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11 de agosto del 2007

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Cultura

João Antônio sempre, até no amor


Raul Longo
La Insignia. Brasil, agosto de 2007.

 

Tudo aconteceu quando fui a uma entrega do prêmio do Concurso Unibanco de Literatura, do qual fui um dos ganhadores. Errante por estes brasis há alguns anos, um dos gostos pela distinção do prêmio era a possibilidade de encontrar o Ignácio de Loyola Brandão e o João Antônio, integrantes do corpo de jurados.

De fato lá estavam, com todos os demais ídolos de minhas leituras, Lygia Fagundes Telles, José Cândido de Carvalho, Antônio Houaiss, Oto Lara Rezende e outros de tal e igual escopo, gente simpática, comportada e bem vestida. O João Antônio, como não poderia deixar de ser, inverteu uns uísques a mais, debruçando-se em galanteios intercalados a duas beldades, prováveis assessoras da instituição financeira, ou da Abril ou da Globo, co-produtoras do evento. O organismo do João se exaltava com os espíritos dos velhos scoths.

As moças, apesar de assustadiças, não escondiam um certo frisson por se saberem abordadas por tal nome e importância da literatura pátria. É bem provável e verdade que nunca tivessem lido sequer um parágrafo do filho da Barrafunda, mas de toda forma era um nome internacional, do corpo de jurados, famoso e consagrado, além de único intelectual a requestá-las naquela festa de comedimentos e mesuras, tão próprias da classe.

Antes que o João assumisse definitivamente o ser de si, ao qual Myltainho, em outra de suas obras, comparou ao Lima Barreto, o Ignácio de Loyola me cochichou num canto que sairiam à francesa, levando o amigo para ambiente mais propício, antes que os tantos Machados de Assis ali presentes se incomodassem com o brasílico comportamento do autor de "Afinação na arte de chutar tampinhas" (um clássico!). Acontece que, antes disso, outro premiado, o Roberto Gomes de Curitiba, que daquele primeiro encontro tornou-se uma minha amizade de muitos anos, valendo-me pela publicação de meu primeiro livro devido a sua indicação, também me pedira um refúgio, concluindo que por ser de São Paulo eu conheceria algo mais... digamos, efetivamente brasileiro ou diferencialmente paulistano.

Lembrei-me do Boteco do Ivan, um daqueles sujinhos da madrugada, na Rua 13 de Maio, onde se reuniam os músicos nos intervalos de função nas casas de samba e MPB, fugindo dos chatos que buscavam os bares do Bexiga para se sentirem identificados com a cultura popular, e tanto irritavam com insistentes pedidos de clássicos que nunca escutavam, falando em meio à interpretação, no ingente esforço de exibir profundos conhecimentos sobre tudo, tão próprio da classe média . No Bexiga, o bar do Ivan era o oásis mais próximo àquela Praça Ramos de Azevedo do centro de São Paulo, onde estávamos.

Passei a descoberta para o Loyola, mas com isso engrossou o contingente da evasão e fomos percebidos. Interceptados pela organizadora geral do convescote que, ladinamente, me identificou como líder do motim, a moça informou que o previsto pela programação do evento era um jantar em Moema.

Roberto Gomes foi quem salvou a nós todos, explicando que preferia conhecer a gente mais autenticamente paulistana. Afinal, Moema é igual ao bairro de Sta. Felicidade em Curitiba, como igual será aos redutos das classes médias de qualquer canto que em pouco ou nada se diferem.

- Mas o Bexiga!!!? - escandalizou-se a organizadora.

- Enquanto é tempo! - esclareceu João Antônio: - Logo, logo aquilo vai estar a mesma merda disso aqui. Eu por mim ia para a Barrafunda, que ainda é território autêntico.

Daí armou-se uma breve confusão, tremenda barafunda, mas todos muito politicamente corretos, como qualquer político tucano quando está por cima do poleiro. Enfim, muito politicamente corretos, boa parte decidiu-se ir à Moema, e alguns poucos nos acompanharam ao Bexiga, entre os quais as belas assessoras que dividiam os interesses plásticos do João pelos matizes do loiro do cabelo de uma e o moreno da pele de outra.

Lá no Boteco do Ivan encontramos os indefectíveis Filó, Mazinho do Salgueiro, João Borba da Perola Negra, Aldo Bueno e, já não estou mais certo, mas fazia ponto quando em São Paulo, o Xangô da Mangueira. Enfim, com todos aqueles nossos iguais e a farmácia de ervas e raízes conservadas em cachaça, na mais brasileira aguardente, o João foi se curando e retomando tino. A ponto de se bandear para as amigas mulatas que faziam voz em coros ou apresentações solo no Boca da Noite, Som Brasil, Catedral do Samba, Piu-Piu e outras casas da época, recém-descobertas pela classe média paulistana.

Ali ao meu lado, uma das moças, num muxoxo, desapontada, reclamou da infidelidade do João Antônio, a quem tentei desculpar por razões etílicas: a mistura do uísque com a cachaça, o reencontro com velhos amigos, isso e aquilo que justificasse o volúvel e volátil, mas fidelíssimo escritor.

O ator e cantor Aldo Bueno, na mesa ali com a gente, é que pegando a conversa no ar, foi mais explícito e científico:

- Ele estava tomando o quê? Uísque! Então é isso! Se bem conheço o escritor João Antônio, o problema é que esse seu perfume, madame, sem querer desmerecer, só combina com uísque mesmo. Agora ele está na cachaça, e aí a combinação melhor é o perfume de cangote de mulata. Se não for, azeda.

Não sei se as decepcionadas moças se convenceram, mas para quem conheceu esses tempos, a explicação do Aldo Bueno é a mais exata definição dos refinados sentidos de João Antônio. Brasileiro popular sempre.

 

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