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La insignia
10 de junho de 2005


Escolhas e caminhos


Luís Carlos Lopes
La Insignia. Brasil, junho de 2005.


Parece que foi ontem. O espaço é curvo e o tempo é relativo como queria Einstein. Sinto como se tudo se repetisse a cada momento reflexivo da vida. Assim comentava, alguém da geração de 1968, ao ver os desvãos de seu país, que atualmente explodem nas grandes mídias de nosso tempo. Estas adoram o espetáculo. São pouco analíticas e viajam ao sabor dos interesses políticos do momento. Mesmo assim, é possível ver nelas elementos verossímeis. Mesmo, se as fontes usadas sejam pouco confiáveis e os objetivos reais sejam por vezes não reveláveis. Apesar disto tudo, é possível ver nelas indícios de falas e de construções que contêm elementos incontestes de descrição de outros atos e falas reais. Deixemos isto de lado e vamos a um relato, entendido como um recorte de vida.

A chuva continuava morna, as algemas apertavam um pouco os meus pulsos, nada insuportável, ou talvez o estoicismo de época tenha ensinado a suportar o pior. O calor era insidioso, mas não havia sol, apenas nuvens negras que tornavam tudo cinzento, as pessoas, o cais, a lancha que me trouxe, os uniforme brancos, beges, ou quase cinzas dos soldados-marinheiros, sargentos e dos poucos oficiais que se viam ao longe, observando a cena da minha chegada.

As cores das vestes dos militares contrastavam ou se assemelhavam com o dia e as mentes cinzentas que dominavam o cenário. Não sei precisar o que se passou com exatidão fotográfica. Passadas as três décadas, parece que foi um pesadelo, um sonho mau e descartável. Porém, de tudo me lembro ou penso lembrar, apesar de tentar esquecer...

O meu cabelo estava grande e desalinhado, a minha barba também. Eram ainda fios pretos, ondulados, revoltos como a minha perplexidade, agonia e vontade de tudo mudar. Tinha apenas 23 anos. Havia emagrecido mais do que quinze quilos, devido ao tratamento especial que me coube na Polícia do Exército. Como o meu "crime" de opinião havia ocorrido na região da Marinha, fui transferido de uma 'Arma' para outra. Pisei no mesmo cais trilhado por tantos na nossa conturbada história republicana. Deixei a minha marca invisível nas "pedras pisadas do cais".

Não existiam mais marcas no meu corpo. O tempo de 'engorda' - sete dias - tinha sido suficiente para limpar ou disfarçar os vermelhões e os inchaços. Não me recordo de dores, apenas do temor de tudo recomeçar. Estava magro, como quase nunca, a minha fome era pantagruélica (ainda não havia lido Rabelais). O stress pós-traumático da tortura permaneceria com maior intensidade por dois anos, de algum modo está presente até hoje.

Atravessei o longo cais de madeira, o pátio e subi as escadas. Pela primeira vez, tive um colt 45 engatilhado nas minhas costas. Não havia mais o capuz. Eu era um preso legal, ou mais menos legal, dentro das arbitrariedades jurídico-políticas da época. Vivia-se a ditadura militar, no começo dos seus estertores. Viriam a seguir: a crise do petróleo, a crise político-militar do Oriente Médio, o fim das ditaduras européias em Portugal, Espanha e Grécia. Vivi tudo isto, bem como a derrota na Copa do Mundo de 1974, engaiolado.

Vez por outra, jovens de branco oficial eram levados a nos ver. Sentia-me como macaco em um zoológico. Examinavam-nos de longe. Tinham um olhar duro, cruel e, ao mesmo tempo, interrogativo e desconfiado. Acho que não entendiam porque estávamos ali. Gostaria de ter dialogado com eles, o que nunca ocorreu.

Hoje, devem ser oficiais de alta patente, passaram-se mais do que trinta anos. A maioria deve estar reformada (aposentadoria dos militares brasileiros). Será que lembram do que viram? Será que ainda concordam? Certamente, morrerei sem o saber. Não eram muito mais velhos do que eu. Viviam no mesmo país e muitos deviam ter a mesma origem social. Só tinham feito outras escolhas e seguido outros caminhos.

Tudo isto pode parecer longínquo para os mais jovens... Para nós, parece que foi ontem...



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