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La insignia
18 de novembro de 2002


O desafio de viver com ossos de cristal


Julio Cesar Brazil
Rits. Brasil, novembro de 2002.


A Osteogenesis Imperfecta (OI) é uma doença genética e totalmente desconhecida da maioria da população brasileira. Além dos cerca de 12 mil portadores da doença no país, seus familiares e amigos, somente quem assistiu ao filme Corpo Fechado, dirigido pelo norte-americano M. Night Shyamalan, pôde conhecer um pouco da realidade das pessoas que possuem a OI. Esta enfermidade é causada por um problema no gene que produz o colágeno - substância responsável pelo depósito dos minerais que formam os ossos, como o cálcio, o magnésio entre outros - e a sua característica principal é a fragilidade óssea.

Em dezembro de 1999, o jornalista Moacyr Oliveira, pai de uma menina que sofre de OI, a antropóloga Rita Amaral, que também possui a doença, e mais 48 pessoas (médicos, portadores da enfermidade e seus parentes) fundaram a Associação Brasileira de Osteogenesis Imperfecta (ABOI). Rita, que é a presidente do Conselho Deliberativo da entidade, explica como é a OI, além de contar quais foram vitórias já obtidas pela associação e quais as expectativas da ABOI para o futuro.

Rets - O que é a Osteogenesis Imperfecta (OI)? Quais os seus sintomas e como eles se caracterizam?

Rita Amaral - É uma doença genética, em muitos casos hereditária, causada por um defeito no gene que produz o colágeno, que é uma espécie de cimento onde se depositam os minerais que formam os ossos, como o cálcio, o magnésio e etc. O colágeno também está presente na pele e em outros tecidos do corpo, mas no caso da OI os problemas acontecem principalmente nos ossos e nas cartilagens. Os ossos se formam imperfeitamente e se tornam extremamente frágeis, fraturando-se ao menor impacto e, muitas vezes, até espontaneamente, sem impacto algum. As cartilagens também podem ser afetadas, tornando as juntas como as dos dedos, ombros, joelhos e etc. muito flácidas ou muito duras. Mas o pior problema são mesmo as fraturas.

Quem tem OI costuma ter muitas fraturas (alguns portadores chegam a ter 500, 600 fraturas durante a vida), esclerótica (parte branca do olho) azulada, baixa estatura e em alguns casos, problemas de audição causados por eventuais problemas nos ossinhos do ouvido. Os ossos podem se deformar, curvando-se, achatando-se e causando diversos problemas ao portador. Muitos deixam de andar devido a estas deformidades, especialmente se elas atingem a coluna vertebral. Em alguns casos os dentes também são afetados. Algumas pessoas apresentam os sintomas da doença logo ao nascer. Outras demoram mais a apresentá-los. Além disso, a OI pode ser herdada ou ser a conseqüência de uma mutação do gene daquela pessoa. Nem sempre se herda a enfermidade.

Rets - Como surgiu a idéia de criar a ABOI em 1999? Quais são as ações da entidade?

Rita Amaral - Em 1996, navegando pela Internet, resolvi digitar o nome da doença para saber se existia alguma informação, pois até então os médicos diziam ser extremamente rara, com apenas 3 ou 4 casos no Brasil. Um deles era o meu. Nesta consulta encontrei os sites da OIFE (Osteogenesis Imperfecta Federation for Europe), européia, e da OIF (Osteogenesis Imperfecta Foundation), americana. Descobri estarrecida que existiam milhares de pessoas com esta doença, que haviam novas técnicas cirúrgicas e até um tratamento que vinha sendo experimentado com sucesso no Canadá. Assinei as Mailing Lists australiana, espanhola e francesa e depois de um ano percebi que toda a desinformação dos médicos e pacientes estava levando os portadores a situações completamente desesperadoras.

Escrevi então ao presidente da OIFE, Rob Welzenis, e ao Doutor Horácio Plotkin, do Canadá, pedindo autorização para traduzir e publicar na Internet o material de seus websites. Fui prontamente autorizada por ambos e em 1997 coloquei o site no ar. Apenas em 1998 recebi o e-mail de Carlos Galvão, de Recife, e decidimos abrir uma mailing list em português. Foram aparecendo mais portadores e o tema do desconhecimento da OI no Brasil fez surgir a vontade de termos como iniciar um diálogo coletivo dos pais e portadores com os médicos, o Estado e todos os profissionais que lidam com a doença.

Em 1999, a chegada ao grupo de Moacyr de Oliveira Filho, jornalista de Brasília e pai de uma portadora, foi fundamental. Através do site ele soube do tratamento com pamidronato e decidiu levar sua filha ao Canadá para recebê-lo. O que sabíamos por ler em sites e listas foi confirmado: havia esperanças para as pessoas com ossos de cristal. Moacyr entrou em contato com os médicos do Hospital das Clínicas de São Paulo, redigiu o estatuto, que foi discutido e modificado na mailing list oimperfecta e em dezembro de 1999, com 50 pessoas, incluindo médicos do Hospital das Clínicas, da Santa Casa de São Paulo, da UNIFESP e portadores de vários lugares do Brasil, fundamos a ABOI, com a missão de lutar pela melhoria da qualidade de vida dos portadores de OI, o que significa, essencialmente, produzir e divulgar informação de qualidade sobre a doença e seu tratamento e organizar os interessados para uma luta bem direcionada por seus direitos como cidadãos. A ABOI orienta seus associados, encaminha para tratamento e tem um conselho científico formado por médicos experientes, que voluntariamente auxiliam nos casos mais complexos.

Rets - Quais são os principais objetivos da ABOI e como ela faz para divulgar OI à sociedade brasileira?

Rita Amaral - A ABOI tem como objetivos principais informar de fato os pais, portadores, médicos e população em geral, sobre o que é a OI e qual a sua real extensão. A crença errônea de que os portadores não devem ser ativos, nem fazer exercícios, de que não há remédio para a doença levou à morte muitos portadores, tem que acabar. A entidade também deseja mais investimento (humano e financeiro) na pesquisa sobre OI. Quer ainda que o Estado se responsabilize pelo tratamento incluindo hastes cirúrgicas de titânio, pamidronato dissódico, fisioterapia etc., não apenas em dez hospitais, como a ABOI conseguiu que acontecesse desde 19 de dezembro de 2001, mas em todos e em todas as regiões do país.

E quer, obviamente, que eles saiam do papel, o que não aconteceu neste primeiro ano. Para divulgar a OI à sociedade brasileira a ABOI mantém o site na Internet, a mailing list e já publicou dois livretos com informações essenciais sobre a doença, o Livrinho do Portador e Como viver com ossos de cristal. O núcleo do Rio de Janeiro produziu cartazes, adesivos para carros e camisetas. Duas vezes por ano realizamos reuniões de portadores, pais e médicos para troca de informações, atualizações e esclarecimento de dúvidas. Procuramos espaço em publicações médicas, religiosas e outras. No momento estamos buscando recursos para a publicação de um pequeno livro para sensibilizar diretores, professores e crianças nas escolas, pois muitos pais se queixam de que seus filhos não são recebidos para estudar por medo de que uma fratura aconteça na escola.

Rets - Em que estágio se encontra a pesquisa quantitativa e qualitativa realizada pelo formulário distribuído pela ABOI desde 2000 e qual o objetivo deste levantamento? Quantas pessoas são portadoras da OI atualmente no Brasil?

Rita Amaral - Já produzimos nossos primeiros dados. Este foi um passo fundamental, pois até o momento não sabíamos exatamente a quem representávamos e quais deveriam ser as prioridades em nossos projetos. Agora estimamos que o Brasil tenha cerca de 12 mil portadores de OI. Os dados primários que vêm sendo obtidos pela ABOI apontam especialmente na direção da falta de informação geral dos envolvidos com a doença e de apoio do Estado para o seu tratamento. Pudemos constatar que a OI, se devidamente tratada permite que o portador tenha uma qualidade de vida muito melhor e produtiva.

Nossos dados mostram que as crianças adequadamente tratadas desde a primeira infância têm tido menos fraturas, menos curvamentos dos ossos e, conseqüentemente, necessitado de menos internações por fraturas, menos cirurgias corretivas e apresentado menos problemas pulmonares decorrentes de deformidades da coluna vertebral. Elas apresentam melhor taxa de crescimento, sentem menos dores, movem-se melhor, faltam menos à escola, são mais felizes. Os 200 portadores que responderam à pesquisa apresentam, juntos, 6596 fraturas, o que implica a média de 32,4 fraturas por portador. A idade média destes portadores é de 21,5 anos, o que implica que eles sofrem mais de uma fratura por ano. 80 por cento dos respondentes tiveram ao nascer o prognóstico de morte até final da primeira infância. Como conseqüência, elas não foram submetidas a cirurgias ou esforços de nenhum tipo (algumas foram proibidas até mesmo de sentar-se, sofrendo atualmente as conseqüências físicas desta proibição). E assim por diante. Levantamos dados de vários tipos, podendo notar que a falta do tratamento adequado leva a inúmeros outros problemas decorrentes de um primeiro, criando-se um quadro crônico, muitas vezes levando à morte do portador.

Rets - Qual a principal vitória da entidade desde a sua criação em 1999?

Rita Amaral - Sem dúvida foi a criação de dez Centros de referência em Osteogenesis Imperfecta (CROIs), pelo Ministério da Saúde, onde o tratamento proposto é multidisciplinar e o pamidronato é custeado pelo órgão federal. Apesar de funcionarem ainda de modo incipiente, são uma conquista importante, especialmente se pensarmos que até 1999 nunca o termo Osteogen havia sido pronunciado pela imprensa e a doença era desconhecida até dos próprios médicos. Em abril desse ano houve, pela primeira vez na história da medicina brasileira um simpósio sobre OI, no Espírito Santo, com a participação de especialistas médicos brasileiros e estrangeiros com um fórum para leigos que foi assistido pelos médicos. Nesse Congresso foi redigida a Carta de Vitória, dirigida ao Ministério da Saúde, da Educação, às Faculdades de Medicina e à imprensa. O interesse de médicos, pesquisadores, fisioterapeutas, dentistas e outros profissionais pela doença cresceu espantosamente.

Rets - Quantos CROIs estão em funcionamento atualmente no Brasil? Existe um projeto de ampliação do número destes centros? Eles são públicos?

Rita Amaral - Dez CROIs foram criados em dezembro de 2001: dois em Brasília (DF), três em São Paulo, enquanto Fortaleza (CE), Vitória (ES), Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS) têm uma unidade cada. Infelizmente só os centros do Rio de Janeiro e de São Paulo estão começando a dar seus primeiros passos, com grande dificuldade. Os motivos alegados vão desde reformas físicas nos hospitais até o preço do tratamento estipulado pelo SUS não ser realista e sequer cobrir o custo do pamidronato.

Esperamos ter mais oportunidades de diálogo com o Ministério da Saúde no novo governo, especialmente porque queremos mais CROIs (o Norte não tem nenhum, por exemplo) e que a faixa etária estipulada para o pagamento do pamidronato pelo SUS (0 a 21 anos) deixe de existir. Os CROIs são públicos e, assim, exames, diárias hospitalares, remédios e etc. são completamente gratuitos.

Rets - O que um portador de OI deve fazer para se filiar a ABOI? Como ele faz para procurar auxílio nestes Centros de Referência existentes no país?

Rita Amaral - Deve preencher o formulário de associação e nos enviar. Este formulário está disponível no site ou pode ser solicitado por e-mail. Ele também pode ser pedido e/ou enviado por carta, aos meus cuidados, para a ABOI, na Rua das Fiandeiras, 479/ apto 34, São Paulo (SP). O Cep é 04545-003.

Para procurar auxílio nos CROIs, um portador deve procurar os seguintes hospitais ou procurar a própria associação: São Paulo (SP) - Hospital das Clínicas - USP, Santa Casa de Misericórdia e Hospital São Paulo - UNIFESP); Rio de Janeiro (RJ) - Instituto Fernandes Figueira; Vitória (ES) - Hospital Nossa Senhora da Glória; Fortaleza (CE) - Hospital Albert Sabin; Porto Alegre (RS) - Hospital das Clínicas; Curitba (PR) - Hospital Pequeno Príncipe; Brasília (DF) - Hospital de Base e Hospital Universitário de Brasília.


Serviço

O correio eletrônico da ABOI é aboi@aguaforte.com e o site, www.aguaforte.com/oi



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