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La insignia
10 de julho de 2005


Livros

Os marxistas e a arte


Luiz Sérgio Henriques (*)
Caderno Idéias (Jornal do Brasil), julho de 2005.

As artes da palavra: elementos para uma poética marxista
Leandro Konder. Ed. Boitempo, 112 páginas.


Há quase 40 anos, em 1966, Leandro Konder debruçou-se sobre a obra de Kafka num pequeno livro pioneiro e, logo no ano seguinte, realizou, com o conhecido Os marxistas e a arte, um panorama dos principais pensadores do campo marxista e suas contribuições para a compreensão da estética. Por isso, este recentíssimo As artes da palabra, longe de ser uma excursão mais ou menos casual em terreno pouco explorado, insere-se na extensa bibliografia do autor, ligado como está àquelas primeiras realizações.

O livro estrutura-se em duas partes principais. Na primeira, o autor apresenta uma espécie de ''introdução aos gêneros'', detendo-se nas características da poesia, do romance, do teatro e até de gêneros ditos menores, como as cartas e as brasileiríssimas crônicas. Leitura útil e agradável, possibilitada por um texto cujo autor, drummondianamente, ''esqueceu para lembrar''. Nada de exibições eruditas, e sim a percepção fina do ''imenso diálogo entre poetas'', entre criadores, que constitui o mundo da literatura. Uma percepção de ''ensaísta'', nutrida de ampla leitura e assentada no princípio de que ''a falibilidade é uma característica essencial da nossa atividade, da nossa práxis'', inclusive a práxis do crítico.

A segunda parte não é menos atraente, ao repropor o conceito lukacsiano de realismo como bússola para orientar-se na tarefa de delinear a especificidade da arte e, também, de criticar autores tão díspares, como Balzac e Fernando Pessoa.

Em Lukács, o realismo não designa uma corrente literária específica, mas a própria natureza da mímese artística. No crítico húngaro, como também é sabido, a formação pessoal de tipo ''clássico'' e determinadas injunções do tempo muitas vezes determinaram uma atitude normativa e pouco ou nada compreensiva em relação à arte moderna.

Com bastante segurança - o que, aliás, não é novidade no marxismo simultaneamente coerente e flexível do autor - Konder tem ciência plena de que ''a arte é um terreno pouco adequado para imponentes e rigorosas fortalezas teóricas''. O mundo de ''sentimentos e sensações fortes'' que se homogeneizam e concentram na particular forma artística impõe ''negociações'' com a teoria e faz com que esta se modifique permanentemente.

Há como que uma prioridade ontológica da criação e do criador no campo da arte. E, por definição, toda obra verdadeiramente significativa altera, modifica, subverte conceitos e modos de pensar e de sentir, num processo infinito de enriquecimento da capacidade expressiva e da própria subjetividade humana.

Balzac é um autor canônico do realismo lukacsiano. O romance balzaquiano nasce no rastro daquele espírito do mundo que, com Napoleão, ''andava a cavalo'' à vista de todos, fossem filósofos ou homens ''simples''. A Revolução Francesa e suas conseqüências abalavam, para sempre, a imobilidade da vida camponesa, arrastando massas numerosas ao centro do conflito histórico. Disseminavam-se rapidamente valores e interesses burgueses, e coube a um homem que, no plano da consciência, declarava seu amor às formas da religião e da monarquia, construir o inesgotável painel realista da Comédia Humana. Um caso exemplar de ''vitória do realismo'', a demonstrar, de uma vez por todas, que na arte o que conta primariamente é a obra, não a intenção ou as idéias do autor, ''progressistas'' ou ''reacionárias'' que sejam.

O poeta Fernando Pessoa é um desafio para o crítico lukacsiano. É muito bom saber que, para Konder, vale indiscutivelmente a primazia da arte. Se Pessoa não é um realista no sentido de Balzac, o fato é que, como grande artista, ''não pode deixar de ser realista''. E, neste ponto, a teoria é que deve modificar-se, num movimento de ''modéstia metodológica'', para acolher o fenômeno novo e, também, para ser fiel a si mesma num sentido mais profundo do que aquele possibilitado pelo mero apego às fórmulas.

Significativamente, a chave interpretativa da leitura de Pessoa, proposta por Konder, foi buscada num trecho do Fausto, de Thomas Mann - exatamente aquele em que o protagonista Adrian Leverkuhn tenta escrever uma cantata sinfônica que fosse ''uma espécie de anti-Beethoven'' e, no entanto, produz contraditoriamente não ''o ponto final da aflição'', mas algo ''como uma luz na noite''. Mann foi o realista lukacsiano par excellence do século 20. Utilizando-o para decifrar Pessoa, ainda que numa inicial tentativa ''ensaística'', Konder propõe uma atitude bastante interessante: com Lukács, mas muito além de Lukács.

Dispensável dizer que também neste livro Konder demonstra profunda adequação interna com o tipo de marxismo que defende para o delicado campo das artes. Também aqui, ao lado da erudição, o leitor encontrará aquele modo de pensar - e de escrever - que é uma das marcas registradas do autor, invariavelmente atento às dúvidas, às sombras, aos meios-tons.

O crítico, em suma, sabe que não detém a verdade e, por isso, só o que lhe cabe é enfrentar, com determinação e coragem, a inquietação, a intranqüilidade e a angústia que inevitavelmente afligem os espíritos livres.



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