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La insignia
29 de junho de 2005


Brasil

Em defesa do Congresso e dos partidos*


Raimundo Santos
La Insignia. Brasil, junho de 2005.


A crise de Collor, como dias atrás observou Fernando Henrique Cardoso, foi uma crise que convergia para o ponto presidencial, nisso diferindo desta crise de agora que seria "mais espalhada" e, segundo o ex-presidente, pode deixar Lula na sua margem. Os escândalos que atingiram Collor não envolveram a classe política que, pelo contrário, se uniu à opinião pública e as ruas e processou o impeachment. A observação de Fernando Henrique Cardoso, feita no início do "affaire" Jefferson, pragmática e cautelosa, no entanto, não alude a todas nossas apreensões quanto aos desdobramentos das denúncias do Mensalão de conseqüências altamente destruidoras, apontadas para o Congresso e os partidos, com o perigo da desmoralização da política.


I - Nesta hora da apuração dos fatos de corrupção já se pode dizer que nunca em tempo democrático os partidos se viram tão abalados como agora no governo Lula

Em primeiro lugar, o "affaire" Jefferson e o Mensalão já erodiram quatro partidos. Se três deles (o PP, o PL e o PTB) têm escassa vida política interna, representam, no entanto, setores consideráveis de um mundo, principalmente no que diz respeito aos dois últimos, demasiado pouco organizado. O troca-troca propiciado pelo governo fez crescer aqueles partidos artificialmente e levou tensão e fratura para dentro do PMDB, do PPS e outras legendas menores. Com o seu envolvimento no Mensalão, a cúpula petista, igualmente, abalou o PT, já dividido ante o próprio evento histórico de tornar-se Presidência da República sendo um partido de vocação social, marcado por uma cultura avessa à política institucional-democrática.

O segundo impacto corrosivo do "affaire" Jefferson e do Mensalão é o descrédito na política de alianças. É uma conseqüência que agora se explícita com força e que já vinha se desenhando desde o momento em que se formou o governo com enorme predomínio petista, sem Lula adotar a configuração pluripartidária por ele prometida ao país no segundo turno. Caso tivesse o ministério sido articulado em termos politicamente plurais, é possível pensar que teria tido curso mais intenso no governo o espírito da tradição de alianças entre forças de centro e de esquerda - do MDB, do PMDB (espírito emedebista que acompanharia o próprio PSDB, como no emblema Covas); espírito do PCB, inclusive continuado no PPS de Roberto Freire. Mesmo sendo uma conjectura, registre-se que, sob a compulsão à política dessa tradição aliancista, a continuidade da política econômica no governo Lula - fazendo aqui uma imagem de 2002 - lembraria a candidatura "cepalina" de Serra: oficial, mas para corrigir Fernando Henrique Cardoso. Com essa centralidade na política, outro poderia ter sido o rumo da própria condução das coisas governamentais (cargos, etc.). A relação com o Congresso ter-se-ia dado a partir de uma mentalidade muito menos autocentrada; enfoque hegemonista este inábil e desastroso, como agora se vê. Ou seja, diversamente da auto-suficiência, o estilo da política propriamente dita - tal como aprendida nos piores anos da resistência à ditadura e praticada nos tempos da transição democrática - possivelmente teria ajudado a evitar que se chegasse a este resultado que hoje muito debilita a importância estratégica das coligações partidárias para o processo governativo reformista neste país.

Com os grupos dissociados daquela raiz pecebista-emedebista hoje hegemônicos no campo das esquerdas militantes, são acrescidas restrições - e cada vez maiores - à política de amplas alianças - bem preocupantes os discursos das reuniões petistas promovidas nas últimas semanas pela cúpula do partido -; política de alianças à qual agora se quer imputar culpa pela corrupção simbolizada no Mensalão. Permanece ofuscada a questão principal do modo como a política de alianças até aqui foi praticada pelo PT, ou seja, mediante forte "externalidade", os operadores petistas ainda conservando, em todo esse período em que a ela se recorreu pragmaticamente, desde o segundo turno de 2002, boa dose de um estilo diverso do da classe política que se afirmara nos tempos da resistência à ditadura e na época mais recente da transição democrática.

O terceiro efeito perigoso que essa crise vem trazendo resume os dois impactos anteriores numa conseqüência maior: a descrença na própria política. Há uma tentativa de deslocamento das denúncias da corrupção da Presidência visando sediá-las no Congresso e nos partidos (Jefferson ultimamente vem falando no elevado número de 80 "picaretas" do PP e do PL que teriam recebido o Mensalão no Congresso). Quer-se que a crise deslize da Presidência em direção ao Congresso, o governo tentando salvar-se, mas sem assumir claramente a defesa da função insubstituível da política e dos partidos; defesa que fica à deriva desprestigiando as eleições aos olhos do eleitor; com isso, como se sabe, alimentando os messianismos. Inclusive dois deles estariam aí, o do popularismo, já posto a um só tempo religioso e laico e, agora, um outro: um eventual salvacionismo em torno do Presidente Lula, caso continuem revoltas as águas partidárias em 2006.


II - Quais vêm sendo as reações dos principais atores políticos na cena pública do presente momento?

Dentre os maiores e mais responsáveis partidos da oposição, temos no PSDB a afirmação de uma atitude de defesa das instituições democráticas. As declarações de Fernando Henrique Cardoso, ao procurarem preservar a figura presidencial do "affaire" Jefferson, sinalizam naquela direção. O PMDB, abrindo, como instituição, a discussão com o governo e entrando todo ele no ministério - com suas mais expressivas tendências - como partícipe político do processo governativo, pode contribuir num sentido de substantivação política do atual mandato presidencial.

Por outra parte, o PPS e o PDT, ao tentarem no começo da crise viabilizar a CPI do Mensalão falando a partir de um terceiro campo despolarizado, mesmo sendo pequenos partidos, podem continuar agindo como esquerda positiva, colocando o tema da defesa do Congresso, dos partidos e da política como uma perspectiva a balizar as investigações e a conseqüente correção dos desvirtuamentos, ilegalidades e crimes referentes ao "affaire" Jefferson no âmbito do Congresso, o que importará, sem dúvida alguma, em cassações de mandatos, comprovadas as acusações.

Uma terceira postura. Por ocasião da saída de José Dirceu da Casa Civil, surgiu no PT e no governo, a proposição do que seria uma "contra-ofensiva", definida, por um lado, para dar combate a Roberto Jefferson e, por outro - isso preocupa,como já observado -, visando deslocar a arena dos contendores para a esfera dos partidos e para dentro do Congresso, o governo escudando sua parte - silêncio ou comprometimento - no "affaire" Jefferson nas apurações promovidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Em seus aspectos discursivos mais eriçados vistos nas reuniões petistas das últimas semanas, a estratégia de guerra contra Jefferson pretende assumir o caráter, como o chamou José Artur Giannotti, de uma "luta de classes" e também se chegou a denunciar um movimento golpista contra o governo. Procura-se definir um quadro de luta que unifique forças internas ao partido, ficando à deriva a questão principal da defesa do Congresso e dos partidos; questão colocada para outras legendas que não o PT e o governo Lula, aqui como quê se revivendo velha postura de reserva ante aquelas instituições estratégicas.

Nos últimos dias, nota-se ainda em alguns discursos da cúpula petista - inclusive no ato em que o Presidente discursou para agricultores - apelo à mobilização social, como se estivesse diminuindo no PT e em Lula a convicção nos encaminhamentos no plano da política, dando a impressão de que o próprio núcleo pragmático da dirigência petista que se instalou na Presidência duvida do próprio caminho que vinha trilhando rumo à plena valorização da política; caminho intensificado, mesmo com ambigüidades, desde o começo do governo, para o qual puxava o partido.


III - Em defesa do Congresso, dos partidos e da política

Acho decisivo que, qualquer que seja o rumo que tome o "affaire" Jefferson e seus escândalos, as esquerdas militantes precisam divisar uma questão maior que vem tensionando sua cultura ideológica, como outrora também a viveu o PCB e tentou resolvê-la, abraçando como seu o tema da democracia política. A experiência do governo Lula chega agora a um impasse por conta do não equacionamento de tal questão, a saber: o social não configura um governo, muito menos um governo reformista sob condições democráticas. Quem o pode fazer é a política.

É preciso lembrar que, no nosso caso, a valorização da política nas esquerdas é uma conquista bem contemporânea. Podemos citar como seus momentos mais altos - para o antigamente chamado campo democrático de esquerda e centro-esquerda - os seguintes: a) como época constituinte da cultura democrática nas esquerdas, a experiência no MDB e no PMDB; e b) como exemplo substantivo maior do reformismo pluriclassista, a Carta de 1988, aprovada sob a marca da negociação interpartidária e da política, inclusive esta última definindo relevantes aspectos da economia. Lembramos ainda do primeiro momento de valorização da política passagens que trouxeram resultados positivos para o país: a) a própria política de alianças com que se construiu e, afinal, se iniciou a transição democrática com o governo Tancredo/Sarney; e b) a superação do impeachment de Collor e o funcionamento do governo Itamar. Em tempo mais recente, chama a atenção a política de alianças praticada durante o governo Fernando Henrique Cardoso, governo que aqui encaminhou as modernizações da era globalista com apoio conservador (PFL), nessa empresa seu defeito maior tendo sido o de ter enfraquecido a "interpelação" da economia pela política (no início do neoliberalismo, Habermas chegou a dizer que a economia não é um templo, mas um campo de testes). Esse tipo de "interpelação" política presente naquela nossa tradição também se verá muito mais aggiornada em outros países, como à época do último governo tucano se conheceu nos exemplos europeus do PDS e da coligação chamada Oliveira na Itália e do PS francês com o seu governo plural. Foi essa política de amplas alianças, enfim, que nos trouxe o governo Lula, ou não foi?


IV - Difícil desenhar cenários que nos levem a remontar a crise

É preciso observar a ocorrência dos fatos em andamento. Talvez as saídas já estejam sendo construídas: a) no governo, a aceitação de Lula de uma coalizão efetiva com o PMDB a partir de sua incorporação ampliada no ministério pode ser um deles; a saber, ainda, se essa movimentação visa apenas sobrevivência pragmática e palanque; se pouco sincera, mais tensões acumular-se-ão adiante; b) noutro espaço de negociação interpartidária, não obstante os perigos de instrumentalização e as desconfianças muitas de parte à parte, a chamada agenda positiva, organizada em função dos interesses da população, pode dar fôlego ao governo e constitui outra possibilidade; e b) sob o signo da política, as CPIs dos Correios e do Mensalão, ao contribuírem para sanear a vida política nacional, preservam e abrem caminho para a revalorização do Congresso e, mais que tudo, da própria política.

Neste país já se desenvolveu um rico sistema partidário e há larga tradição de política de alianças partidárias em áreas tradicionais de centro-esquerda e de esquerda. Acredito que aqui não terá eco a palavra-de-ordem que se escutou em outras latitudes, quando a descrença na política e nas instituições democráticas elevou-se dramaticamente e se dizia nas ruas: "que se vayan todos!" Aqui, os três maiores valores da nossa democracia republicana - o Congresso, os partidos e a política - acrescentam a este país, além da sua reconhecida riqueza cultural, mais uma riqueza já de grande dimensão: o funcionamento da democracia política. São com aqueles três valores - o Congresso, os partidos e a política - que o país vem se modernizando e se reformando no tempo contemporâneo posterior à anistia de 1979.


(*) Texto apresentado na mesa redonda "Vinte anos de democracia, dois anos de governo Lula", promovida pela Fundação Astrogildo Pereira, na Câmara Municipal de Vereadores do Rio de Janeiro, no dia 20 de junho de 2005.



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