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La insignia
11 de fevereiro de 2003


Alca: Um Irak silencioso


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ALCA
Mario Maestri (*)
La Insignia. Brasil, fevereiro del 2003.



A mobilização da terrível máquina bélica USA contra um país como o Irak, de desprezível poder econômico e militar, apoiada na exclusiva decisão da administração Bush e no consenso parcial de uma opinião interna manipulada até a medula dos ossos, causa vasta e inesperada oposição da população mundial, impressionada pela amplidão do crime a ser perpetrado contra a nação e o povo iraquianos.

Entretanto, a intervenção no Irak não constitui ação singular e extraordinária do imperialismo norte-americano, produto de administração republicana socialmente desapiedada, com o objetivo de garantir a reeleição de Georges Bush Junior e saciar os interesses petroleiros que sustentaram a candidatura e vitória republicana. Ela é tudo isso e muito mais.

A agressão militar contra o Irak constitui necessidade profunda do grande capital internacional, especialmente financeiro, perfeitamente expressa, representada e implementada pela administração republicana dos USA e, paradoxalmente, trabalhista, da Inglaterra. Trata-se, portanto, de iniciativa coerente do grande capital imperialista, pois obedece as suas necessidades profundas.


Ordem senil

A incapacidade de superação da terceira crise cíclica do capitalismo, de meados dos anos 1970, expressa o caráter crescentemente senil da ordem capitalista. Nesse contexto, o grande capital necessita realizar superexploração do trabalho e dos recursos naturais para relançar sua taxa de lucro declinante, nem que seja parcialmente.

Em curso há mais de trinta anos, a reorganização neoliberal do mundo exige e necessita a plena e total liberdade de ação e de circulação para o capital, para a força de trabalho, para as tecnologias, para as matérias-primas, para as mercadorias, etc., por sobre as barreiras, proteções e interesses dos povos e dos estados nacionais.

Nesse sentido, o neoliberalismo não é uma espécie de face malvada do capitalismo, possível de ser remendada, administrada e mitigada. Ao contrário, é a mais acabada e lídima expressão político-social das necessidades estrututrais da ordem capitalista, em seu atual estágio de crescente decrepitude.


Estados periféricos

A reorganização plena do mundo segundo as necessidades barbarizantes da ordem capitalista exige a destruição tendencial dos grandes estados periféricos, espaço de resistência, nem que seja parcial, do mundo do trabalho e da sociedade civil, e sua substituição por pequenas e dóceis nações, incapazes de qualquer resistência efetiva.

Caso se efetue a imposição de governo colonial e a divisão do Irak, legal ou de fato, em estados liliputianos, essas medidas permitirão a mais plena e acabada exploração dos imensos recursos petrolíferos da região pelo grande capital mundial, em geral, e yankee em especial.

Na forma e no conteúdo, a intervenção no Irak dá seguimento a iniciativas como a divisão-submissão da Iugoslávia à ordem capitalista, realizada pelo grande capital norte-americano, alemão e italiano; a explosão da URSS em constelação de Estados reintroduzidos na esfera de produção capitalista, promovida pelos Estados Unidos e seus aliados e satélites.


Tubarões e peixes pequenos

O atual confronto sobre a sorte do Irak, dos governos dos USA e da Inglaterra, com os da França e da Alemanha, expressa a necessidade do grande capital imperialista internacional de submeter plenamente as suas necessidades também as grandes nações e as formações supranacionais. Constitui a reafirmação do papel subordinado das nações imperialistas periféricas, no contexto da nova ordem em construção.

O apoio dos oito governos europeus à intervenção no Irak, em oposição à opinião pública de seus países, registra, por um lado, a submissão aos USA, sobretudo do capital financeiro periférico da Inglaterra, Espanha e Portugal, através de seus governos conservadores, contra os próprios interesses nacionais. Por outro, a satelitização norte-americana das nações do Leste europeu, reintroduzidas em forma subalternizada na ordem capitalista mundial, após a explosão da URSS.

Nesse sentido, a agressão imperialista ao Irak constitui ato necessário à privatização plena de seus recursos energéticos e à total submissão dos seus governantes aos desígnios do grande capital imperialista. Objetivos obtidos comumente em forma mais simples, menos custosa e mais silenciosa em outras regiões do mundo.


A grande fazenda escravista

Há mais de vinte anos, a nação brasileira transformou-se em uma espécie de imensa fazenda escravista, feitorizada infernalmente pelo grande capital internacional, o novo negreiro mundial, para que entregue e exporte, crescente e incessantemente, as riquezas produzidas em seu território.

Através do mecanismo do pagamento da dívida, a população, a indústria, os recursos nacionais têm sido exaustivamente expropriados pelo grande capital financeiro sobretudo, determinando degradação da vida da população, das infraestruturas, das tecnologias e do parque industrial nacional. Entretanto, esse longo período de submissão nacional não exigiu a ação de exércitos e governos de ocupação. Ao contrário, deu-se, primeiro, sob o mando da alta oficialidade militar e, a seguir, dos políticos burgueses e oligárquicos nacionais, apenas vigiados e remunerados pelo estado maior civil do capital mundial - FMI, Banco Mundial, etc.


Mortos e estropiados

Apesar das bombas inteligentes não terem jamais chovido sobre o Brasil, nem os aeronaves invisíveis aterrorizado seus céus, contam-se aos milhões as vítimas massacradas e estropiadas, nas cidades e nos campos brasileiros, por esse processo de exploração crescente. Ocupação semicolonial silenciosa e terceirizada que possui, igualmente, a vantagem de não exigir, ao imperialismo, gastos em vidas e recursos.

A literal vampirização que vive o Brasil dá-se através da apropriação das indústrias e riquezas nacionais e, sobretudo, de expropriação fiscal - atualmente, uns 37% do PIB -, associada a cortes nos gastos e investimentos, com o fim de produzir excessos orçamentárias -superávits primários- que viabilizem a entrega do trabalho nacional ao capital financeiro, como pagamento dos juros e do principal da dívida.

Em 1999, o superávit primário exigido pelo FMI foi de 3,1% do PIB; em 2000, de 3,4%; em 2001, de 3,45 % e, finalmente, em 2002, de 3,75%. O Produto Interno Bruto constitui a soma de todos os bens e serviços produzidas em um ano no país! Nesses anos, a média de desenvolvimento nacional encontrou-se abaixo da média de expropriação financeira, caracterizando processo de empobrecimento absoluto do país.

Apesar desse massacre, a dívida pública saltou de 30,4% do PIB, em 1994, para 56%, em fins de 2002!


Palocci, de bacalhau na mão

Em 2002, o compromisso da Frente Popular de "honrar os compromissos" internacionais contratados pelos governos passados facilitou a eleição de Lula da Silva e o prosseguimento, formalmente indolor, da submissão semicolonial do Brasil, sobretudo ao grande capital financeiro internacional.

Esse processo de rendição foi inaugurado com a entronização de Henriques Meirelles, ex-dirigente e pensionista milionário do Bank of Boston, segundo credor do Brasil, como presidente do Banco Central brasileiro. Na ocasião, prometeu-se igualmente a independência do Banco Central aos governos eleitos, há anos exigida pelos grandes banqueiros.

Logo, logo, Antônio Palocci, feitor-mor de turno da Fazenda, de bacalhau na mão, demonstrou que aquela nomeação não fora pra inglês ver. Manteve a gorda remuneração do capital financeiro - juros primários de 25,5% - e elevou o superávit primário de 2003 para 4,25% do PIB - uns 20 bilhões de dólares! Elevação que exigirá imediatos cortes orçamentários de uns quatro bilhões de dólares, diretamente nos ossos de sociedade já finamente descarnada.


Plebiscito nacional

Porém, o prosseguimento da crise mundial do capitalismo exige o aprofundamento de exploração barbárica, através de submissão da nação brasileira que elimine as barreiras e legislações nacionais suscetíveis de entravarem, mesmo parcialmente, a crescente exploração nacional pelo grande capital internacional, em geral, e norte-americano, em especial.

Imposição que não se materializará através da definição do Brasil como parte do Eixo do Mal, para posterior custosa e imprevisível intervenção militar. Mas no bojo da imposição ao governo brasileiro de adesão à chamada Área de Livre Comércio das Américas - ALCA. Acordo que, essencialmente, objetiva assegurar a supra-territoriedade ao grande capital, no relativo à exportação-importação de capitais, tecnoligias, mercadorias para o Brasil, o grande e inconfessado objeto de desejo dos promotores da ALCA.

Em setembro de 2002, conscientes da literal liquidação dos poderes do Estado nacional, no caso da adesão do Brasil à ALCA, forças populares e de esquerda organizaram plebiscito nacional no qual dez milhões de brasileiros pronunciaram-se, peremptoriamente, contra o acordo e pela saída do governo brasileiro daquelas negociações.


Primeira base imperialista no Brasil

O plebiscito registrou igualmente a geral rejeição à proposta da entrega da base de Alcântara, no Maranhão, ao exército imperialista yankee, em discussão durante o governo FHC. Na ocasião, o PT retirou-se da iniciativa plebiscitária, devido a sua estratégia de aproximação aos USA e privilegiamento do mercado mundial, em detrimento do interno, como estratégia econômica de governo. Recente comunicado da Coordenação Nacional da Campanha contra a Alca denuncia que o atual governo da Frente Popular acaba de definir "suas propostas e ofertas sobre indústria, agricultura e serviços", prosseguindo, assim, as deliberações sobre a adesão à ALCA, iniciadas pelo governo Fernando Henrique Cardoso.

Tal decisão foi tomada, em 20 de janeiro, en petit comité, pelo núcleo econômico pró-liberal duro do governo, formado por Antônio Palocci, ministro da Fazenda, Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura e Luiz Fernando Furlan, ministro do Desenvolvimento, sob a acessoria de Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores.


A frágil unidade brasileira

Em nome dos dez milhões de brasileiros que se pronunciaram contra o acordo, a Coordenação Nacional anti-ALCA propõe que o governo interrompa as negociações e "inicie um debate amplo e aberto", no qual apresente "publicamente suas propostas" sobre a ALCA. Tratando-se de assunto atinente à independência nacional, exige a realização de "Plebiscito Oficial", ainda este ano, sobre a participação ou não do Brasil na ALCA.

Um dos grandes objetivos da intervenção militar norte-americana em preparação é dividir o Irak em pequenos Estados, dóceis às imposições do grande capital internacional, processo já em implementação através das ilegais "áreas de exclusão" aérea. No mesmo sentido, o ingresso do Brasil na ALCA constitui importante elemento de desagregação tendencial da unidade nacional brasileira.

Sob a Colônia, o Império e a República Velha, o Brasil foi uma entidade sobretudo administrativa, onde vicejou forte autonomia econômica e social de fato das capitanias, províncias e estados. O Estado-nação brasileiro, como o conhecemos atualmente, é fenômeno historicamente recente, produto sobretudo da construção de mercado e indústria nacionais, a partir de 1930.


Um, dois, três Brasil No últimos trinta anos, a incessante desnacionalização da economia brasileira e seu redirecionamento ao mercado mundial, em detrimento do mercado interno, têm debilitado em forma crescente e inexorável os laços subjetivos e objetivos nacionais. Em substituição ao projeto petista inicial, o novo governo retomou a proposta das passadas administrações de privilegiamento das exportações e do mercado internacional.

Uma organização socioeconômica centrífuga enseja, inevitavelmente, tendências ideológicas, culturais, organizacionais, identitárias, etc. dispersivas. A internacionalização e a reorientação da economia brasileira ao exterior têm alimentado o exclusivismo e o egoísmo regionais, assim como propostas separatistas ainda marginais e folclóricas.

A adesão do Brasil à ALCA acelerará, em forma substancial, a fragilização dos laços unitários do Estado-nação brasileiro, ao minorar sua autonomia nacional. Essa situação facilitará propostas de dissolução de explosão do Estado-nação, em prazo histórico não distante, sobretudo no contexto de pressão imperialista interessada nesta partição.

Em uma outra dessas tristes gargalhadas da história, caso não prevaleça a proposta de interrupção das negociação sobre a ALCA, o início da rendição do governo da Frente Popular, às exigências USA de alienação da independência nacional brasileira, será realizado em 15 de fevereiro, dia em que a população de todo o mundo ocupará as ruas e as praças para opor-se à intervenção imperialista no Irak.


(*) Intervenção no encontro " Irak: Guerra e Imperialismo. Centro Allende, La Spezia, Itália, 8 de fevereiro de 2003.
Mario Maestri, 54, é historiador. E-mail: maestri@via-rs.net



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