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La insignia
22 de maio de 2006


Brasil: Entrevista com Luiz Eduardo Soares

Substituir as platitudes por respostas objetivas


PPS / La Insignia. Brasil, maio de 2006.


Numa semana que em que o terror e a violência tomaram conta de São Paulo e de cidades do interior do estado, deixando a sociedade brasileira perplexa e assustada pelas ações comandadas pela organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), o tema da segurança pública se tornou o principal assunto das ruas, da mídia e, como não poderia deixar de ser, do Congresso Nacional. Como nossa tradição é, infelizmente, a de sempre tentar resolver o problema depois da consumação das tragédias, o que não faltou foram idéias, discussões e até a aprovação de leis com o objetivo de conter o avanço da criminalidade e da violência, diante da superlotação dos presídios que estão mais para escolas do crime organizado do que para a recuperação dos detentos.

Para contribuir com este debate, a bancada do PPS na Câmara dos Deputados reuniu-se nesta semana com um dos maiores especialistas na área de segurança pública, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário Nacional de Segurança Pública. Antes do encontro com os parlamentares do partido, na tarde da última quarta-feira, Soares falou ao Portal do PPS. Na conversa, considerou "profundamente lamentável" e "um recuo inaceitável" a negociação entre o governo de São Paulo e os líderes do PCC, para que a facção criminosa cessasse os ataques a postos policiais, a delegacias, a agências bancárias e as rebeliões que se espalharam por todo o interior do estado, que deixou um rastro de 150 mortos entre policiais, criminosos e suspeitos desde a sexta-feira da semana passada.

Soares é implacável ao criticar o governo Lula que, segundo ele, renunciou à segurança ao substituir o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) por intervenções "às vezes boa, às vezes espetaculares e midiaticamente orientadas da Polícia Federal". No entanto, o ex-secretário de Segurança Pública descarta planos mirabolantes para recuperar o falido sistema carcerário brasileiro e melhorar as ações governamentais na área de segurança. No plano prisional, Soares defende o cumprimento às determinações da LEP (Leis de Execuções Penais) que, na sua opinião, poderia evitar as rebeliões e também reduzir a superpopulação nas penitenciárias.

Soares considerou ainda o pacote com 11 leis aprovado pelo Senado, nesta semana, "uma reação demagógica, nutrida pelo medo e orientada pelo pânico" da população devido aos acontecimentos de São Paulo. Para ele, a Casa agiu de forma "açodada e irresponsável" para recuperar a imagem perante a opinião pública. Leia, a seguir, a entrevista.


Portal - Como o senhor avalia o fato de o governo de São Paulo ter negociado com os líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital) para por fim à onda de violência e às rebeliões nos presídios do Estado?

Luiz Eduardo Soares - Se isso aconteceu, é profundamente lamentável e sugere uma rendição e um recuo inaceitável do governo de São Paulo. Caso esse procedimento venha a se confirmar, ele pode estar associado a práticas policiais injustificáveis, já que as últimas incursões nesse sentido foram muito graves, inclusive com a violação dos direitos fundamentais dos presos. Deveríamos ter maturidade suficiente para compreender que nós estamos colhendo hoje a tempestade que semeamos lá atrás. O PCC surgiu no presídio de Taubaté (SP) por revolta e indignação aos maus tratos impostos a alguns criminosos ali presos. Essas torturas e humilhações suscitaram reações violentas e bárbaras. Por outro lado, se o Estado responde à barbárie com a barbárie, não vamos sair desse círculo vicioso nunca. Então, cumpre ao próprio Estado não mimetizar o comportamento criminoso, sob o risco de o crime triunfar. A vitória do crime está justamente em nos tornar parecido com ele. E nós não podemos aceitar isso. É preciso respeito à Constituição e às instituições democráticas.

Portal - O serviço de inteligência da polícia falhou ao não detectar a tempo o plano dos líderes do PCC de ataques e rebeliões?

Soares - É evidente que há falhas na inteligência, mas não podemos responsabilizar, neste caso, a polícia, porque as unidades penitenciárias são antros superlotados incapazes de aplicar a lei, seja na sua dimensão de dever e obrigação e no atendimento do que é previsto na legislação penal. Diante desse caos permeado pela utilização de celulares no interior dos presídios, é impossível conter o que aconteceu.

Portal - Na sua opinião, a transferência de mais de 700 presos para a penitenciária de segurança máxima de Presidente Venceslau, na quinta-feira da semana passada, é que provocou os ataques e as rebeliões que se alastram por São Paulo?

Soares - Para compreender as razões dessa tragédia, é preciso recorrer à história. Em 1995, o Brasil tinha 150 mil presos e hoje 350 mil. Naquele período, tínhamos 95 presos por 100 mil habitantes e atualmente 212. São Paulo tem 144 mil presos, o que representa 360 detentos por habitante. Portanto, o estado encarcerou muito mais do que a média nacional, que cresceu aceleradamente nos últimos 11 anos. Quando se prende com um braço e com o outro transferimos essa massa de presos para penitenciárias impróprias e inadequadas ao cumprimento da LEP (Lei de Execuções Penais), temos o pior dos dois mundos: nem direitos e nem deveres são respeitados, fazendo com que todo o ressentimento dos presos se converta numa ação armada, bárbara e incontrolável. Nós construímos as condições para que essa situação existisse. Mais por que em São Paulo? Porque o estado viveu esse drama e contradição de uma forma mais veloz. Ao prender mais, vivenciou o problema de forma mais potencializada. Não podemos prender se não temos condições de acolher os criminosos, impondo os rigores da lei e lhes garantindo os direitos previstos legalmente. Ou prendemos e cumprimos a LEP ou não prendemos! Se não fazemos nada disso, temos de levar à prisão às últimas conseqüências. E a transferência pode ter sido, nesse caso, a gota d'água. Mas houve outros elementos, como o indulto do Dia da Mães, que foi concedido a 12 mil presos. O indulto em si não está incorreto e os indultados não parecem ser o problema - eram presos sem históricos de violência. Mas, no entanto, eles foram submetidos a uma chantagem dos líderes do PCC. Deveriam cumprir as ordens da facção criminosa ou seriam assassinados no retorno aos presídios. Isso não foi avaliado com antecipação pelo sistema penitenciário.

Portal - Isso quer dizer que a LEP não é cumprida pelas autoridades?

Soares - Temos todos os tipos de violações à LEP nas penitenciárias. Mistura de criminosos com graus de periculosidade diversos e diferenciados que, em si, são um grande equívoco, porque os mais violentos acabam se impondo e treinando os outros na escola do crime. As unidades prisionais são grandes. Precisamos de prisões menores, sem superlotação e em condições de salubridade, higiene e saúde mínimas para dar condições de eficiência do trabalho penitenciário. Além disso, é preciso acompanhamento para a progressão de regime por bom comportamento, porque o Judiciário não atende aos pedidos na presteza necessária. Hoje, em São Paulo, há 38 mil presos encarcerados mais do que o tempo determinado, o que é um absurdo completo. Portanto, temos todas as transgressões aos preceitos da LEP e o resultado disso é a falta de controle: os celulares entram nos presídios, a corrupção impera e a revolta só aumenta. Esse quadro só vai mudar se estendermos o processo de transição democrática até a área da segurança e da Justiça criminal. Com todas as suas deficiências, a LEP é um bom instrumento de trabalho para a aplicação das penas. Adaptar o sistema penitenciário ao novo quadro democrático significa simplesmente aplicar a lei.

Portal - Por que o SUSP foi engavetado pelo presidente Lula?

Soares - A criação do SUSP estava previsto no plano de governo do presidente Lula através da normatização de seu funcionamento via legislação infraconstitucional, o que exigiria a determinação de algumas exigências para o funcionamento das polícias e do sistema penitenciário. Isso garantiria o controle, a qualidade e o respeito aos profissionais da área - valorização, boa formação e treinamento -, para reduzir a corrupção e a brutalidade na área. A proposta precisaria ainda ser enviada ao Congresso Nacional para que essas normas fossem convertidas em determinações legais. Em 2003, negociamos com todos governadores e eles endossaram a idéia do SUSP, quando foram criados 27 gabinetes de Gestão Integrada. Mas os mesmos definharam e morreram por inércia. Lamentavelmente, o governo Lula renunciou à segurança pública e substituiu o seu plano de segurança, que era ousado e consistente, por ações e intervenções - às vezes boas, às vezes espetaculares e midiaticamente orientadas - da Polícia Federal. Politicamente, Lula preferiu investir nas ações da Polícia Federal para criar uma cortina de fumaça e deixar o SUSP na gaveta. Então, ela faz o seu espetáculo e encobre a realidade do não-investimento e do não-cumprimento dos compromissos.

Portal - Houve divergências com o presidente Lula para a implementação do SUSP?

Soares - Não. Nunca nenhuma divergência foi explicitada em relação ao SUSP, ao contrário. É que os assessores do presidente lhe disseram que se ele assumisse a liderança no processo de reforma na área de segurança pública se converteria no alvo de acusações, cobranças e críticas permanentes, sempre que houvesse problemas com a área. O presidente Lula, então, preferiu deixar no colo dos governadores essa bomba-relógio para não se expor a risco. Foi infelizmente o que fizeram os governos anteriores. Por isso elaboramos e formulamos o SUSP com o propósito de reverter esse quadro.

Portal - Qual o motivo do governo brasileiro investir tão pouco em segurança pública?

Soares - No caso do governo federal, acho que houve, de fato, a renúncia à segurança pública. O presidente prefere falar generalidades e platitudes do tipo: "se o brasileiro tivesse sido educado há 20 ou 40 anos, as coisas seriam diferentes". Claro! Se Adão e Eva não tivessem cometido o pecado original, a situação seria outra... O que fazer com a herança perversa da nossa história autoritária e excludente? Somos um país complexo e devemos investir no futuro para a criação de uma outra sociedade. Mas, enquanto, essa sociedade não for construída, temos de sobreviver até lá e oferecer à população condições nas quais a Constituição seja respeitada. Se isso não ocorrer, não vai haver futuro algum. Muito menos aprofundamento da democracia, porque não haverá espaço e liberdade para a ação, a organização e a expressão. Estaremos acuados pelo medo e a incerteza. Então, não adianta desconversar. O que deve ser feito é substituir as platitudes por respostas objetivas.

Portal - E o pacote com 11 leis aprovado esta semana pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado para combater a criminalidade?

Soares - Tudo isso é muito lamentável. Na verdade, parece-me uma reação demagógica que se nutre do medo, orientada pelo pânico, gerando não só ineficiência como contradições que agravam o problema da segurança pública. Não se pode legislar sobre temas tão graves de forma açodada, precipitada e reativa. Esse Congresso está há quatro anos debruçado sobre o problema da segurança e foi impotente para enfrentar o problema, calando-se todo o tempo, com exceções evidentemente. Diante da crise, para mostrar que está vivo, dialoga com o medo da população e oferece ao medo um alimento, uma resposta que parece adequada para recuperar a imagem diante da população. Mas isso é inteiramente irresponsável. Precisaríamos de medidas muito mais simples e consistentes. Basicamente, não se trata de inventar uma legislação ad hoc na emergência para criar mais problemas. Pelo contrário, precisaríamos da singela aplicação da lei que nós temos, a LEP, que nunca foi aplicada a rigor. Em vez de inventar novas leis, por que não aplicar as que já temos?



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