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La insignia
11 de novembro de 2002


Nomes e sobrenomes que viram adjetivos


Laerte Braga
La Insignia. Brasil, novembro de 2002.


A língua portuguesa tem características absolutamente democráticas. Uma delas é não ser uma língua pragmática, digamos assim, como o inglês. O inglês americano sobretudo. É isso que permite, por exemplo, que nomes, ou sobrenomes acabem transformando-se em adjetivos.

E tanto alguns desairosos, como outros airosos. Muitos felizmente. Aqui entre nós, em Juiz de Fora, que meu pai Arides Braga costumava chamar de "estado independente de Juiz de Fora", Medeiros é sobrenome e adjetivo. Significa tanto inteligência, quanto vocação para a luta, a liberdade, as boas causas.

Um deles é João Medeiros Filho. Eu o conheci em 1962, quando o antigo Partido Socialista Brasileiro, sem esses desastres de hoje, juntava figuras notáveis como Lindolfo Hill, Irineu Guimarães, Manoel Gonçalves Doviso e outros. Naquele ano abrigava todo o velho Partidão, na ilegalidade desde o governo Dutra.

A junção de socialistas e comunistas resultou na candidatura do advogado Nonato Lopes para a Prefeitura de Juiz de Fora. O vice era Irineu Guimarães e os deputados federal e estadual, respectivamente, José Alencar Medeiros e José Moreira Lanna, este no antigo PTB (foi um dos mais brilhantes vereadores na história de nossa Câmara).

No dia seguinte à decisão, tomada na casa de uma das maiores figuras de nossa história, Irineu Guimarães, João Medeiros Filho apareceu com um manifesto de forças populares e intelectuais da cidade apoiando a luta. Foi a primeira providência prática para a caminhada.

Eu me recordo que Fernando Cortes Muzzi, que foi editor do antigo "Binômio", dizia que "você não ganham mas vão ser os campeões dos pequenos". Eram quatro grandes e quatro pequenos.

Data daí a minha lembrança do Joãozinho. Ligado umbelicalmente e por força do sobrenome a uma história que permeia coragem, independência, sempre com a lucidez dos inteligentes. Mesmo que a lucidez seja poética e revestida de sonhos. O poeta é o que pensa o que vai ser real. É um verso de uma das canções de Mílton Nascimento.

A FUNALFA através da lei Murilo Mendes, de incentivo à cultura, produziu um CD magnífico, com canções e poemas da lavra de João Medeiros Filho.

A poesia de João Medeiros Filho é altiva. Carrega a característica do sobrenome: mesmo nos momentos mais suaves engaja-se nas peculiaridades que transformam "medeiros" no adjetivo que falei acima.

Seus parceiros da melhor qualidade: Sueli Costa, Hélcio Costa, Mamão, Damásio, Cezar Itaborahy.

A longa estrada de João Medeiros Filho, para usar uma expressão dele, aposta numa dedicatória não contém-se no CD. Extrapola. Mas está ali um microcosmo do adjetivo "medeiros". O trabalho é como que a seleção de momentos de vida intensa e que certamente podem desdobrar-se noutros que, quantos forem, serão mais que lúdicos saraus História contada numa forma que permeia o inconsciente e vara a dimensão da poesia/realidade, ou da realidade/poesia.

Darcy Ribeiro costumava dizer que a sensação do sujeito que pela primeira vez ouviu um som deve tê-lo enlouquecido. Imagino a daquele que misturou poesia e som. Harmonia.

A vigorosa forma poética de falar da vida. Daquela vida escondida, recôndita mas que tem tudo a ver com a vida explícita.

Essa tem sido a estrada do João Medeiros Filho, o sobrenome que virou adjetivo. Ou como diz César Benjamin, um dos mais lúcidos intelectuais contemporâneos e amigo do peito: "são os lutadores do povo".



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