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La insignia
13 de novembro de 2004


Brasil

Quando a resistência é maior que a repressão


Maria Eduarda Mattar
La Insignia. Brasil, novembro de 2004.


De 8 a 11 de novembro, aconteceu a primeira audiência para julgamento dos representantes de 14 rádios comunitárias de Minas Gerais, que, no dia 25 de outubro, foram fechadas e tiveram seus equipamentos lacrados. O episódio ocorreu como resultado da ação denominada Capitão Gancho, empreendida em conjunto pela Polícia Federal e pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Os diretores e programadores foram algemados e detidos, e as rádios, obrigadas a parar suas atividades.

Este foi só mais um episódio - o mais significativo e exemplar, é verdade - de uma situação de repressão crescente contra rádios comunitárias. Segundo dados da própria Anatel, o aumento de ações repressivas contra as emissoras de caráter comunitário aumentou 37% com relação ao governo passado - o que tem sido uma surpresa desagradável para muitas das pessoas ligadas aos movimentos de radiodifusão comunitária. Mais do que uma quebra de expectativa, as ações também contrariam a jurisprudência para o assunto, que assegura às rádios comunitárias (que já entraram com pedido de regularização) a permissão para funcionarem caso o pedido não tenha sido julgado após 90 dias.

Frente a esta realidade, as emissoras, os movimentos e as ONGs que lidam com o assunto estão se articulando para tentar frear o processo cada vez mais repressivo que vem se consolidando, esclarecer a sociedade sobre a natureza de suas atividades e, principalmente, conseguir vitória judicial nos processos que estão sendo movidos. Grande parte desse esforço ocorreu nos primeiros dias de novembro.

Foi o que aconteceu no último dia 4, com a realização de uma teleconferência, promovida pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal. A intenção era debater e buscar uma unidade de ação para as rádios comunitárias - "não contra a repressão, mas sobre ela", nas palavras da presidente da representação brasileira da Amarc, Taís Ladeira. A intenção era pensar quais são as atividades imediatas a fazer.

Segundo Dioclécio Luz, diretor do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, sobre a agenda de ação ficou decidido na teleconferência: "Realização audiências públicas nas comissões de direitos humanos nas assembléias legislativas; elaboração de um dossiê sobre a violência por parte da PF e da Anatel para com as rádios comunitárias, em todas as unidades da federação. E, a partir disso, encaminhamento para o organismo da ONU que cuide do assunto", conta. Sobre a possibilidade de diálogo com os órgãos que operam as ações de fechamento das rádios, ele é enfático: "Não acho que haja possibilidade de diálogo. Ninguém dialoga com torturadores, com pessoas que vão além da lei, fazem o que não está previsto nela".

"A adesão à teleconferência poderia ser maior, porém houve dificuldades em assembléias legislativas (onde os sinais da teleconferência estavam sendo recebidos) de alguns estados", lembra a secretária executiva da Amarc, Sofia Hammoe, que conversou com a Rets enquanto participava de outra das atividades realizadas para encontrar estratégias de freio à repressão. Trata-se do II Seminário Nacional sobre Direito à Comunicação, que foi realizado nestes dias 11 e 12 de novembro, pela Amarc, no Centro Cultural de Brasília, no Distrito Federal. O tema em foco é, não por acaso, Legislação de Radiodifusão Comunitária.

"Estamos tentando reunir e promover o debate com todos que estão envolvidos na questão da democratização da comunicação no país, como comunicadores, jornalistas, advogados, movimentos de direitos humanos etc. Para que discutamos juntos o que é possível e necessário para criar o marco regulatório da questão no Brasil; colocar em pauta as possibilidades e exigências técnicas e jurídicas para o assunto", explica Sofia. Para isso, participou do evento, por exemplo, o superintendente da Anatel, Ara Apkar Minassian - que inclusive esteve presente em todo o evento, não só nas mesas em que faria palestra.

Por fim, outro evento que aconteceu recentemente foi um conjunto de manifestações em todo o país, capitaneadas pela Abraço, por ocasião do julgamento dos representantes das rádios fechadas na operação Capitão Gancho. Ocorreram atividades em Belo Horizonte (MG), Campinas (SP), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF). (O arquivo com o total das manifestações pode ser encontrado em www.abraconet.org.br/pdf/programacao_resistencia_continua.doc). As mobilizações aconteceram nos dias 10 e 11 de novembro, para marcar claramente a oposição a todo o processo que levou ao julgamento.

Jurisprudência e eliminação da concorrência

Um dos principais argumentos para questionar a ação da PF e da Anatel é a existência de jurisprudência para o assunto. Uma das sentenças mais significativas no assunto é a do ministro Nilson Naves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conferida em julho de 2003, em uma ação que pedia a suspensão de funcionamento de uma rádio comunitária em Porto Alegre (RS). Dizia a sentença: "A antecipação de tutela pretendida não significa invasão da competência do Poder Executivo pelo Judiciário, uma vez que não implica autorização para funcionamento, mas apenas impede que a atividade da associação seja perturbada enquanto não for examinado o pedido de autorização pelo Ministério das Comunicações".

Um pouco mais à frente: "O cidadão tem direito a receber um tratamento adequado por parte do Ministério das Comunicações, que deve responder as postulações feitas. Não o tendo feito no prazo da lei que rege os procedimentos administrativos, está a desrespeitar o devido processo legal e a razoabilidade". E, finalizando: "A decisão que se pretende suspender visa garantir tão-somente o funcionamento da rádio comunitária enquanto não apreciado o pedido de autorização requerido ao Ministério das Comunicações. Não vislumbro, da mesma forma, lesão à segurança e à economia públicas, uma vez que o regular funcionamento, a fiscalização e a cobrança de exações dependem da resposta à postulação da associação e posterior autorização por parte da administração pública".

Assim, espera-se que essa decisão oriente as ações judiciais referentes a rádios comunitárias no país. De acordo com o Dr. Paulo Fernandes da Silveira - juiz federal aposentado e autor do livro "Rádios comunitárias" -, em arquivo disponível no site da Abraço, "a Anatel deveria aceitar a decisão como genérica, abrangendo todos os casos iguais. Se não o fizer, cada rádio comunitária terá que se defender em juízo, podendo utilizar a decisão do STJ, ainda que precária, como suporte de sua argumentação". Ele acredita ainda que, como o Superior Tribunal de Justiça é um tribunal nacional, a "decisão tem repercussão, imediata, em todo o país. A tendência das instâncias judiciais inferiores é de se alinhar, automaticamente, com as decisões proferidas tanto pelo STJ como pelo Supremo Tribunal Federal".

Segundo ele, essa decisão poderá ser usada como defesa nas ações criminais contra as rádios comunitárias. "Se elas podem funcionar legalmente até o resultado final de seu pedido administrativo de autorização de funcionamento, evidentemente que, nesse período, não existe crime na conduta de quem estiver assim funcionando". E conclui atestando: "Acredito que foi a maior vitória já obtida pelas rádios comunitárias junto ao Poder Judiciário".

Mesmo assim, elas continuam sendo fechadas e seus diretores, processados. "Temos notícias de fechamento de rádios semanalmente. Nem é sempre que acontece uma ação tão grande como a de Minas Gerais. Mas são sempre duas, três por semana", diz Sofia, da Amarc. E, junto com as ações, há um esforço de desqualificação das rádios comunitárias, de manchar sua imagem. "Fazem campanha para a opinião pública, para passar uma imagem negativa, de foras-da-lei, que derrubam aviões etc.", lamenta Ricardo Campolim, da Coordenação Nacional da Abraço.

José Guilherme Carvalho, secretário geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), engrossa o coro: "Já as chamaram de piratas, clandestinas, perigosas, até que ultimamente o termo mais usado era 'não-outorgadas'. E, na cobertura da grande mídia sobre os fechamento das rádios em Minas, as rádios comunitárias foram muitas vezes chamadas de piratas, inclusive associando-as a outras piratarias. Além disso, a PF e a Anatel faziam questão de chamar quem trabalha nas emissoras de comunitárias de 'proprietários', para associá-las a uma atividade comercial, a algum tipo de vantagem financeira".

Para Campolim, "a motivação é puramente política. No setor de comunicação, o monopólio não dá oportunidade para existirem veículos que espelhem as necessidades da população, questões que a comunidade quer ouvir. O sistema de rádios comerciais leva uma programação pasteurizada, igual". Carvalho acredita que "é uma violência não deixar surgir alternativa a essa comunicação monopolizada".

Para ambos, a independência e a democracia na produção de informações representadas pelas emissoras comunitárias é a chave da questão. E, portanto, da repressão. "Quando há a possibilidade de um movimento social ou uma associação ter seu próprio veículo, a questão política rumo à democratização verdadeira da comunicação começa a dar passos. E isso é ruim para um sistema de uma mão só, como é o brasileiro, que atende aos interesses da elite. Quem patrocina o sistema comercial são as grandes empresas", defende Campolim, para quem o grande adversário é a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert). "Suas afiliadas não querem concorrência. E, em todos os locais em que começa a funcionar uma rádio comunitária, automaticamente cai a audiência das comerciais. Pois as emissoras comunitárias usam a linguagem que o povo gosta, têm uma programação mais atraente, mais identificada com aquela comunidade, menos presa a parâmetros pré-definidos".

Carvalho acrescenta que a ação do dia 25 de outubro teve o objetivo específico de desmonte da articulação das rádios. "Não é só o movimento de radiodifusão comunitária de Belo Horizonte que está comprometido. A ação em Minas Gerais foi também uma forma de tentar desarticular o movimento nacional, que vinha se fortalecendo, com a criação de uma rede das emissoras. Estávamos conseguindo dar um salto de qualidade, juntando os movimentos sociais, formando uma estrutura de comunicação ágil, abrangente. Querem quebrar isso", enfatiza ele, que também é o coordenador de Comunicação da Abraço-MG.

Próximos passos

Nos dias a seguir, todas as atenções de movimentos, ONGs e ativistas ligados à radiodifusão recaírão sobre o desenrolar dos processos das rádios comunitárias de Minas Gerais. No julgamento, no âmbito do Juizado Especial Criminal, estão sendo julgadas, ao todo, 63 rádios comunitárias. "Ou seja, parece uma grande operação para 'limpar' a sociedade desses 'criminosos'. Só que isso não é crime. Tentam deturpar os objetivos dos movimentos sociais", revolta-se Carvalho, que, ainda assim mantém-se esperançoso: "A repressão política continua. Mas a resistência está conseguindo ser maior do que a repressão".

Durante a audiência ocorrida de 8 a 11 deste mês, algumas rádios fizeram acordos para tentar apressar a liberação dos materiais das emissoras e de seus representantes. No caso das 14 rádios fechadas na operação Capitão Gancho, sete são filiadas à Abraço. Dessas, nenhuma fez acordo. "Não houve entendimento na audiência deste dia 11. Quem faz acordo reconhece a culpa. Não temos que reconhecer nada. Não estamos praticando nenhum crime", enfatiza Campolim.

A segunda audiência ainda não foi marcada.



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