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2 de junho de 2008

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Cultura

Paraísos (re)encontrados


Helena Vasconcelos
Storm / La Insignia. Portugal, maio de 2008.

 

O que é, para si, o Paraíso? A esta pergunta, aparentemente trivial, as pessoas tendem a responder com nostalgia: falam dos dias da infância, da "idade da inocência", de um certo Verão, da liberdade, da ausência de responsabilidades, de algo que, na maioria dos casos, se perdeu para sempre. Há quem afirme que o Paraíso se esfuma no momento em que temos, pela primeira vez consciência da nossa finitude. E que, ao longo da vida, guardaremos a vontade de reencontrar esse lugar ideal que os mais afortunados já conheceram, por muito breves que tenham sido esses instantes de felicidade. É claro que a ideia do Paraíso tem também conotações religiosas e filosóficas: quem faz o Bem na Terra pode almejar a um lugar no espaço celeste e para o filósofo grego Platão, o paraíso estava ligado à ideia de Justiça. No célebre diálogo " A República" explica como, para se viver bem e em harmonia, seria necessário que o Estado fosse completamente justo, enquanto os cidadãos continuamente se questionariam no sentido de, eles próprios, o serem. Para Platão a sociedade ideal seria regida pela "aristocracia", uma palavra grega que significa "o governo pelos melhores".

Da Idade Clássica até hoje muitas coisas mudaram e, no século XXI, o Paraíso já não é o que era. Na sociedade contemporânea ocidental parece estar ao alcance de (quase) todos, dependendo da escala das expectativas de cada um ( e dos zeros na conta do banco). Para alguns o paraíso tem conotações bem materiais: uns dias numa suite "assinada" do Hotel Crillon em Paris, ou no Danieli em Veneza com cartão de crédito na mão e "plafond" ilimitado; sessões de tratamento em "spas" que garantem uma completa bem aventurança ; um "jackpot" milionário; um automóvel topo de gama com motorista (que nos deixe à porta do lugar onde é impossível estacionar); uma refeição com os amigos num restaurante com mais de cinco estrelas no Guia Michellin; uma praia deserta com coqueiros, mar quente e transparente numa ilha privada. Para os mais modestos, uns dias a sós com a pessoa por quem se está apaixonada (o); algumas horas a ler junto à lareira; música, muita música, a arte que mais aproxima os seres humanos do divino. Para quem sente que o espírito é mais importante, um "retiro" num mosteiro do Monte Athos ou um período de meditação num "ashram". A lista pode continuar ao longo de páginas e páginas.

Na verdade, desde o século XVIII, com o Iluminismo e a gradual secularização da sociedade, poucos são aqueles que desejam alcançar o Paraíso - uma palavra de origem persa - para além da morte. Quer-se o Paraíso aqui na Terra, depressa e já. Para uma esmagadora maioria, habituada a viver em democracia, o paraíso tem de estar ao alcance de todos, novos e velhos, bons e maus, ricos e pobres, homens e mulheres. O Paraíso deixou de ser um clube privado onde só entravam os puros de coração, os humildes, os desprotegidos, os caridosos e os ternos. O conceito insinuou-se na linguagem corrente e é aplicado, a torto e a direito - um paraíso fiscal, um paraíso sexual - e principalmente em publicidade - um paraíso para férias, um paraíso para compras, um paraíso gastronómico, etc..

Para as mulheres, a ideia de Paraíso foi, durante milénios, um fardo e um motivo de orgulho. Por um lado, a crença de que Eva, ao provar o fruto proibido, tinha contribuído para o afastamento da beatitude que um lugar junto de Deus proporcionaria à humanidade, foi altamente negativa; por outro, o facto de se associar a atitude de Eva à curiosidade e ao desejo de conhecimento, à coragem de escolher e de correr riscos para que os seres humanos pudessem evoluir, foi imensamente positivo. Mas a nostalgia do paraíso perdido ficou impressa na nossa cartografia emocional e afectiva. Para compensar, filósofos e visionários imaginaram lugares onde a vida dos seres humanos pudessse ter a "qualidade" que haviam perdido com o pecado original e as chamadas utopias têm aparecido e reaparecido na literatura, na política e na filosofia com regularidade, ao longo dos tempos. É preciso frisar bem que na tradição das várias religiões, o Paraíso - como é descrito no Livro do Génesis 2 - é sempre o lugar livre de pecado, dor, privação ou morte, o que equivale à perfeita felicidade. Já na Antiguidade Clássica, o poeta Hesíodo, oito séculos antes de Cristo falava da "Idade Dourada", a mesma que Milton tinha a esperança que retornasse - tal como Fernando Pessoa imaginou o "Quinto Império" - e que se traduziria por um tempo de perfeição e bem - aventurança. Quanto a Sir Philip Sidney, no poema "Velha Arcádia", (1580) referia-se a um lugar divino situado numa zona rural imaculada na qual o homem e a natureza estariam em perfeita comunhão. Outros paraísos na terra incluíam um lugar escondido nas montanhas do Tibete - Shangri-la - imaginado pelo escritor James Hilton (1933) ou a visão de Cristóvão Colombo quando aportou às praias no Novo Mundo, convencido que tinha encontrado o Jardim do Éden . A "Ilha dos Amores" do grande Luís de Camões, o célebre IX Canto dos "Lusíadas" mostra o prazer do poeta na descrição de um lugar onde os bravos e exaustos marinheiros de Vasco da Gama encontram uma natureza intocada, a beleza e os prazeres eróticos. Com Dante, o Paraíso surge na "Divina Comédia" quando Beatriz guia o poeta pelas nove esferas do Céu, uma visão profundamente religiosa, alegórica e metafísica. Mas nem sempre as visões do Paraíso são tão puras. Baudelaire pertencia ao Clube dos Hashischins que contava entre os seus membros o célebre doutor Jacques-Joseph Moreau, o pintor Delacroix, os escritores Théophile Gautier, Gérard de Nerval, Gustave Flaubert, Alexandre Dumas e Balzac. Todos se dedicavam a experimentar substâncias pouco recomendáveis e Baudelaire descreveu a sua experiência de consumidor de ópio e haxixe em "Paraísos Artificiais", seguindo os passos de Thomas de Quincey que é geralmente conhecido pela sua obra "Confissões de um Comedor de Ópio" (1822)

No final, uma coisa é certa: mesmo que não saibamos bem o que é o Paraíso ou onde fica, todos nós, inconsciente ou conscientemente, desejamos passar por lá - ou ficar por uns tempos. Num canto mais ou menos remoto do nosso cérebro guardamos a ideia de que o Paraíso se nos escapou por entre os dedos. Na obsessão da velocidade, na busca incessante do prazer e da satisfação directa dos nossos desejos perdemos, algures pelo caminho, um ideal de amor, paz, equilíbrio e bem estar. Mas continuamos a procurá-lo em cada esquina, em cada afecto, nas epifanias fugazes que interrompem como relâmpagos a perturbação dos nossos dias.


Publicado originalmente en Bibliópolis

 

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