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La insignia
29 de maio de 2006


Uma semana inolvidável


Urariano Mota
La Insignia. Brasil, maio de 2006.


A receita de uma semana inolvidável deve começar pelo computador. Se na culinária os ovos se quebram, na vida de quem escreve o que se quebra é o computador. Os espanhóis chamam a esta máquina pelo nome muito próprio de Ordenador. Isto deve ser porque esta máquina nos dá ordens, que revelam, quando ela se ausenta, a desordem da nossa vida real. Pero anoto a diferença de que na receita de um bolo os ovos se quebram por desejo do mestre cozinheiro, enquanto em nossa vida o Ordenador se quebra por ordem do Mestre lá em cima, no infinito. Tão longínquo e tão próximo, pelos efeitos. A sua ausência é a sua presença, no monitor escuro.

O segundo elemento da receita é a nossa absoluta ignorância das razões por que o Ordenador Supremo nos deu essa ordem, de coisas, do inferno. Pensamos, diante do monitor, entre as trevas: "É porque choveu muito....". (Deveríamos consultar antes do trabalho os boletins meteorológicos, se vai chover, se irá chover muito, essa vontade anunciatória do Ordenador?) Já sabemos então por quê, imaginamos. Quando chove muito, o tempo esfria, a umidade, os ventos que vêm da praia batem inclementes nos plugs, nos orifícios das tomadas, balançam os fios, oxidam e trazem a maresia, que machucam e matam aqueles que vivem às ordens do Ordenador. É isto. E, creiam, este passo da ignorância é um avanço, extraordinário, de um estágio anterior. Antes, julgávamos e proclamávamos, todos poderosos: o computador é uma ferramenta, o computador não passa de um instrumento para a nossa criação. Idiotas éramos, idiotas somos menos agora, porque sabemos: nós é que somos um instrumento da criação do Ordenador. Sem ele, queremos dizer, sem Ele, nada somos. Como almas penadas sobrevivemos a vagar por entre as trevas do monitor. Apagado, apagados.

O terceiro elemento é levá-lo a um técnico, a um bom técnico. Para isto desligamos os fios, os cabos, com cuidado para não olvidar a relação biunívoca de a cada plug o seu orifício, único, e não outro. E com maiores cuidados deitamos o Cérebro do Supremo Ordenador no banco traseiro do carro. Mas, pero e todavia ao descermos a rampa da garagem a nossa esposa avisa: - "O pneu está baixo". Hem? - "O pneu secou". Não acreditamos nisto, porque jamais podemos esperar que a uma desgraça venha outra. Hem? Saímos e contemplamos: o pneu, de fato, baixou. O pneu está baixo como o nosso ânimo, como o nosso dia, como os peitos suculentos que sugávamos e não tínhamos consciência. Se o pneu está baixo, a pergunta seguinte é: e agora? A vocês eu confesso que de pneus e de pneus baixos nada entendo. Concedo, alguma coisa entendo, depois de muitas horas e esforço e busca da posição exata onde se encaixa o macaco - sei, não sou tão estúpido, debaixo do carro. Mas a minha esposa sabe que de nada eu sei. É da intimidade dos casamentos. E por isto aconselha, "chame um homem". Intimidade não leva à glória. O seu conselho é uma suprema humilhação. Eu, um escritor, eu, um sei lá o quê, ter de procurar um homem como se eu não fosse um deles. Está certo, confesso (e não aceito!) que eu não sou. E por isto fico pleno de raiva, entro no carro, bato a porta com força e grito:

- Eu vou assim mesmo.
- Você vai rasgar o pneu!

Ao que eu, este ser raivoso, com mais fúria respondo, com uma confiança louca em minha conta bancária:

- Eu compro outro!

E saio a dirigir, a rodar com três rodas, até um borracheiro salvador, que o Supremo Ordenador achou por bem antecipar no meu caminho.

No quarto elemento da receita, o técnico de computadores nos investiga. O "quebrado", e o culpado, somos nós.

- Mas como foi isto? O que o senhor fez com esta máquina?
- Eu trabalhei nela até tarde. Hoje de manhã, de repente, ela não ligou.
- Sim, mas como você fez?
- Assim.

Acreditem. Introduzo o dedo indicador - a esta altura um súbito temor me assalta com a dúvida, "não seria melhor o polegar?" - e com ele faço entrar um botão preto, que entra um pouco e volta. Nada. Satisfeito, ou insatisfeito, nunca sabemos, o técnico se põe a investigar as condições em que trabalhamos. Não, ele não nos pergunta o que comemos, o que bebemos, não. Ele nos pergunta se temos periféricos, a saber, câmera, impressora, scanner. Respondemos que sim, para quê?, porque ele nos adverte:

- Aí reside o perigo. Os periféricos podem ter mau contato. Eles travam o sistema.
- Devo me abster de periféricos?
- Não - e o técnico sorri contra mim como um sábio sorri contra um parvo. - É preciso chamar um eletricista. O senhor deve entender um pouco de eletricidade, suponho.
- Sim - balbucio. - Mas me fale como é.
- Entenda, os três pinos do plug correspondem aos orifícios do positivo, do negativo e do neutro. O neutro não pode ter corrente, o senhor sabe.
- Sei, claro. O neutro é o neutro.
- Pois então. Se um pino for enfiado em um orifício errado, adeus, sistema.

Eu respiro fundo, e como sou um homem de muita coragem, pergunto:

- Mas como eu poderia saber onde ficam o orifício do positivo e o orifício do negativo?

Em nome da educação, em nome da gentileza, imagino, o técnico não responde a esta minha investida de ousadia. Ele me responde como os adultos respondem à ingenuidade, à frágil inocência de uma criança:

- Eu vou trabalhar agora. Depois eu ligo para o seu telefone.

No quinto elemento da receita, estou agora em uma casa de jogos, de video game, que os jovens do Brasil chamam de Lan House. Lã de carneiro, deveriam ser chamadas estas casas. Os carneiros, os adolescentes pulam, saltam, balem, bailam, gritam, berram. Sirenes tocam, tiros ecoam, explosões se ouvem. E sei, porque a hora voa, registrada em um relógio, que tenho de ser breve neste relato. Que um escritor não receba pelo que escreve, é justo, em nome da arte e dos compromissos assumidos, é justo. Mas que ele pague para escrever esta é, para mim, a receita inolvidável que é urgente encerrar.

- Mata, mata -gritam os adolescentes em torno de mim, agora, em fúria. - Ai, ai, ui, ui, ah, ah, ah. Pá! Pá! Matei um.

Pago e saio. Receita de uma semana inolvidável completa.



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