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La insignia
19 de junho de 2005


O Sombra e o Lobisomem


Luís Nassif
La Insignia. Brasil, junho de 2005.


Os jornais e revistas estão inundados de denúncias de lobistas da pior espécie, povo sem a menor qualificação e sofisticação. Coincidiu com minha ida ao Rio de Janeiro, para pegar depoimentos de velhos moradores da cidade para o livro que estou escrevendo. Mergulhei no Rio fascinante dos anos 40 e 50, conversei com senhores de mais de 70, alguns chegando aos 90. E tive notícias do Lobisomem, o maior dos lobistas, o homem que foi conselheiro de praticamente todos os presidentes desde JK, com a possível exceção de Ernesto Geisel e Itamar Franco.

Já deve ter passado dos 80 anos. Era discípulo de Augusto Frederico Schmidt, o poeta-empresário-advogado que foi a maior influência do presidente Juscelino Kubistcheck.. Lobisomem aprendeu tudo o que podia com o mestre. Quando Jango assumiu, procurou o Sombra -outro personagem histórico do Rio--, e manifestou desconfiança em relação ao Lobisomem. Achava que representava o imperialismo internacional, por causa de um emprego que tinha como diretor da Mannesman. O Sombra tranqüilizou-o, explicou-lhe que o Lobisomem era um grande filósofo, com ligações estreitas com a Igreja Católica. Desprepadíssimo, encantado com a erudição alheia, Jango chamou Lobisomem para conversar. Para quê! Nunca ninguém resistiu aos encantos do Lobisomem, nem Roberto Marinho que, durante muito tempo, tinha reuniões diárias e assinou inúmeros editoriais de primeira página, escritos por ele.

Jango tornou-se refém intelectual do filósofo. Não dava um passo sem consultá-lo Aliás, deu um: o desastroso discurso na Central do Brasil, que precipitou sua queda. O Sombra coordenou a campanha do presidencialismo, no plebiscito que devolveu a Jango os poderes de presidente. Um dia estava em sua casa, quando o Lobisomem telefonou-lhe incumbindo-o de uma missão.

- Queria que você fosse a Paris assinar um acordo do Brasil com os países-membros da OCDE.

O Sombra pulou de lado. Era monoglota, não tinha a menor idéia do que se tratava esse acordo. Também monoglota, o Lobisomem tranqüilizou-o:

- Não será preciso fazer nada. Já acertei tudo. Só vai precisar assinar e colocar seu nome na história.

Mas como o Lobisomem tinha conseguido assinar um acordo daqueles, sem ao menos sair do país? Aliás, o Lobisomem sequer andava de avião. Nunca andou, aliás. Quando precisava se locomover para Brasília, ia de táxi. Ia mensalmente para conversar com Fernando Henrique Cardoso.

Acontece que, de Schimidt, Lobisomem tinha herdado as relações com o Colégio Santo Ignácio, um grupo de católicos influentes, uma espécie de maçonaria da Igreja. Por caminhos da fé, tornou-se muito amigo do confessor de Charles De Gaulle, um dominicano que tinha relações com o Brasil. Através do confessor, conseguiu o acordo com a OCDE.

Nem seu se o Sombra aceitou o convite e colocou seu nome na história do mundo. Na do Brasil colocou lá nos fins dos anos 60, quando garantiu a Roberto Marinho a TV Globo. Visionário, o empresário havia obtido um empréstimo do grupo Time-Life, além de um time de executivos de primeira. Se ficasse inadimplente, o grupo tomaria a TV. Pois coube ao Sombra garantir um empréstimo de última hora, que permitiu a Marinho pagar o financiamento e preservar não apenas a TV como a casa do Cosme Velho e todos os seus bem.

Depois, veio 1964. Carlos Lacerda desceu dos céus como um anjo vingador, jogando sua ira desvairada contra o Lobisomem, que terminou preso. Na cadeia, conheceu Bartolomeu Santos, um senhor pernambucano que tinha sido chefe de gabinete de Agamenon Magalhães no governo de Pernambuco. Foi Bartolomeu quem aproximou-o da linha dura do Exército, através do também nordestino general Albuquerque Lima. De linha dura em linha dura, o Lobisomem chegou ao general Emílio Garrastazu Médici. Tiro-e-queda. Semanas depois Médici faria um discurso histórico falando da importância do social e coisa e tal, totalmente escrito pelo Lobisomem.

Depois, Lobisomem continuou conversando com o mundo e com todos os presidentes. Soube que se casou de novo e está feliz. Pintou os cabelos e parece mais novo do que é. Continua freqüentando o mesmo restaurante de cinqüenta anos atrás, no centro do Rio. Mas anda numa pindaíba danada, como sempre andou, aliás. Os lobistas daqueles tempos tinham tanto prazer em reconstruir o país, que dinheiro era detalhe irrelevante.



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