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12 de dezembro de 2007

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Iberoamérica
Brasil

O bispo e a encruzilhada de Lula


Marco Antônio Coelho (*)
Gramsci e o Brasil / La Insignia, dezembro de 2007.

 

Nestes dias um tema palpitante preocupa inúmeras pessoas: a greve de fome do frei Luiz Flávio Cappio, em protesto pelo fato de Lula iniciar as obras de transposição de águas do rio São Francisco.

Não é o caso aqui, neste artigo, de discutir novamente a adequação ou não desse projeto. De minha parte, já apresentei esses argumentos em meu livro Os descaminhos do São Francisco (São Paulo: Paz e Terra, 2005). Neste momento, a questão crucial é outra. O que está em jogo é a vida de uma pessoa - a do franciscano Dom Cappio, que há vários dias entrou em greve de fome por não concordar com esse desvio de águas do grande rio.

É certo que há divergências na opinião pública a respeito dessa questão. Até mesmo em setores minoritários da Igreja há pessoas que apoiam o projeto e discordam da atitude do Bispo de Barra. Um professor universitário, aliás muito categorizado, opinou ser antidemocrático o fato de uma personalidade pública recorrer à greve de fome, a fim de paralisar uma obra da administração, argumentando que se tal procedimento se tornar costumeiro o país ficará ingovernável.

Todavia, a questão não pode ser examinada tão simplesmente. Em primeiro lugar, Dom Cappio repetiu agora um conceito que lançou quando da greve de fome realizada por ele em 2005, ao dizer: "Quando a razão se extingue, a loucura é o caminho".

Numa entrevista que deu a Estudos Avançados, ele fundamentou essa declaração: "Quando eu dizia loucura, me referia à loucura da fé, de alguém que faz uma opção de vida que está na contramão do pensamento das pessoas normais [...]. Desde meus primórdios, pois venho de uma família abastada, fiz um voto de pobreza, entrei numa ordem religiosa, vou para o sertão e, de repente, opto por morrer. Então, para alguém que não traz em seus parâmetros a fé, tudo é uma loucura, uma insanidade. Nesse sentido, Jesus e São Francisco de Assis foram loucos". Assim, apesar de não comungar da fé de Dom Cappio tenho de me curvar diante de seu gesto, entendendo a excepcionalidade do desafio.

Em segundo lugar, quem assume o risco de jogar sua vida numa causa não é um governante, um economista, um senador, um jornalista, um empresário ou qualquer pessoa que deseja alcançar fama ou prestígio. É um humilde franciscano, formado em Filosofia, Economia e Teologia, que abandonou tudo para se dedicar à gente do São Francisco. Trata-se de um missionário que há vários anos está nas barrancas do grande rio. Um frade que passou um ano inteiro em peregrinação pelo São Francisco, da serra da Canastra até o oceano, sendo recebido por gente ribeirinha e pelos párocos da região.

Dom Cappio sabe que é uma mentira a afirmação de Lula de que o projeto tem por objetivo auxiliar os que sofrem devido à escassez de água em distantes paragens. Mas ele é testemunha da miséria ali mesmo, nas margens do Velho Chico.

Agora, os dados da História estão jogados. A possibilidade de uma barganha desapareceu. Cabe a Lula pegar ou largar - ficará com o cadáver de um bispo?


(*) Marco Antônio Tavares Coelho é jornalista e editor-executivo da revista Estudos Avançados, do Instituto de Estudos Avançados da USP. É autor, entre outros livros, de Herança de um sonho. As memórias de um comunista e O Rio das Velhas - memória e desafios.

 

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