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15 de fevereiro de 2001 |
Brasil
O tele-ensino no Maranhão:
Paulo Rios
Nesta segunda-feira (12/02/2001), 3.750 orientadores de aprendizagem, em quase todo o Maranhão, deram início à implantação do programa denominado "Viva Educação". Este programa deriva de convênio, no valor de R$102.575.354, assinado entre a governadora Roseana Sarney e o Sr. José Roberto Marinho, diretor-geral da Fundação Roberto Marinho/Rede Globo e pretende, a partir da utilização da metodologia supletiva do Telecurso 2000, corrigir a defasagem idade-série no âmbito da rede pública de ensino médio, no período de quinze meses. No entanto, denúncias chegam de vários pontos do estado e mesmo da capital, informando que adolescentes com 15 anos estão sendo obrigados a se matricular no sistema supletivo do "Viva Educação".
Três aspectos imediatos chamam a atenção da sociedade: o grande volume de recursos que serão destinados à uma empresa privada, que terá instalações públicas, pessoal administativo, água e luz à sua disposição; o elevado percentual de alunos da rede pública que estarão sujeitos a esse convênio, ou seja, 150 mil jovens maranhenses e um terceiro, muito grave e preocupante, que é a substituição do ensino médio regular, seriado, por um sistema supletivo, com duração de 15 meses, com a troca de um professor habilitado, por um aparelho de TV-Vídeo, transformando-o num orientador de aprendizagem, que terá que responder a questões de todas as disciplinas, numa polivalência que desqualifica o processo ensino-aprendizagem e que irá contribuir decisivamente para piorar ainda mais a educação pública maranhense. Segundo o Censo Escolar 2000, o Maranhão tem 206.623 alunos em toda a rede de ensino médio, assim distribuídos: estadual: 121.971; federal: 3.300; municipal: 52.507 e particular: 28.845. Estabelecendo uma comparação histórica entre 1995 a 2000, considerando apenas as redes públicas estadual e municipal, os números indicam um crescimento da matrícula na rede estadual, entre 1995 e 2000, da ordem de 82,4% e de 162,2% na rede municipal. Conclui-se, portanto, que as redes públicas estadual e municipais, apresentaram um aumento conjunto da ordem de 100,8%, com destaque expressivo para a rede municipal que, sozinha, teve um aumento duas vezes maior que a rede estadual. Mesmo com este significativo aumento na oferta de matrícula, temos ainda cerca de 400 mil pessoas fora da escola de ensino médio no Maranhão, de acordo com as informações da Gerência de Desenvolvimento Humano. Esta questão da demanda é tão séria que, no início deste ano, 12 mil jovens se inscreveram para se submeterem a um processo seletivo para concorrer a 2.565 vagas, no Liceu e no CEGEL. O artigo 10, da Lei 9394, de 20/12/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB), dispõe sobre as obrigações que as unidades federativas têm com a educação, quando afirma em seu inciso VI, que cabe ao Estado: "assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio". Pela leitura dos dados acima coligidos, podemos concluir que nestes seis anos de governo da Srª Roseana Sarney, diferente do que tem afirmado a propaganda governamental, os jovens maranhenses ficaram reféns de políticas públicas que assegurassem a sua inclusão democrática na rede pública de ensino médio, segundo os princípios previstos no artigo 3º, da LDB, quais sejam: igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, respeito à liberdade e apreço à tolerância, gestão democrática do ensino público e garantia de padrão de qualidade. A governadora Roseana Sarney e os titulares da Pasta da Educação, inicialmente, o deputado federal Gastão Vieira, entre 1995/1998, e, desde janeiro de 1999, até a presente data, ainda na função de Gerente em exercício, o Sr. Danilo Furtado, não cumpriram com a sua obrigação pois nestes seis anos, praticamente nenhum investimento foi alocado para a construção de escolas de ensino médio na capital e no interior do estado. Ao contrário, o governo jogou os alunos do ensino médio em inúmeros "anexos" espalhados por nossa cidade, muitos dos quais sem nenhuma condição de funcionamento, chegando inclusive a desabar, como é o caso do anexo do CEM Bernardo Coelho de Almeida, quando funcionava na Rua do Sol, defronte ao Museu Histórico do Maranhão. Mas não é só isso, o governo, ao se negar construir escolas de ensino médio, passou a alugar prédios comerciais, para instalar escolas, como é o caso das antigas Lojas Abreu, na Rua da Paz e Rua de Santana, de propriedade do Gerente de Qualidade de Vida do Governo Estadual, Sr. João Guilherme Abreu. Nenhum concurso público foi realizado pelo governo, mas apenas três seletivos para contratação temporária de professores. Depois do histórico movimento, que envolveu professores e alunos, coordenado pelo SIMTEP/UPAON-AÇU, entre os meses de maio e julho/2000, o qual culminou com uma greve dos professores que durou duas semanas e um acampamento em frente ao Palácio do Governo que durou 37 dias e que, apesar da repressão da Cavalaria da PM, contou com a presença da governadora Roseana Sarney, que suspendeu as demissões dos contratados e garantiu que o concurso seria realizado. Nos jornais do dia 29/08/2000, o governo anunciou a realização do concurso, através do Gerente de Administração e Modernização, Gerente Luciano Moreira. Ressalte-se que a realização do concurso foi objeto de uma audiência do Gerente Danilo Furtado, junto à Curadoria Especializada do Patrimônio Público, em abril/2000, oportunidade em que este assinou um termo de compromisso, dando a sua palavra e a da governadora de que o concurso para o magistério seria realizado no início deste ano de 2001. O governo estava mentindo para a sociedade e para os professores, pois ao invés do concurso, o governo apareceu com a mirabolante proposta de implantação do Telecurso 2000, da Fundação Roberto Marinho, mantendo a política de precarização do trabalho docente. É importante estarmos atentos para os prejuízos que a função do orientador de aprendizagem trará à formação acadêmica desses(as) profissionais, e mesmo à existência de cursos de licenciatura no âmbito das Universidades, haja vista que as Instituições de Ensino Superior não habilitam os profissionais nessa função, pois são habilitados em ciências/disciplinas específicas, com o aprofundamento teórico e prático determinado pela legislação brasileira. Ressaltamos, portanto, que o convênio com a Fundação Roberto Marinho/Rede Globo, implicará na perda da qualidade do ensino a ser oferecido, bem como em mais demissões de contratados e ameaças sobre os professores efetivos, de relotação, de perda da GAM, etc. Além disso, o governo estadual não realizou investimentos sérios na aquisição de novos recursos pedagógicos e multimeios para melhor qualificar o trabalho dos profissionais da educação, e desta forma, dar mais qualidade ao processo de ensino-aprendizagem. Ao invés de dotar as "bibliotecas" das escolas com os livros necessários, o governo deixou-as no mais completo abandono. É deplorável visitá-las e observar os espaços destinados à estas "bibliotecas", com placas homenageando intelectuais, escritores e educadores maranhenses e não vermos absolutamente livro algum, mas apenas salas vazias e depredadas. Ao invés de adotar um ensino supletivo no lugar do ensino regular e oferecer kits de apostilas feitas no Rio de Janeiro, sem conteúdo algum que expresse a nossa cultura e a nossa sociedade, além de não conter as disciplinas Filosofia, Sociologia, História e Geografia do Maranhão e Artes, o governo deveria investir na melhoria da qualidade da educação, dotando as escolas de bibliotecas devidamente instaladas e com livros à disposição do alunado. Apesar de ter criado e mantido a primeira versão do Programa de Capacitação Docente - PROCAD, realizado no âmbito da Universidade Estadual do Maranhão -UEMA, ainda na gestão do governador Edison Lobão, o governo da Srª Roseana Sarney abandonou o PROCAD e hoje, a UEMA cobra mensalidades de R$90,00 para os alunos desse programa, numa atitude ilegal. O governo penaliza seus professores do ensino fundamental e diz que o convênio é necessário porque no interior não tem professor habilitado em nível de 3º grau. Este argumento não é verdadeiro. Não foi o próprio Gerente Danilo Furtado, que assinou documento retirando o apoio financeiro do governo para o PROCAD, versão II? Ora, o PROCAD não cumpre exatamente esse papel: o de habilitar em nível superior os milhares de professores de todo o estado que ainda não o conseguiram? Este contingente de professores não poderia ser uma importante fonte de recursos humanos para suprir as carências hoje existentes? Na verdade, esse convênio do "Viva Educação" está eivado de ilegalidades e representa uma verdadeira ameaça para os interesses da grande maioria (86%) dos jovens maranhenses que estudam na escola pública de ensino médio. Afinal, o governo não lhes oferecerá educação de qualidade, pois ao substituir um professor legalmente habilitado por um aparelho de TV-Vídeo e colocar um orientador de aprendizagem, o governo acarretará prejuízos irreparáveis para a cidadania desses 150 mil jovens que estão sendo obrigados a entrarem nesse sistema de supletivo, num desrespeito flagrante aos ditames do artigo 4º, inciso VI, da LDB: "o dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando" Além de enriquecer ainda mais o Sr. Roberto Marinho, a governadora, desqualificará ainda mais as precárias condições em que se mantém a educação maranhense e levará o nosso estado a um desempenho ainda mais desastroso e sofrível quando das avaliações nacionais feitas pelo MEC. Aliás, no mesmo mês de novembro em que assinava esse convênio, a imprensa destacava que o Maranhão tinha recuado a índices piores que os obtidos em 1995. Afinal, são apenas os alunos das escolas particulares que têm o direito de ter uma educação de qualidade? E os filhos da classe trabalhadora não são cidadãos com os mesmos direitos? Esse sistema de teleaulas criado na década de 1960 pelo então governador José Sarney, que se pretendia revolucionário, ao que tudo indica, não se mostrou viável, nem sob o ponto de vista estrutural e nem pedagógico, haja vista o seu abandono latente pelos sucessivos governos estaduais empossados após o seu criador, bem como as conseqüências que trouxe na formação de milhares de crianças e jovens maranhenses, gerando toda sorte de controvérsias e polêmicas quanto à sua eficácia. Se o sistema de teleaulas é tão moderno e positivo para os alunos, porque a governadora Roseana Sarney, ao invés de destinar essa enorme quantia de recursos para a Fundação Roberto Marinho/Rede Globo, não investe na reestruturação e modernização da própria TVE? Será que ela está, na verdade, recriando o antigo CEMA, numa versão pós-moderna, privatizada e supletivamente aligeirada? Desde que os termos desse convênio foram sendo conhecidos, temos conclamado a categoria e a sociedade civil reagir em defesa de seus direitos. Inclusive em relação à maneira de contratação dos orientadores de aprendizagem, feita de maneira fraudulenta, através de uma cooperativa de trabalho do Amazonas, chamada Global Coop, que não garantirá nenhum direito trabalhista (férias, 13º, repouso remunerado, etc.) a estes profissionais e que não tem como objetivo estatutário, trabalhar na área da educação. Esses colegas serão superexplorados e desrespeitados na sua condição, precarizando ainda mais a educação. Mas para o governo, estes educadores são mão-de-obra barata e descartável, sem direito a nada. Na verdade, nesta questão da contratação dos profissionais que irão trabalhar nesse supletivão, o governo estadual mentiu mais uma vez, agora em companhia da própria Fundação Roberto Marinho. A Fundação, em documento datada de 14/12/2000, enviado para a Gerência de Desenvolvimento Humano, em seu item 5, afirmava categoricamente: "os critérios de seleção serão radicalmente objetivos e transparentes". Ora, será que a Rede Globo pensa que somos bobos? Onde foi parar o seletivo que seria realizado pela Fundação Getúlio Vargas? Pode-se chamar de transparente uma seleção feita sem critérios, sem a publicidade prevista na Constituição Federal e na Estadual? Afinal, porque não se publicou uma lista dos aprovados na imprensa, ao invés de ficarem telefonando para a casa de alguns dos candidatos, deixando a grande maioria aflita e sem perspectiva alguma? Isto é sério? Enquanto massacra os profissionais da educação maranhense, a governadora anunciava no dia 22/11/2000, que faria concurso para a UEMA e para o CINTRA. Seria cômico se não fosse trágico, quase três meses depois, a governadora Roseana Sarney anunciar não o concurso para o quadro do CINTRA, mas sim, a demissão de 370 professores que lá estavam contratados e que agora, estão na mesma situação dos cerca de dois mil, que continuarão demitidos. E então, governadora, cadê o concurso? Queremos dizer, que, a luta pelo concurso irá continuar, na esfera judicial e na mobilização da categoria. Mas queremos lembrar à nossa base que, depois da denúncia oferecida pelo SIMTEP/UPAON-AÇU junto à Procuradoria Regional do Trabalho da 16ª Região, foi ajuizada uma Ação Civil Pública, cujo pedido de liminar deve ser julgado ainda nesta semana, determinando o afastamento dos bolsistas e a realização imediata do concurso na rede municipal da capital. Esta será uma grande vitória dos educadores maranhenses! À guisa de conclusão, gostaria de registrar e, ao mesmo tempo, lamentar o seguinte trecho do discurso da governadora Roseana Sarney no dia da assinatura desse convênio com a Fundação Roberto Marinho/Rede Globo: "O projeto Viva Educação que será desenvolvido com o apoio técnico-científico da Fundação Roberto Marinho (...) vai efetivamente provocar, no período de um ano e meio, uma verdadeira revolução no quadro educacional de nosso estado". Excelentíssima Senhora Governadora, nós gostaríamos de acreditar na sua palavra, mas é impossível. Na verdade, a Senhora deveria ter estudado mais a questão. Deveria, necessariamente, ter ouvido a sociedade, os seus educadores. Afinal, temos grandes mestres na rede pública estadual de ensino, com especialização, mestrado e doutorado, que poderiam ter contribuído no debate. Os pais e os alunos, talvez os principais interessados estão sendo obrigados a aceitar tudo. A maioria dos alunos quando estiver chegando às escolas neste dia 12/02/2001, não saberão que estão matriculados no ensino supletivo e que terão uma TV-Vídeo no lugar de seu professor habilitado e que ele aprendeu a conviver e a respeitar. Isto não é uma revolução, Drª Roseana Sarney. Isto será o maior retrocesso que a nossa educação poderia sofrer, num momento difícil como este que estamos vivendo, de indefinições, de angústias, de medo de represálias, de medo do desemprego, de medo de ver nossos filhos, com um papel, um bonito diploma na mão, saírem por aí vagando, sem conseguirem sequer um emprego que pague o mísero salário mínimo que vigora em nosso país. Sonhar com a faculdade ou com um concurso público, isto nem pensar, Drª Roseana Sarney! Aí talvez seja sonhar demais! Afinal, de que vale um papel na mão, se os conhecimentos que nós vamos precisar para trabalhar com dignidade, a Fundação Roberto Marinho/Rede Globo não soube ensinar? Drª Roseana Sarney, se a Senhora quiser mesmo fazer uma revolução, revogue imediatamente este convênio e utilize o dinheiro que iria para o caixa do Sr. Roberto Marinho e promova um amplo programa de construção e reforma de escolas de ensino médio, em todo o estado, cumprindo assim com a sua obrigação legal; realize o concurso para o magistério e invista na qualificação dos seus profissionais do ensino fundamental, custeando integralmente, como é seu dever, o PROCAD/UEMA; mande construir no campus da UEMA/São Luís, o prédio das licenciaturas, ampliando as matrículas e consolidando a UEMA como o maior centro de formação de professores do estado; compre material didático e forneça às escolas, os livros e recursos pedagógicos que são necessários; garanta, efetivamente, a gestão democrática nas escolas, com as eleições diretas para diretor e muito mais.... Cumpra com o seu dever, para que a educação maranhense saia da posição vexatória que tem ficado ao longo de todas essas décadas, inclusive sob o seu governo e assim, garanta a qualidade para todos e não apenas para aqueles que podem pagar. A construção de uma escola pública melhor passa pelo respeito do governo às reivindicações dos seus educadores, dando as condições para que a educação possa ter a qualidade social e democrática que a sociedade. É fundamental que todas as pessoas diretamente interessadas (pais, alunos, professores habilitados e estudantes da UFMA, UEMA, CEUMA, outras instituições), assim como a Procuradoria Geral de Justiça, juízes, membros da Comissão de Educação da Assembléia Legislativa do Estado e das Câmaras Municipais, parlamentares e entidades da sociedade civil, se engajem na luta pela desobediência civil e o boicote a esse sistema de tele-ensino, que deve ser imediatamente revogado, em nome da justiça, da democracia e da cidadania dos educadores maranhenses e de 150 mil jovens e suas famílias! Paulo Rios é professor da rede pública estadual de ensino (Cegel), da Universidade Estadual do Maranhão e coordenador de administração e finanças do Sindicato Metropolitano dos Trabalhadores em Educação da Ilha de São Luís - Simtep/Upaon-Açu. |
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