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La insignia
30 de junho de 2005


Brasil

O Brasil espera por um novo ciclo


Roberto Freire (*)
Conjuntura Econômica. Brasil, junho de 2005.


"Se as guerras, na famosa frase de Clemenceau, são importantes demais para serem deixadas nas mãos de generais, o desenvolvimento econômico e a estabilidade econômica global são importantes demais para serem deixados nas mãos de ministros das finanças e dirigentes de bancos centrais dos países industriais avançados, e para as instituições internacionais que eles supervisionam, o Banco Mundial e o FMI. Certamente, esse é o caso se quisermos criar um sistema global mais democrático e estável."

O trecho constante do livro de Joseph E. Stiglitz (Os Exuberantes Anos 90 - uma nova interpretação da década mais próspera da história/Companhia das Letras) sintetiza bastante o pensamento que defendemos sobre as possibilidades do Brasil, em um cenário mundial cada vez mais complexo e cambiante, marcado por dois vetores distintos e ao mesmo tempo interligados: um fluxo de capital internacional sem limite e uma revolução técnico-científica expansiva que ultrapassou barreiras nacionais e geográficas, muitas delas intocáveis por séculos, o que torna qualquer pensamento de matriz autárquica não mais uma utopia de esquerda - porém, uma estultice.

Apesar de ser possível reconhecer todos os avanços obtidos no século XX em particular, com o seu cortejo de construções e desconstruções, na economia e nos campos ideológico, político e social, não temos um mundo rosa nem verde. Os desencantos se acumulam, as frustrações crescem, os dramas interétnicos se agudizam e consomem vidas e recursos escassos principalmente de países empobrecidos. Certezas sólidas, para usar uma expressão de Marx, se volatilizam no ar.

No século passado, dois grandes caminhos se colocaram à humanidade - e obviamente também àqueles que imaginavam mudar o Brasil -, porém ambos não se consolidaram como alternativas permanentes para os povos. A experiência keynesiana pós-3D, e que alcançou grande fôlego com o fim da II Grande Guerra, foi importante para mudar a face do mundo. No entanto, esgotou-se, levando junto a expectativa social-democrata que tantos benefícios levou à Europa. Por sua vez, os modelos informados a partir da experiência socialista - com destaque para o colocado em prática na antiga União Soviética e em outros países do Leste europeu - esboroaram-se, obviamente sem antes também deixar suas marcas, muitas delas positivas, no contexto das nações, particularmente naquelas onde algum tipo de organização social, de extração operária e popular, se fez mais presente.

Pode parecer um paradoxo, mas tudo isso já pode ser debitado à conta do passado - um passado de vitórias e derrotas que não consegue mais informar o futuro. Novos paradigmas são exigidos e, para usar a expressão do poema de Carlos Drummond de Andrade, quando se referiu a Itabira, "como dói".


Velho e novo

Gramsci, um pensador italiano do campo socialista, prenunciador de teses ainda atuais, disse que o elemento caracterizador da crise é quando o velho ainda não morreu de todo e o novo ainda não conseguiu se impor. Em outras palavras, vivemos um momento em que o velho ainda teima em ficar - pedaços de velhas idéias socialistas, fundamentalismo de mercado e tantos outros "móveis quebrados" - e o novo, já nascido, não conseguiu se articular como alternativa, impondo-se hegemonicamente na construção de novas sociedades, de um novo mundo íntegro, de novas utopias. Permanente, apenas o primado da liberdade, que também exige ampliações ininterruptas.

Debitamos ao velho o antigo modelo conceitual da economia podendo tudo, moldando tudo, corações e mentes. De um lado, em um pólo extremado, o princípio liberal da mão invisível do mercado; de outro, também no outro pólo, a fixação marxista do estrutural onipresente, de onde tudo se derivava. Uma nova economia - pelo menos para um pensamento situado à esquerda do espectro ideológico, não necessariamente de extração marxista - já dá sinais de vida em meio aos escombros e cabe aos renovadores (revolucionários, se quiserem) limpar arestas e conceitos para que ela possa emergir com força cada vez maior.

Neste aspecto, Cristovam Buarque, senador petista pelo Distrito Federal, levanta idéias interessantes, embora muitas pessoas nelas vejam elementos fortes de idealismo. Proclama, simplesmente, a subordinação da economia aos investimentos de conteúdo social. Esta inversão radical não pode ser descartada como um referencial de análise quando se quer pensar alternativas mais consentâneas com um pensamento humanista e libertário.

Tal como muitos fizeram no passado - Keynes é exemplo marcante -, um novo pensamento econômico urge se consolidar. Muitos dos seus componentes já estão presentes - a questão da ecologia, do desenvolvimento equilibrado, de um empreendedorismo amplo e radical capaz de criar milhões de empresários, do fortalecimento institucional do chamado espaço público como instância diferente do Estado e do Mercado, da recriação de um Estado democrático com capacidade de regulação sem tutela e eficiente na indução do desenvolvimento, de um mercado responsável e com a sua dimensão pública ampliada. A tarefa é organizá-lo e transformá-lo em um modelo eficiente de geração de riqueza e renda.

Falar do fim da história como se pretendeu na era Reagan é algo que ficou para o passado. O que devemos fazer - e isso já ocorre - é construir uma nova história.


Consenso de Washington

Para efeito desse raciocínio que expomos, vale recorrer ao seguinte trecho do livro de Ignacy Sachs (Desenvolvimento - includente, sustentável e sustentado/Sebrae-Garamond): "O colapso da Argentina significa o fim do Consenso de Washington e da versão neoliberal do fundamentalismo de mercado, tanto quanto o colapso do 'socialismo real', na Europa Oriental, significou o fim do estatismo e da economia de comando. Estes dois paradigmas extremos e diametralmente opostos, agora descartados, delimitam o campo de arranjos institucionais intermediários, as economias mistas ao qual pertence o futuro."

E aqui cabe uma pergunta, um tanto provocadora: a atual geração de economistas brasileiros dá conta de pensar, coletivamente, esse futuro, com novos referenciais e coragem teórica? Diria que da forma como ela está articulada, com suas principais cabeças ganhas para o modelo financista vigente e por ele remuneradas como formadores de opinião privilegiados na mídia, tal objetivo seria impossível. Um novo paradigma precisa significar um grito de guerra, trazendo para ele pensadores arrojados e toda uma geração que proclame o grito de independência dos ditames exclusivos do mercado.

O Brasil precisa mais da rebeldia de um Celso Furtado do que da sagacidade de um Mário Henrique Simonsen ou Roberto Campos, pensadores de manutenção, embora reconheçamos competência e coerência neles.

Como Sachs afirmou, e Stiglitz acentua com muita clareza, o receituário derivado do Consenso de Washington, e que teve no FMI e no Tesouro dos Estados Unidos dois de seus principais sustentáculos, não serve - e nunca serviu, a rigor - às necessidades dos países que teimam em deixar o subdesenvolvimento para trás.

Nesse ponto, como afirmam os estudiosos da economia mundial, a América Latina foi o melhor aluno do modelo, capitaneada pela Argentina (que se converteu em um desastre) e pelo Chile. Neste último, alguns de seus sucessos são debitados mais à capacidade seletiva da política governamental que investiu em áreas como educação e saúde do que às orientações rígidas, propriamente ditas, das exigências do fundamentalismo financista. Aliás, o desastre econômico foi menor onde as ordens do FMI não foram cumpridas até o limite.

O Brasil pagou um preço elevado por acreditar nessa perspectiva, com destaque para o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando a nação se desfez de um ativo produtivo público expressivo com pouco resultado para projetos de orientação estratégica. Lula fez o diagnóstico do erro, porém insiste nele - e com isso o drama nacional aumenta.

Um novo modelo de desenvolvimento nacional não pode guardar qualquer relação direta com a visão do desenvolvimentismo clássico - da industrialização a todo custo, da ocupação desenfreada das chamadas áreas de fronteira com seu cortejo de destruição desnecessária para exportar produtos sem nenhum valor agregado, da crença da natureza como inimiga ou como mera fornecedora de riquezas. Ele há que operar em novo marco de interesse nacional no cenário de uma mundialização irreversível.


Políticas de Estado

Interesse nacional - e aqui a figura de Brizola não pode ser esquecida pela insistência com que debatia, a seu modo, o tema -, sob uma ótica contemporânea, implica reconhecer que políticas de Estado são fundamentais para defender a competitividade das nossas empresas, negando se a embarcar na proposta de um livre comércio proclamado pelos países mais ricos, mas por eles utilizado só quando lhes interessa, como são freqüentes e exemplares os casos de taxação de produtos brasileiros exportados ao mercado norte-americano e europeu, sem falar nos subsídios agrícolas tão comuns na França, EUA e Canadá. Implica ainda entender que a nossa economia apresenta desníveis consideráveis e que a inserção global exige equalização para que aberturas definitivas se procedam sem destruição do nosso patrimônio empreendedor.

Foi-se o tempo de dar guarida, via Estado perdulário, a empreendimentos incompetentes e, diríamos, até desnecessários ao projeto de nação que governos brasileiros alinhavavam. Ainda é tempo para criar mecanismos reais - e a questão do investimento, do crédito e das taxas de juros são essenciais - de apoio a quem gera renda, emprego e participa ou se prepara para participar do difícil mercado mundial.

Acreditamos que, do ponto de vista das experiências políticas e econômicas, o Brasil vive o fim de um ciclo. Este fato abre imensas possibilidades de se pensar em caminhos diferentes e corajosos para o país, adjetivos que não se confundem com loucura, fanfarronice ideológica e irresponsabilidade histórica.

Do governo Lula não dá para esperar nada de novo, posto que foi cooptado coletivamente para continuar embarcado no trem modorrento e sem futuro dos ecos do que costuma ser ideologicamente classificado como neoliberalismo. Em nome da estabilidade - algo importante, porém não um mito em si - jogou se no lixo, ou quase isso, um enorme estoque de esperanças, que perdeu a sua função impulsionadora no campo das realizações, entre elas a econômica. Queimou-se um capital importante, como o são os recursos financeiros que drenam a economia.

Poderíamos afirmar que o governo Lula - que tinha tudo para dar a partida a um novo e promissor momento histórico - encerra o ciclo pós-superação do regime militar, quando fervilhavam nos corações e mentes todo tipo de alternativas, todas elas com alguma legitimidade histórica. Uma constatação, porém: todas naufragaram, se estamos falando de um projeto duradouro e sustentado de desenvolvimento.

No governo Sarney, prevaleceu à tese da redemocratização, o seu marco mais expressivo e iluminado. No contexto da política econômica pouco deixou, uma vez que as experiências da heterodoxia econômica se esvaziaram ante um momento institucional de baixo nível estruturante. Radicalizando em direção ao mercado, com todo o seu discurso contra o Estado, Collor também fracassou.

Desse período, talvez o mais criativo e que tenha assentado algumas pedras para um novo país foi o governo FHC, particularmente quando dá passos importantes na modernização do Estado, incluindo na agenda as chamadas esferas de regulação. Equivocou-se quando alienou um extenso patrimônio público e não deixou em seu lugar nenhuma estrutura produtiva rejuvenescida.

Buscando conciliar o projeto social democrata tardio com os rescaldos de um mercado mundial do qual pretensamente não se podia escapar, acabou por não conseguir jogar, definitivamente, o país no rumo do desenvolvimento. Em seu governo, como sempre, ganharam os banqueiros, perderam o Estado e os setores produtivos, além do que o país experimentou um índice de desnacionalização de suas empresas sem precedentes na história.

Lula veio com o discurso e não trouxe modelo, pois nunca o teve. Acreditava conceber um novo projeto de país governando, mas a quimera logo se transformou em fumaça. Convertese, cada vez mais, em herdeiro sem criatividade de seus antecessores. Os seus ícones - estabilidade e responsabilidade fiscal, que obviamente não se pode desprezar - vieram de FHc. Não acreditamos que possa mudar o rumo da história.


Taxas de juros

Como diz o filósofo Mangabeira Unger, pensar uma nova economia exige indignação. Há um enorme espaço de articulação e de interesses que se casam com um padrão de desenvolvimento que rompa com a "mesmice" vigente. Mantendo-se e ampliando a democracia, e garantindo-se a transparência na relação do poder público estatal com os atores sociais e políticos, há que se enfrentar, responsavelmente, o torniquete do sistema financeiro, de forma que a poupança nacional não se esterilize por completo no pagamento da dívida. Nesse campo, torna-se inadmissível a manutenção das taxas de juros em seus patamares atuais.

Além da questão financeira, o país precisa, de uma vez por todas, eqüacionar os graves desequilíbrios sociais e regionais que estrangulam qualquer projeto nacional. Ao mesmo tempo, deve investir maciçamente, em um esforço conjunto do poder público e do mercado, em ciência e tecnologia.

Entretanto, de nada valerá o esforço se o país não conseguir alterar profundamente o padrão dos serviços de educação e saúde, em termos de qualidade e de universalização no atendimento.

Não somos estatistas, mas se for preciso criar empresas para reforçar a indução do desenvolvimento em áreas estratégicas, que recorramos a elas. Isso se aplica, em especial, quando falamos de ciência e tecnologia.

O Brasil tem saída. Basta a sociedade querer.


(*) Presidente nacional do PPS e deputado federal por Pernambuco.
Artigo publicado na revista Conjuntura Econômica, da Fundação Getúlio Vargas, na edição de junho de 2005.



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