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24 de janeiro de 2008

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Ecología

Por que os anfíbios estão desaparecendo?


Felipe A. P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil, janeiro de 2008.

 

Nas últimas duas décadas, especialistas em herpetologia - o estudo de anfíbios e répteis - têm registrado com freqüência tendências alarmantes envolvendo populações naturais das espécies que estudam. Muitas populações locais de rãs, sapos e pererecas, por exemplo, declinaram acentuadamente de tamanho, enquanto outras simplesmente desapareceram. O problema é preocupante e tem sido registrado em escala planetária.

As revistas técnicas especializadas vêm acompanhado a situação e mesmo revistas científicas de interesse mais amplo têm dado alguma atenção. O semanário científico Science, por exemplo, já publicou mais de um artigo sobre esse assunto. Em julho de 2006, a revista publicou uma carta assinada por cerca de 50 especialistas do mundo inteiro (quase um abaixo-assinado), chamando a atenção para o desaparecimento global de anfíbios [1].

Estariam esses e outros estudiosos mundo afora exagerando ou seria o desaparecimento desse animais resultado de um processo mais amplo e duradouro? Ocorre que o fenômeno às vezes pode ser explicado por fatores locais mais ou menos restritos. Esse seria o caso, por exemplo, da criação de clareiras no interior da floresta ou do desflorestamento em pequenas propriedades. Quando o dossel da floresta é removido, a luz solar passa a incidir diretamente sobre o solo, criando condições excessivamente quentes e secas para a maioria dos anfíbios. Nessas circunstâncias, muitos deles simplesmente desaparecem do local.

O desaparecimento local pode ter a ver também com a presença de animais introduzidos pelos seres humanos [2]. Um exemplo pode ser visto em áreas de pastagem que abrigam corpos d'água. Na época chuvosa, o gado bebe em lagoas que são utilizadas também pelos anfíbios como sítios reprodutivos. Na seca, à medida que o nível das lagoas diminui, surge uma faixa de lama que é pisoteada pelo gado em busca de água. Pode parecer estranho para nós, mas as pegadas dos cascos podem ser suficientemente profundas a ponto de aprisionar anfíbios jovens que caem nelas e não mais conseguem sair.

O lado mais intrigante dessa questão, no entanto, envolve o desaparecimento de anfíbios que vivem em lugares remotos e pouco habitados, sem sinais evidentes de deterioração ambiental provocada por fatores locais. Nesses casos, a extensão global do problema sugere que deveríamos buscar explicações igualmente globais. Dois fatores que parecem estar contribuindo de modo decisivo para o declínio numérico ou mesmo o desaparecimento de populações de anfíbios em escala planetária são a chuva ácida e o aumento na radiação ultravioleta, provocado pela rarefação na camada de ozônio atmosférico.


Ponto de vista inovador

A mesma revista Science, em umas de suas edições de dezembro (14/12/2007), publicou agora artigo de cinco biólogos brasileiros no qual eles defendem um ponto de vista inteiramente novo para a análise do desaparecimento de anfíbios [3]. A anurofauna brasileira, vale ressaltar, é das mais ricas e variadas do mundo - em termos absolutos, basta dizer que só os remanescentes de floresta atlântica (principal tipo de bioma estudado pelos autores) abrigam quase 500 espécies de rãs, sapos e pererecas.

O que há de inovador nesse artigo? A principal inovação foi mostrar que a "separação de hábitats" - que podemos definir aqui como a desconexão física entre dois ou mais tipos de hábitats - pode ser um fator decisivo no processo de desaparecimento de anfíbios. A importância da separação de hábitats fica ainda mais clara quando percebemos que os anfíbios podem ser divididos em dois grupos, de acordo com certas características do seu ciclo de vida: a) o primeiro grupo, minoritário, inclui anfíbios que não passam por um estágio de larva aquática; e b) o segundo, majoritário, inclui anfíbios com larvas aquáticas.

Como larvas e adultos das espécies do primeiro grupo ocupam um mesmo tipo de hábitat, os adultos não precisam abandonar o lugar onde vivem para se reproduzir. Anfíbios com larvas aquáticas, no entanto, precisam de tempos em tempos sair em busca de corpos d'água adequados para o desenvolvimento de suas larvas. Antes da destruição em larga escala das florestas brasileiras - destruição essa, é bom que se diga, não só tolerada mas também estimulada durante muitos anos pelo Estado -, anfíbios do segundo grupo viviam em um amplo e variado continuum de hábitats, no qual podiam encontrar lugares adequados para sua reprodução (brejos, córregos etc.) sem ter de sair do interior da floresta onde permaneciam a maior parte do tempo.

No caso da anurofauna da floresta atlântica, cerca de 80 por cento das espécies possuem larvas aquáticas. Esses e os demais anfíbios do bioma vivem hoje em pequenos remanescentes florestais cercados por uma matriz de hábitats biologicamente empobrecidos e muitas vezes inóspitos (áreas agrícolas, por exemplo). Nesse contexto, a reprodução traz riscos adicionais específicos para esse anfíbios (mas não para aqueles que se desenvolvem sem passar por um estágio de larva aquática), pois para isso os adultos precisam migrar até um segundo hábitat - a rigor, um processo duplamente arriscado: na ida, os adultos precisam sair da floresta e ir até um corpo d'água próximo; na volta, adultos e jovens devem retornar ao fragmento original.

Sabendo disso, os pesquisadores decidiram comparar a riqueza de espécies de anfíbios em diversos fragmentos florestais de acordo com a exigência ou não de um hábitat separado para as larvas. Ao final do trabalho, os resultados obtidos por eles mostraram que as diferenças entre os dois grupos foram bastante significativas, a ponto de poder sustentar a seguinte conclusão: anuros com larvas aquáticas têm desaparecido dos fragmentos de floresta atlântica em um ritmo bem mais acelerado do que aquele observado para as espécies que não possuem larvas aquáticas. Isso não significar dizer, claro, que a situação destes últimos esteja tranqüila, pois não está, mas sim que a situação das espécies com larvas aquáticas é particularmente grave e preocupante.

Como equacionar um problema como esse? A rigor, lembram os autores, se o Código Florestal em vigor estivesse sendo efetivamente cumprido e respeitado, talvez a situação não fosse tão preocupante. Isso porque a legislação brasileira já prevê que uma determinada faixa da vegetação ao longo dos cursos d'água - as chamadas florestas ribeirinhas - seja mantida de pé, formando um tipo de zona tampão. Ainda de acordo com a legislação, todo e qualquer corpo d'água - rios, córregos, lagos, lagoas etc. - deve ter sua própria floresta ribeirinha, independentemente da natureza (pública ou privada) da propriedade onde se encontra.

Para os anfíbios com larvas aquáticas, as florestas ribeirinhas poderiam funcionar como um elo seguro, conectando fragmentos de hábitats que hoje estão separados. Em termos de conservação, o esforço (público e privado) deveria se voltar, portanto, para a restauração das florestas ribeirinhas, talvez o modo mais simples, barato e duradouro de interromper o efeito negativo da separação de hábitats em larga escala.


Notas

(*) Biólogo meiterer@hotmail.com; autor de Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003) e A curva de Keeling e outros processos invisíveis que afetam a vida na Terra (2006).
1. Mendelson, J. R., III et al. 2006. Confronting amphibian declines and extinctions. Science 313: 48.
2. Para mais detalhes e exemplos, ver Pough, F. H.; Janis, C. M. & Heiser, J. B. 2003. A vida dos vertebrados, 3ª edição. São Paulo, Atheneu.
3. Becker, C. G.; Fonseca, C. R.; Haddad, C. F. B.; Batista, R. F. & Prado, P. I. 2007. Habitat split and the global decline of amphibians. Science 318: 1775-7.

 

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