Portada de La Insignia

13 de novembro de 2007

enviar imprimir Navegación

 

 

Iberoamérica

Que rei sou eu?


Carla Guimarães (*)
La Insignia. Espanha, novembro de 2007.

 

Era uma vez, em um país não muito distante, uma reunião íbero-americana de líderes de governo. Muitos encontros, muitos discursos, muitas boas intenções. Tudo corria como o esperado até que apareceu o lobo mau, vestido de vermelho vivo, disfarçado de chapeuzinho. O lobo Hugo Chávez, em plena campanha eleitoral, decidiu aguar a festa quando começou a desqualificar o ex presidente da Espanha, José Maria Aznar, a quem ele acusa de ter apoiado o golpe de estado da Venezuela em 2002. Um golpe que tinha a intenção de retirar Chávez do poder. Entre outros qualificativos, o lobo chamou Aznar de "fascista". Zapatero, o atual presidente da Espanha, pensou que Chávez tinha uns olhos grandes, umas orelhas grandes e uma boca enorme e que, talvez, tivesse a intenção de comê-lo durante a reunião. Por isso pediu a palavra e explicou que sua política exterior está muito afastada da política de Aznar, mas que obviamente ele não pode permitir que o lobo trate com tão pouco respeito a um ex presidente, que, afinal de contas, foi eleito democraticamente pela maioria dos espanhóis. Também é certo que a mesma maioria de espanhóis o retirou do poder por culpa da desastrosa política exterior que Aznar levou a cabo, metendo a Espanha até mesmo na guerra de Iraque. Mas o lobo, pelo visto, não ficou satisfeito e interrompeu até cinco vezes o discurso de Zapatero para reinterar que Aznar era um sem fim de coisas ruins e inclusive o responsável por comer a vovozinha. Foi quando o rei da Espanha, Don Juan Carlos, que estava ao lado de Zapatero e vestido de caçador, mandou o lobo calar a boca.

Todos já conhecemos a fábula. E os personagens já são famosos pelo seu estilo pessoal. Zapatero sempre cordial e Chávez, falando mais do que deve. A surpresa desta reunião foi o rei da Espanha. É verdade que todos nós, ou uma grande parte de nós, desejamos fervorosamente que Chávez cale a boca, sufocando todo este discurso populista e vitimista que só serve para que ele se mantenha no poder, com todas as benécias do poder, como um verdadeiro caudilho ou coronel dos livros de Jorge Amado. Mas será que o rei da Espanha tem o direito de mandar alguém calar a boca? Muitos jornais e comentaristas espanhóis, sem falar de algumas pessoas pelas ruas, acham que o rei atuou bem. E um certo machismo grosseiro emana destes elogios exagerados ao rei, como se ele tivesse mostrado que é mais "macho", ou algo parecido.

Por outro lado, Hugo Chávez conseguiu o que queria, pois vai retomar o vitimismo do colonizado que já não aceita que nenhum rei da Espanha lhe mande calar. Não podemos esquecer que Chávez quer aprovar um plebiscito para virar presidente permanente da Venezuela, ou seja: ditador. Porque não existe conceito menos democrático que ser um presidente permanente. Não ha nenhuma dúvida que Chávez vai usar este evento até a saciedade dentro do seu discurso populista e que o rei acabou fazendo um franco desfavor à Venezuela, à América Latina e à Espanha. O rei é simplesmente uma figura nacional espanhola, como a bandeira, uma representação da unidade do país sem nenhuma função de governar nem de ditar a política exterior, assim que não deveria ter tomado uma posição tão forte. Uma posição que, de uma certa maneira, igualou o rei à Chávez. As políticas de um país e os encontros entre seus líderes devem ser mantidos com a máxima cordialidade e os discursos, por mais duros que sejam, devem ter uma linguagem correta e respeitosa. Assim as opiniões mais extremas podem encontrar um espaço de negociação e encontro, sem partir para desqualiticações pessoais ou ideológicas. Se não vira discurssão de bar, onde ganha quem grita mais alto. Hugo Chávez está caracterizado por ter o maior boteco da América Latina, eu só não esperava que o rei da Espanha freqüentasse o mesmo bar.

É uma vergonha o comportamento do presidente Hugo Chávez, um estadista que não sabe expor suas idéias sem ofender aos demais e que utiliza o populismo para se manter no poder indefinidamente. Mas também é uma vergonha que o rei da Espanha entre no mesmo jogo do senhor Chávez. Também é triste ver alguns latino-americanos bradando contra a Espanha por uma colonização que aconteceu ha mais de 500 anos. Assim como é ridículo ver alguns espanhóis felicitando o seu rei por dar uma de machão. Isso sim, haveria que ressaltar a elegância do presidente Zapatero ao pedir respeito para o seu rival político.

Como já sabemos, ou desconfiamos seriamente, está claríssimo que o sonho de Chávez é se transformar em rei da Venezuela. Rei Bolivariano. E governar para sempre e por direito divino a sua República, ou seu Reino do Petróleo. Eu só espero que o sonho da Espanha não seja ter um rei que se pareça o mais mínimo a Chávez.

E essa história entrou por uma perna de pinto, saiu por uma perna de pato e quem quiser que conte mais quatro.


(*) Carla Guimarães, dramaturga brasileira, vive atualmente em Madrid.

 

Portada | Mapa del sitio | La Insignia | Colaboraciones | Proyecto | Buscador | RSS | Correo | Enlaces