro for à cadeia porque tentou se defender, que fazer? Às ruas só sairemos por uma boa razão.

Que pensem que nossa capital é Buenos Aires, que retorne a dengue e a inflação! Que privatizem o que falta e sumam com o dinheiro deixando-nos outra vez no apagão! Que a miséria se espalhe e a violência se descontrole! Que nossas filhas e irmãs alimentem o turismo sexual, mas às ruas: só por uma boa razão.

Não nos digam que democracia não é apenas votar e responder pesquisas. Não nos ensinem que democracia também é defender o voto, a opinião. Pois às ruas, só por uma boa razão.

Ainda ontem éramos apenas o país do futebol, do desastre econômico e maior risco de investimento do mundo. Recordista em todas as mazelas sociais. E hoje, as mais importantes nações defendem nossa inclusão no Conselho de Segurança da ONU.

O que aconteceu? O mundo mudou?

Se houvesse mudado, não seríamos tão comentados. Mas o que importa? Não será apenas por isso que deixaremos nossas casas, nossas oficinas. Os escritórios, a praia e o eito. Não será por isso que tiraremos as mãos do fundo bolso de nossa covardia.

Que façam o impeachment! Que dêem o golpe! Que roubem nosso voto, que levem nossa bolsa e até nossa mãe! Mas às ruas só sairemos pela boa razão de dizer ao mundo que esses negrinhos, mulatos, brancos, cafuzos: somos nós. Nós somos os heróis.

Por um mês, uma semana, pouco importa. Importante é que somos nós. Depois... Que subam as favelas, que se encafuem nos barracos, que sumam nos charcos! Ou chamamos a polícia! Por um mês, uma semana, naquele dia que se aproxima, então sim: Iremos às ruas unir nossa voz a de Galvão Bueno, gritando na cara do mundo: "- Ééééé! Brasil Hexacampeão!"

E o mundo sorri... Mas é isso o que importa.



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