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La insignia
8 de novembro de 2002


A Cúpula Mundial
sobre a Sociedade da Informação e nós


Carlos A. Afonso (*)
Rits. Brasil, novembro de 2002.


Em primeiro lugar, neste texto, "nós" somos nós mesmo, os cidadãos e cidadãs do planeta, além de suas organizações civis. O que a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) tem a ver conosco?

Em segundo lugar, tratemos de definir, de algum modo, o que significa a "sociedade da informação" de que trata a Cúpula. A meu ver, a chamada "sociedade da informação" é um espaço social, cultural, econômico e político de igualdade de oportunidades de acesso aos recursos de informação, em que, com as tecnologias digitais de informação e comunicação, há um estado de inclusão digital generalizada - ou seja, onde todos os cidadãos e cidadãs tenham acesso em igualdade de condições às redes de informação e saibam como utilizar seus instrumentos.

Se não for assim, os esforços de levar serviços governamentais e informações públicas a todos via Internet (componente essencial do chamado "e-governo"), por exemplo, beneficiariam tão somente aos que podem, como consumidores, pagar pelas ferramentas que permitem este acesso. A sociedade da informação para os poucos que podem pagar pelos respectivos serviços não é a que buscamos. Infelizmente, é o que ocorre na maioria de nossos países, melhorando as oportunidades para alguns poucos e ampliando ainda mais a distância entre ricos e pobres.

A CMSI nasceu de uma proposta da União Internacional de Telecomunicações (UIT) para uma ampla discussão sobre vários aspectos da sociedade da informação. Os tópicos de discussão originalmente propostos são: sociedade do conhecimento; direitos e governo; infra-estrutura e ferramentas; cooperação e investimentos; desenvolvimento e emprego. Como se vê, vários dos tópicos não pertencem ao âmbito de interesse ou ação da UIT - da qual participam efetivamente apenas governos e empresas de telecomunicações, e cujo mandato se concentra na normatização da infra-estrutura e serviços de telecomunicação[1]. Por outro lado, os tópicos são extremamente genéricos, dando margem a toda sorte de propostas e discussões. Da organização do evento (e do processo preparatório para o mesmo), no entanto, participam outros organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), tratando portanto de abarcar o conjunto de temas mencionado.

Para as organizações da sociedade civil, a generalidade e diversidade dos temas que lhes interessam também são um sério problema. Por um lado, há na pauta de discussões um número muito maior de temas. Isto é causado pela necessidade de cada grupo, movimento, associação ou rede de ter seu tema específico considerado no debate. Em grande medida, essa lista mais extensa trata de especificar um pouco mais as grandes linhas de discussão propostas pelos organizadores, além de buscar dar prioridade a algumas questões que poderiam, de outro modo, não ser mencionadas ou adequadamente tratadas na Cúpula.

Por outro lado, a grande quantidade de temas tratados pelas entidades civis dificulta muito o aprofundamento dos mesmos - particularmente porque em praticamente todos eles há aspectos que se desenvolvem com características diferenciadas em cada país. Por exemplo, censura na Internet não é um tema de preocupação imediata no Brasil - pelo simples fato de que não existe censura na Internet brasileira -, mas é um assunto central em vários países da Ásia. Obviamente é uma preocupação estratégica das entidades civis do Brasil o fato de que possa haver ou haja efetivamente censura na rede - mas, de novo, a diversidade de temas a tratar faz com que, por questões práticas, seja necessário fazer uma "divisão de trabalho" e ter um enfoque mais específico.

Para muitas organizações civis do Brasil, por exemplo, um tema central é a inclusão digital - expressão que dá margem a discussões (particularmente na Europa), pela forma considerada "politicamente incorreta" da mesma, na visão de algumas destas organizações. No Brasil há um grande desenvolvimento de serviços de Internet no âmbito dos serviços do governo para os cidadãos, as empresas e para o próprio governo - de fato, existe um consenso internacional de que o Brasil (ou ao menos o governo federal brasileiro) está mais avançado em e-governo do que a maioria dos países desenvolvidos. No entanto, somente 8% da população tem acesso à Internet e, portanto, a estes serviços, em menos de 10% dos quase seis mil municípios do país.

Por outro lado, há temas que afetam quase todos os países do Sul - e alguns deles são tecnicamente complexos, requerendo a respectiva "expertise" para o acompanhamento e a formulação de propostas. Um deles se refere aos termos de intercâmbio nas interconexões de dados entre países, assim como os custos de serviços de conectividade em cada país. De fato, continua a ocorrer uma transferência maciça de recursos dos países do Sul para as grandes operadoras de espinhas dorsais ("backbones") da Internet dos Estados Unidos. Tal como está configurada a infra-estrutura da Internet até os dias de hoje, não é possível transferir dados na mesma sem que haja pelo menos uma consulta a servidores de diretório (os servidores raiz operados pela ICANN) nos EUA. Para isto, não é necessária uma conexão física direta entre o país onde está o usuário e os EUA, mas é preciso utilizar de algum modo os "backbones" norte-americanos para esse serviço. Some-se a isso o fato de que a imensa maioria dos serviços internacionais de indexação de informação, além de 70% do conteúdo, estão em servidores norte-americanos - ou seja, não se concebe, no estado em que está a Rede hoje, operar a Internet em qualquer país sem que haja conectividade direta ou indireta com os EUA.

Aqui está o problema: as operadoras dos EUA não aceitam compartir custos - para conseguir conectividade, uma operadora de outro país normalmente paga a totalidade do custo da conexão física à operadora nos EUA, mesmo que usuários dos EUA utilizem esta conexão para consultar conteúdos e utilizar serviços em nossos servidores. Não existe até hoje um acordo internacional de interconexão Internet e certamente é papel da UIT negociar isso (já que à ICANN não compete esta atribuição e não existe outro organismo internacional que possa fazê-lo). Países com maior força econômica começam a conseguir acordos individuais, mas esta não é a regra para os países do Sul.

O assunto se complica um pouco mais com as privatizações de serviços de telecomunicações na maioria dos países do Sul. Por exemplo, a falida Worldcom é dona de alguns dos principais "backbones" dos EUA, e é também dona da principal operadora de "backbone" do Brasil, a Embratel. Ou seja, mesmo que a Worldcom seja obrigada, por acordos de interconexão, a compartilhar com a Embratel parte do custo da conexão Brasil-EUA, isso na verdade é pouco mais do que uma transferência interna contábil dentro da mesma empresa. Claro que pelo menos os impostos da transação ficarão no Brasil, o que já justifica a insistência em definir acordos de interconexão mesmo nestes casos.

De qualquer maneira, isso implica na transferência de vários bilhões de dólares a cada ano de nossos países para operadoras norte-americanas, além de fixar em dólares americanos a referência de preços de conectividade Internet em todos os países do Sul. Enquanto em países como o Brasil o custo de conectividade baixou por causa da escala de operação de da Internet, em países da América Central, por exemplo, o custo continua sendo impossível para os pequenos provedores de serviços de conexão.

A tabela abaixo compara alguns custos locais de conectividade dedicada de um circuito de 512kb/s em US$:

O que chama atenção na tabela não é o custo muito mais baixo no Brasil (que ainda continua sendo quase quatro vezes mais alto que nos Estados Unidos, por exemplo), já que a escala de operação permite negociações que terminam por reduzir custos, mas sim a grande diferença de custos entre Honduras e Nicarágua, com populações em escala similar, mas em que aquele com renda menor paga muito mais pelo mesmo serviço de conexão.

O exemplo evidencia a disparidade de critérios de cobrança de serviços essenciais para o desenvolvimento e, sobretudo, a democratização do acesso às TICs em cada país. Os serviços de conexão em geral são de custo fixo para as operadoras, independente da intensidade efetiva de tráfego - além disso, devido à tecnologia empregada, estes custos são similares em praticamente todos os países, ressalvadas as políticas específicas de impostos sobre serviços. Porém, os impostos sobre estes serviços são mais altos no Brasil do que nos dois outros países indicados, e os valores de impostos na Nicarágua e em Honduras não justificam a grande diferença de preços.

A democratização de acesso em nossos países passa pela busca comum de soluções de redução efetiva desses custos. Aqui também é necessária "expertise" adequada para a elaboração de propostas de políticas.

Por fim, um outro tema que parece escapar às discussões - o controle social da gestão da Internet. Isto implica na democratização da gestão, nos três níveis:

- o da ICANN (em que entretanto o governo dos EUA pode tomar as decisões em última instância), que é o organismo operativo do controle central do tráfego Internet;
- o dos organismos regionais (os "Regional Internet Registries"), como o LACNIC na América Latina;
- e o dos organismos nacionais de administração de domínios Internet de cada país.

É uma estrutura piramidal, na qual a ICANN está no topo e na qual a característica em todos os níveis é o predomínio de empresas privadas e organismos de Estado na tomada de decisões sobre a gestão da infra-estrutura - inclusive decisões relativas à alocação dos recursos derivados da venda de serviços de administração de nomes de domínio e números IP (que no Brasil, por exemplo, ultrapassam os US$ 6 milhões ao ano).

Muitos dos problemas que nos interessam não serão solucionados no âmbito das regulações internacionais (portanto, não esperamos que sejam solucionados na CMSI), mas sim nos próprios países ou regiões.

A Cúpula oferece neste caso uma grande oportunidade de nos reunirmos para criar ou reforçar redes temáticas de interesse e ação em torno destes temas para a busca de soluções locais. E isto tem a ver com todos nós.


[1] Do site da UIT: "A UIT, com sede em Genebra, é uma organização internacional pertencente ao Sistema das Nações Unidas, onde governos e o setor privado coordenam redes e serviços globais de telecomunicações".
(*) Carlos A. Afonso é diretor de tecnologia e desenvolvimento da Rits.



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