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La insignia
1 de outubro de 2005


Brasil

As razões do ódio da direita


Altamiro Borges
La Insignia. Brasil, outubro de 2005.


São imprevisíveis os desdobramentos da grave crise política que atormenta o Brasil. Deflagrada em 14 de maio, a partir de reportagem da sinistra revista Veja que flagrou um funcionário dos Correios embolsando uma propina de R$ 3 mil, os escândalos se sucedem num infindável pesadelo para os atuais ocupantes do governo. Muitos erros foram cometidos, como reconhece a própria direção do PT, e muitas lições deverão ser extraídas deste deprimente episódio. Entre outros, a crise revela as distorções da badalada democracia burguesa, que depende cada vez mais das milionárias campanhas eleitorais e das manobras para garantir a governabilidade, tornando-se um terreno propício, inclusive, para deploráveis degenerescências.

Outro ensinamento, razão deste artigo, é sobre o caráter golpista e hipócrita da oligarquia burguesa. Sem recorrer aos quartéis, como nos tempos da "guerra fria", ela agora faz de tudo para paralisar, desgastar e, se pintar a oportunidade, para derrubar o presidente Lula. Quem ainda nutria ilusões num cenário de "paz e amor", com a isenção da mídia e a postura civilizada das elites, deve estar pasmo. De nada adiantaram as concessões ao deus-mercado, a ênfase no terreno institucional e o afastamento do povo brasileiro dos embates políticos. A elite quer sangue! A mesma surpresa deve estar inquietando os que colocaram um sinal de igualdade entre o governo Lula e o bloco conservador-liberal desalojado do poder em 2002.

Corrupção e hipocrísia

O PSDB, como expressão orgânica da direita "moderna", não vacila em jogar sujo para retomar as rédeas do Brasil. O dantesco teatro das Comissões Parlamentares de Inquérito em funcionamento no Congresso Nacional prova que vale-tudo nessa conspiração execrável. Até os tucanos se postarem como os paladinos da ética, quando a sua triste história mais lembra a figura de um urubu carniceiro e fétido! Nos oito anos de reinado de FHC o que não faltaram foram escândalos, sempre acobertados pela mídia venal e mantidos impunes no severino parlamento. Para refrescar a memória, basta lembrar alguns dos casos mais graves:

- Sivam: Logo no início da gestão de FHC, denúncias de corrupção e tráfico de influências no contrato de US$ 1,4 bilhão para a criação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) derrubaram um ministro e dois assessores presidenciais. Mas a CPI instalada no Congresso, após intensa pressão, foi esvaziada pelos aliados do governo e resultou apenas num relatório com informações requentadas ao Ministério Público.

- Pasta Rosa: Pouco depois, em agosto de 1995, eclodiu a crise dos bancos Econômico (BA), Mercantil (PE) e Comercial (SP). Através do Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro (Proer), FHC beneficiou com R$ 9,6 bilhões o Banco Econômico numa jogada política para favorecer o seu aliado ACM. A CPI instalada não durou cinco meses, justificou o "socorro" aos bancos quebrados e nem sequer averiguou o conteúdo de uma pasta rosa, que trazia o nome de 25 deputados subornados pelo Econômico.

- Precatórios: Em novembro de 1996 veio à tona a falcatrua no pagamento de títulos no Departamento de Estradas de Rodagem (Dner). Os beneficiados pela fraude pagavam 25% do valor destes precatórios para a quadrilha que comandava o esquema, resultando num prejuízo à União de quase R$ 3 bilhões. A sujeira resultou na extinção do órgão, mas os aliados de FHC impediram a criação da CPI para investigar o caso.

- Compra de votos: Em 1997, gravações telefônicas colocaram sob forte suspeita a aprovação da emenda constitucional que permitiria a reeleição de FHC. Os deputados Ronivon Santiago e João Maia, ambos do PFL do Acre, teriam recebido R$ 200 mil para votar a favor do projeto do governo. Eles renunciaram ao mandato e foram expulsos do partido, mas o pedido de uma CPI foi bombardeado pelos governistas.

- Desvalorização do real: Num nítido estelionato eleitoral, o governo promoveu a desvalorização do real no início de 1999. Para piorar, socorreu com R$ 1,6 bilhão os bancos Marka e FonteCidam - ambos com vínculos com tucanos de alta plumagem. A proposta de criação de uma CPI tramitou durante dois anos na Câmara Federal e foi arquivada por pressão da bancada governista.

- Privataria: Durante a privatização do sistema Telebrás, grampos no BNDES flagraram conversas entre Luis Carlos Mendonça de Barros, ministro das Comunicações, e André Lara Resende, dirigente do banco. Eles articulavam o apoio a Previ, caixa de previdência do Banco do Brasil, para beneficiar o consórcio do Banco Opportunity, que tinha como um dos donos o tucano Pérsio Árida. A negociata teve valor estimado de R$ 24 bilhões. Apesar do escândalo, FHC conseguiu evitar a instalação da CPI.

- CPI da Corrupção: Em 2001, chafurdando na lama, o governo ainda bloqueou a abertura de uma CPI para apurar todas as denúncias contra a sua triste gestão. Foram arrolados 28 casos de corrupção na esfera federal, que depois se concentraram nas falcatruas da Sudam, da privatização do sistema Telebrás e no envolvimento do ex-ministro Eduardo Jorge. A imundice no ninho tucano novamente ficou impune.

- Eduardo Jorge: Secretário-geral do presidente, Eduardo Jorge foi alvo de várias denúncias no reinado tucano: esquema de liberação de verbas no valor de R$ 169 milhões para o TRT-SP; montagem do caixa-dois para a reeleição de FHC; lobby para favorecer empresas de informática com contratos no valor de R$ 21,1 milhões só para a Montreal; e uso de recursos dos fundos de pensão no processo das privatizações. Nada foi apurado e hoje o sinistro aparece na mídia para criticar a "falta de ética" do governo Lula.

- Engavetador-geral: Para evitar qualquer apuração, FHC também contou a ajuda do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, que foi batizado de "engavetador-geral". Dos 626 inquéritos listados até maio de 2001, 242 foram rejeitados e outros 217 foram arquivados. Estes envolviam 194 deputados, 33 senadores, 11 ministros e o próprio FHC. Nada foi apurado, a mídia evitou o alarde e os tucanos ficaram intactos. Lula já revelou que evitou reabrir as tais investigações - deve estar arrependido dessa bondade!

Questão de classe

Diante de fatos irretocáveis, fica patente que a atual investida do PSDB-PFL não tem nada de ética. Ela é eminentemente política e escancara as profundas contradições de classe no Brasil. Desalojado do poder em 2002, o bloco liberal-conservador quer a revanche! Mesmo preservando a dupla Palocci-Meireles, que agravou a política macroeconômica neoliberal, a elite não tolera os atuais ocupantes do Planalto. Por uma questão de classe, tem ojeriza ao novo bloco no poder oriundo das lutas dos trabalhadores, dos sem-terra e de outros setores populares; ela não aceita ter sido apeada do governo após cinco séculos de dominação. Segundo o banqueiro fascista Jorge Borshausen, "quer se ver livre desta raça por 30 anos".

Como argumenta o teólogo Leonardo Boff, "mesmo vitoriosas no campo econômico, elas não se sentem tranqüilas. Suspeitam que os movimentos sociais poderão, num momento crítico, pressionar o governo a mudar as regras do jogo econômico, dando centralidade ao social. Por isso, segundo elas, há de pressionar e até emparedar Lula. Ele é um obstáculo à volta das elites ao poder. É empecilho ao seu enriquecimento perverso. O lugar de operário, dizem, é na fabrica, não no governo e na gerência da coisa pública. Trata-se de uma questão de cultura de classe. O fato da corrupção, que deve ser investigada e apurada, ofereceu agora a ocasião que faltava para suscitar o velho sonho traiçoeiro das elites de se livrar de Lula".

Além dessa questão de classe, a elite burguesa também discorda de vários aspectos avançados da política implementada pelo atual governo. O acompanhamento de seus porta-vozes na mídia e de seus veículos de difusão ajuda a decifrar as posições antagônicas do PSDB-PFL, esse condomínio das elites "modernas" e atrasadas a serviço do capital financeiro. Na sua cruzada contra o governo Lula, ele já elegeu seus alvos. Um dos principais é a política externa desenvolvida hoje pelo Itamaraty. Para os tucanos, ativos militantes dos interesses imperialistas, ela seria "retrógrada", "terceiro-mundista" e de "confronto" com os EUA.

Postura entreguista

Recente edição da revista Primeira Leitura, o panfleto de Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, ex-presidente do BNDES e o curinga de FHC no criminoso processo de privatização das estatais, revela todo ódio deste bloco entreguista contra a política externa liderada pelo ministro Celso Amorim. Ela critica os entraves à Área de Livre Comércio das Américas (Alca); condena os "flertes mais do que explícitos com ditaduras", referindo-se a Hugo Chávez; ridiculariza as medidas para diversificar as relações internacionais - a "estratégia Sul-Sul, que encanta o presidente, não encontra ressonância". Só falta propor que o Brasil aceite, de joelhos, a tutela do imperador Bush e a sua anexação como colônia.

No mesmo diapasão, embora menos hidrófobo por razões de ofício, o diplomata Celso Lafer, ex-ministro de Collor e FHC, também critica o "excesso de retórica" da atual equipe do Itamaraty. Ele realmente deve entender de exageros. Afinal, na sua passagem pelo governo FHC, o tucano-colorido pecou pelo excesso de servilismo. Entre outras cenas deploráveis, ele exonerou o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães por suas criticas à Alca; foi cúmplice da pressão dos EUA contra o embaixador José Maurício Bustani na chefia da Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ), num gesto preparatório da invasão do Iraque; e deu declarações favoráveis à política belicista dos EUA. Ele também ficou conhecido por tirar os sapatos para ser revistado nos aeroportos dos EUA, submetendo-se a tratamento humilhante.

Bem distinta passou a ser a postura do governo Lula. Um artigo do jornal O Globo, intitulado "Uma pedra no sapato dos países ricos", registrou: "Há tempos (Amorim) avisou à embaixadora dos EUA no Brasil que não há força no mundo capaz de fazê-lo tirar os sapatos durante a revista da segurança dos aeroportos americanos - diferentemente do antecessor que passou pelo constrangimento. 'Vou preso, mas não tiro o sapato', diz Amorim". A mesma conduta mais altiva levou o novo governo a promover Samuel Pinheiro para a secretaria executiva do Ministério de Relações Exteriores; a nomear Bustani para uma importante embaixada; a condenar a invasão do Iraque; a emperrar a Alca e a retomar e reforçar o Mercosul.

É essa ação externa, que hoje adquire caráter estratégico num mundo submetido à globalização neoliberal, que irrita parcelas das elites. Ela também ajuda a entender as recentes viagens de FHC, Alckmin e outros tucanos aos EUA. O ex-presidente até lidera um grupo, sediado em Washington, incumbido de monitorar a evolução da conjuntura na América Latina. Segundo o Financial Times (25/02/05), o grupo - também composto pela ex-representante comercial dos EUA, Carla Hills - recomendou ao governo Bush imediata reaproximação com a América Latina para evitar o perigo do avanço das esquerdas no continente.

Como observa Marco Aurélio Weisseheimer, "a campanha eleitoral de 2006 está levando o ex-presidente a tentar uma articulação internacional baseada em uma maior aproximação com os EUA e na crítica a 'esquerdização' da América Latina, particularmente em relação ao governo Chávez, apontado como fator de instabilidade política para a região. A parceria com a ex-representante comercial dos EUA, Carla Hills, é um claro indício da direção desse movimento". Diante desses fatos, somente os cegos, os sectários e os ingênuos não enxergam os reais interesses dos "éticos" do PSDB e PFL, ativos militantes entreguistas.

Saudosismo autoritário

No seu assanhamento para retornar ao Palácio do Planalto, que aparece embalado na sórdida roupagem do combate à corrupção, o PSDB também não esconde sua saudade pela fase autoritária de FHC. Não é para menos que ele tem centrado suas críticas à pretensa "falta de autoridade" do presidente Lula no trato com os movimentos sociais, em especial na relação com o MST. Ao mesmo tempo, tenta pousar de baluarte da democracia liberal, condenando qualquer ação do Estado contra a ditadura da mídia. Para desmascarar esses adeptos do "fascismo de mercado" vale relembrar algumas cenas do triste reinado tucano.

- Logo no início do seu primeiro mandato, FHC fez questão de "quebrar a espinha dorsal" do sindicalismo brasileiro. A greve dos petroleiros, iniciada em 3 de maio de 95, foi tratada com violência similar ao dos piores períodos da ditadura militar. Nos seus 31 dias de duração, o governo ocupou refinarias com tropas do Exército, rompeu todos os canais de negociação e penalizou os sindicatos com pesadas multas diárias.

- FHC nunca negociou com as entidades do funcionalismo público, que teve seus salários congelados por oitos anos e foi vítima do desemprego causado pelo enxugamento do Estado. Através de várias medidas provisórias, sem consulta ao sindicalismo e ao parlamento, o PSDB fez a primeira onda da flexibilização trabalhista no país - impondo a contratação precária, o salário variável e a jornada de trabalho flexível.

- Outro alvo permanente da fúria tucana foi o movimento dos trabalhadores rurais sem-terra. Com o servil apoio da mídia burguesa, FHC fez de tudo para satanizar o MST, a Contag e as pastorais da Igreja. O seu funesto ministro do Desenvolvimento Agrário, Raul Jungmann, impôs portaria criminalizando a luta pela terra, ao proibir a desapropriação de latifúndios ocupados, instituiu a lógica do mercado no campo através do Banco da Terra e fechou os canais de negociação com os movimentos rurais. Chacinas de camponeses, como de Eldorado do Carajás (abril de 1996), e assassinatos de lideranças ficaram impunes na era FHC.

Agora, animada com a crise do governo Lula, a elite prepara a vingança contra os movimentos sociais. A postura fascistóide é explícita. Xico Graziano, ex-assessor particular de FHC, ex-presidente do Incra e hoje deputado do PSDB, não vacila em criticar o projeto do governo Lula de correção dos índices de produtividade rural - "que corresponde a cortar a cerca que delimita as propriedades e convidar sem-terra a invadi-las" -, em desqualificar o MST, a Comissão Pastoral da Terra e todos os setores que lutam pela reforma agrária e ainda insistem "na velha crítica ao latifúndio malvado"; e em condenar o governo porque este "não tem coragem de assumir a modernidade" e "negocia com o MST as suas estripulias".

Num outro texto deste ideólogo do latifúndio e do agronegócio, publicado no E-Agora, Graziano é ainda mais hidrófobo. Para ele, "o MST é forte porque luta sem tréguas nem amarras, botando medo no Estado. Pouco lhe importa as regras da democracia representativa ou os ditames do Estado de Direito. Justiceiros, invocam cânones divinos e arrebentam cercas. Assim, na marra, ganham o respeito do Poder... No MST, persiste ainda o encantamento com sua luta. Alguns formadores de opinião, ao verem a marcha vermelha, alimentam uma espécie de fantasia retrógrada da revolução, a vontade de expiar o passado latifundiário. Gera-se, assim, uma benevolência a perdoar o banditismo rural, a ilusão a referendar o atraso despótico".

A longa citação, carregada de desprezo pelos movimentos sociais, serve de alerta para o risco do retorno do autoritarismo tucano. A revanche seria maligna! Prova disso também se encontra na Comissão Mista de Inquérito (CPMI da Terra), instalada no Congresso Nacional, onde os deputados ruralistas do PSDB e do PFL procuram colocar no banco dos réus o MST, a CPT, a Contag e outros movimentos de luta pela terra. Todo esforço do bloco liberal-conservador, excitado com a possibilidade de retorno ao governo, é para criminalizar os movimentos sociais, reduzir seus espaços de participação democrática e beneficiar os grupos capitalistas do campo e da cidade. A defesa da ética só serve para disfarçar malignos propósitos!


(*) Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "Encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2005).



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