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24 de setembro de 2007

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Cultura

Lembranças da Caldense


Luís Nassif
La Insignia. Brasil, setembro de 2007.

 

Foi meio mágico, esse evento dos 82 anos da Associação Atlética Caldense. Saí de Poços de Caldas há 37 anos. De lá para cá a cidade saltou de 40 mil para 140 mil habitantes. Uma cidade é ela e o seu momento. E os momentos em que Poços foi minha desapareceram com o tempo, com a dificuldade em localizar os velhos rostos na multidão de forasteiros que vieram habitar a cidade. Agora, no coquetel na noite do dia 6, nas homenagens da tarde do dia 7, no Estádio Municipal, estavam todos lá, os vivos e as lembranças dos mortos. E o clube presidido pelo Laércio, que montou uma obra social admirável com crianças abandonadas.

A Caldense é como um fio condutor, talvez o último elo entre as diversas gerações que, década após década, nasceram, deram sua contribuições à cidade e ao clube, procriaram e ficaram na lembrança dos familiares, alguns, na memória da cidade.

No estádio, reencontro Espigão, negão magro, inteiraço, lateral esquerdo sólido dos tempos de futebol amador, e pedreiro dos melhores, que participava de todas as reformas de casa.

No meu tempo de moleque, havia uns atletas referenciais mais velhos. Marcelo Castelano, o "testão", era o mais completo. Jogava futebol de salão como ninguém, foi um notável meio campo no time amador de futebol, era um jogador de vôlei extraordinariamente técnico, que em vez de cortar só encaixava a bola nos vazios do campo adversário.

No Campeonato da Média Mogiana, em Casa Branca, acho que em 1964, o jovem Marcelo chegou de ressaca para competir no salto em altura. 1,20, 1,30, os atletas pulando, alguns ficando pelo caminho, e o Marcelo limitava-se a dizer: "Passo". Quando todos estavam desclassificados, e a vara estava em 1,75, Marcelo tomou fôlego, correu, saltou e venceu. A ressaca não teria permitido um segundo salto.

Marcelo estava lá, conservadíssimo. Não foi o maior atleta de Poços porque havia Balerini, que já morreu e foi representado pela família. Era uma força bruta, um jogador de vôlei fantástico e um atleta completo em todas as modalidades.

Vivo, inteiro, estava também Artênio Zincone, médico e maior cortador de vôlei que já vi jogando em Poços. Nos Jogos Abertos a cidade inteira ficava aguardando-o chegar do Rio, onde cursava medicina. Tinha uma maneira de cortar fulminante, praticamente enterrando a bola rente à rede. Deve estar com 70 anos.

E estava também, perto dos seus 90 anos, o queridíssimo Sebastião Pinheiro Chagas, ex-prefeito da cidade, e homem que introduziu a cortada no vôlei brasileiro.

As tribos da Caldense

A Caldense sempre comportou várias tribos. Nos esportes de quadra, um vôlei bem montado, um basquete razoável, um tênis de mesa mediano até meu tempo. A cada ano surgia uma geração melhor. A minha - Amilcar, Flávio Pereira e eu - conseguiu ser a melhor por poucos meses. Depois, o Tiro de Guerra acabou com minha carreira de mesatenista e as gerações que vieram depois superavam amplamente as anteriores. Nos anos 80, A Caldense teve uma molecada disputando sul-americano. Depois, murchou de novo.

Meu único momento de glória na Caldense foi em 1967, quando o então presidente Antonio Megale organizou um baile em minha homenagem e da Suzana, colega de primário. A Suzana, por ter sido convocada para a Seleção Mineira de vôlei. Eu, por ter vencido o Festival de Música de São João da Boa Vista. Pouco importa que não fosse um feito esportivo: a família Caldense era unida.

E tinha o futebol, glória maior da cidade. Durante mais de vinte anos, seu Oscar foi diretor de futebol da Caldense. Nessa condição, ajudou a negociar o campo de futebol com o proprietário, Coronel Cristiano Osório de Oliveira, de São João da Boa Vista, contratou Dondinho, o pai de Pelé, e o Dallari, pai do Milton Dallari.

O slogan "um clube, um orgulho, uma tradição" foi criação dele; Mauro Ramos de Oliveira, sua principal descoberta. Hoje dá o nome à Biblioteca da Caldense, graças aos esforços do Décio Alves de Morais, um eterno apaixonado por meu pai, desde o dia em que o velho decidiu passar para ele o alto posto de correspondente da "Gazeta Esportiva" na cidade. Não se ganhava nada: apenas a recompensa de conseguir colocar o nome da Caldense no maior jornal esportivo do continente (como era o slogan da Gazeta).

Ex-adversários cordiais

No evento no estádio, estava o ex-prefeito Ronaldo Junqueira, derrubado por um derrame, e o atual prefeito Tiãozinho Navarro, inteiro para os seus quase 70 anos.

E fui me lembrando, com o Carlinhos, de como os atazanei nos anos 70. Tinha acabado de chegar a São Paulo, poucos anos de revista "Veja", quando me convidaram para montar um jornalzinho em Poços, o "Jornal da Mantiqueira".

A experiência durou dois meses. A cidade tinha prefeito nomeado, o Ronaldo, e não comportava oposição. Acabaram comprando a participação de meus outros sócios e, minoritário, tive que vender a minha. Por vingança, passei anos e anos atazanando o pobre do Ronaldo e o Tiãozinho com paródias e marchinhas que compunha na época do Carnaval.

Por 1975 ou 1976 compus um tema para o Bloco do Bolinha, no qual minhas irmãs desfilavam. A música venceu o concurso de melhor tema de bloco. Receberam o prêmio por mim, sem que o Ronaldo soubesse que eu era o autor. À noite, com a letra verdadeira, nossa turma foi ao Castelões, o restaurante freqüentado pela Arena, e cantamos até perder o fôlego: "A prefeitura é uma mãe / de um grande coração / pois seu orçamento / sustenta hoje em dia / Ronaldo e o seu batalhão". E vinha o refrão impiedoso: "Acharam petróleo em Campos / vão achar em Cascadura / mas aqui em Poços / tem um poço mais rico / no porão da prefeitura".

Depois, todo ano compunha minha paródia, mimeografava, íamos ao baile do Cassino e ficávamos bem debaixo da área nobre, onde se localizavam as mesas do prefeito e autoridades. As letras eram distribuídas nas mesas vizinhas entre os turistas. Quando terminava o baile, lá vinha o coro com as paródias, para desespero do Ronaldo. Depois disso, cada vez que sabia que eu estava chegando a Poços, Ronaldo tratava de viajar.

Em um carnaval de uns 17 anos atrás, depois de um bom pileque engatei um papo com seu irmão Robertão, que acabara de enviuvar tragicamente, e tiramos a diferença. Retomei uma amizade que tinha sido de meu avô décadas antes, apesar do seu Issa ser um udenista doente, e o ramo dos Junqueira ser pessedista.

As guerras políticas

Quando saí do Quisisana, onde me hospedo, para ir ao estádio, enxerguei o semi-túnel que fizeram no lugar que, na minha infância, era o morrinho, como o chamávamos, nosso local predileto de brincar de mocinho. Depois construíram uma rua íngreme. Decidiram por afundá-la, passando por baixo da Rua Rio de Janeiro, vizinho da casa onde nasci. Para emendar a Rio de Janeiro construíram uma ponte pequena que recebeu o nome poético de Trincheira do Tancredo.

E minhas lembranças voltam para 1982, nas gloriosas eleições em que Tancredo Neves se tornou governador. Embora há tempos em São Paulo, mantinha contato com os amigos em Poços, tentando fazê-los ver que, com a mudanças nos ventos, seriam os novos líderes políticos da cidade, resgatando os anos de política estudantil secundarista.

As eleições foram pesadas. Tiãozinho, atual prefeito e filho do deputado federal Sebastião Navarro Vieira, era um adversário temível. A Arena soltou um jornal apócrifo na véspera das eleições, anunciando que Tancredo iria renunciar.

No grande comício de Tancredo, juntei minha turminha para cantar no palanque uma paródia de "Perpétua" ("se a Perpétua cheirasse / seria a rainha das flores"). A paródia era: "Ronaldo e Sebastião / já chegaram ao fim da linha / antes de largar a moleza/ encaminharam a família".

O palanque era divertidíssimo. Tinha Tancredo e o futuro governador Hélio Garcia, ex-UDN, até o Tião Trindade, amigo de família, eletricista, membro máximo do Partidão. Provoquei o Tião: "E aí, Tião, como se sente no mesmo palanque da UDN". E ele: "Liga não, Luizinho, esse aí é o nosso Keresnky".

Depois, fiquei em São Paulo preso ao estado de saúde de dona Teresa. Mamãe fora internada para sua segunda cirurgia de safena. Passou um mês entre a vida e a morte, o que me fez abandonar por completo a campanha de Poços. Não sei por que correu entre os arenistas que eu tinha preparado um material bombástico de campanha e que traria para Poços no porta-mala do meu carro no dia das eleições.

Na véspera, dois amigos foram ameaçados de prisão por um delegado truculento. Colocaram uma barreira na entrada de Poços, com PMs armados, com minha foto 3x4, parando todos os carros.

Quando os amigos me ligaram, em São Paulo, larguei tudo. De manhã, avisei alguns amigos em rádios, pedi para avisar Ruy Mesquita, diretor do "Jornal da Tarde", onde trabalhava, montei no carro e fui para Poços. Em Mogi Guaçu estavam o Rowilson Molina e outra pessoa em um carro de outra cidade. Trocamos de carro. Enquanto isto, o Chavinho, advogado amigo nosso, impetrava um habeas corpus preventivo em meu favor. Cheguei à cidade sem ser parado, trataram de me esconder na casa de uma senhora. Mas à noite saímos para comemorar a vitória de Tancredo.

Agora, 25 anos depois, são apenas lembranças de tempos que ficaram para trás muito depressa. Tiãozinho, Robertão, Ronaldo fazem parte da minha história, assim como eu das suas. Sentamos juntos, conversamos, lembramos dos velhos jogadores da Caldense enquanto vão desfilando, um a um, os homenageados, alguns vivos, outros apenas lembranças, todos no grande cordão que, em alguns momentos mágicos, junta gerações em torno de um tema em comum.

 

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