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La insignia
14 de março de 2002


Histórias do poder «global»


Laerte Braga


A ditadura militar, sustentando-se no anticomunismo, tinha contradições, no mínimo, típicas de uma república de bananas (nos dois sentidos). Na cabeça dos militares o “polvo soviético” estava estendendo seus tentáculos pela América Latina, particularmente o Brasil, o maior e mais rico estado norte-americano do continente.

Um dos delírios dos militares era, ao mesmo tempo, um paradoxo. Submetiam-se docilmente ao que vinha de Washington e sonhavam, às escondidas, um nacionalismo capaz de transformar o Brasil num novo Estados Unidos. Acreditavam, piamente, que estávamos vivendo o estágio far west, numa comparação histórica com aquele país.

Para isso era necessário um sistema de comunicação de massas eficiente. Capaz de forjar nos civis o mesmo “patriotismo” acendrado existente nos quartéis. O “Sistema Globo” foi o escolhido, até para confirmar a contradição: era financiado pelo grupo Time/Life, hoje, Time/Warner. Em nenhum momento perceberam que o polvo que estendia os tentáculos era exatamente o império americano e através da “Globo”. Só enxergavam aquela história de “Prá Frente Brasil”, nunca o “último a sair apague a luz”, em alusão aos exilados e àqueles que deixavam o País por conta própria, conseqüência da ditadura.

A “Globo” começou “vendendo” casamento (programa que procurava unir solitários, apresentado por um antigo locutor esportivo, Raul Longras). Trouxe Abelardo Barbosa, um fenômeno do rádio, o Chacrinha, dono de uma frase extraordinária, “quem não se comunica, se estrumbica” - era um programa de auditório e foi durante muitos anos líder de audiência – . E tinha, aos domingos, o ex camelô e agora concorrente, Sílvio Santos. A maratona começava às 11 horas da manhã e ia até as 19, 20 horas. Até hoje não conseguiu suprir a sua falta.

Mas foi através do “Jornal Nacional”, isso tudo em rápidas pinceladas, que o culto ufanista prosperou. E a própria “Globo” tinha suas contradições: o primeiro diretor de telejornalismo foi Sebastião Nery, à época deputado estadual cassado (Bahia), com prisão decretada e ligado ao antigo PCB – Partido Comunista Brasileiro –. Morava na própria redação para não ser preso.

Quem se der ao trabalho de assistir o principal telejornal da televisão aberta no Brasil vai, com toda a certeza, encontrar, todos os dias, além das notícias pautadas segundo os interesses das elites, das classes dominantes, uma inserção de novas descobertas de laboratórios para a cura de doenças incuráveis e aparelhos fantásticos, capazes de prever infartos daqui a cinqüenta anos, sempre à disposição de quem pode pagar.

O “Jornal Nacional” tem uma tabela de inserções publicitárias sui generis: a visível, para os chamados intervalos comerciais e a invisível, para matérias pagas. São geradas para o próprio noticiário, sem qualquer preocupação de checar verdade ou não, desde que não discrepem quanto à linha editorial: a favor dos bancos, dos laboratórios, das transnacionais e do governo se o governo for como o de FHC.

Isso reproduz-se nos estados e municípios e muitos prefeitos e governador já queixaram-se do fato de que não atendendo às “sugestões” da turma “Global”, no dia seguinte começam a aparecer as mazelas em noticiários locais, estaduais ou regionais. Se alguém resolve bancar a briga vira o próprio demônio, como no caso do governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra.

É possível transformar, um prefeito por exemplo, a inauguração de um ponte de 20 metros num feito notável, mesmo que sob ela não passe sequer um fio d’água, com direito a banda de música, etc, nos noticiários locais da rede.

Foram os corretores publicitários da rede que conseguiram acionar mecanismos capazes de contornar a proibição constitucional segundo a qual governos só podem fazer anúncios institucionais. Nada daquele negócio de o prefeito é o melhor, governador igual não existe e presidente então nem se fala. Hoje, as empreiteiras e fornecedores do poder público pagam essas inserções, como se agradecendo ao governante pela obra realizada, ou pelo que foi comprado.

No caso de FHC ele nem liga, pois lei para ele não existe. Só sua vontade. A infringência constitucional é diária.

A “Globo” atrasa horário de jogos de futebol para que as novelas possam terminar. Faz tabelas de campeonatos segundo seus interesses de audiência. Compra cartolas, empresta dinheiro a clubes para que não corram para outras redes. O diabo. É uma das principais responsáveis pelo estado putrefato do futebol brasileiro.

Voltando ao “Jornal Nacional”, além do noticiário “pago” de novos remédios, aparelhos, milagres e coisa e tal, é o horário mais caro dentro do chamado “horário nobre”, a “Globo” produz fatos interessantíssimos.

Se um credor ou amigo do peito de Roberto Marinho for dar com os costados na cadeia, digamos, por corrupção, etc, a turma global faz o que pode para protegê-lo, evitar expô-lo em situação constrangedora, pelo menos enquanto representar ou tiver algum poder, existir ameaça de retaliação. Depois... Se estiver por baixo, sem qualquer escrúpulo é execrado e isso é mostrado como exemplo de jornalismo imparcial. Isento.

O jornalista Armando Nogueira, que foi diretor de telejornalismo da rede por muitos anos, viu-se envolvido em dois episódios lamentáveis, sendo ele um homem sério, direito. O primeiro deles foi quando os noticiários, em 1982, davam vitória a Moreira Franco, na eleição para o governo do Estado do Rio e todo mundo sabia que Brizola havia ganho. Estava em curso uma fraude, sumia com os votos brancos, transferia-os para Moreira Franco, candidato da ditadura e hoje no PMDB (pior das quadrilhas que forma o governo, pelo baixo nível, não a mais perigosa, mas a pior). Pegos com as calças curtas e isso, curiosamente, à época, por conta de um levantamento do atual prefeito do Rio, César Maia, um gênio matemático, tiveram que engolir Brizola, engrupir os votos brancos e mostrar os resultados reais, mas nunca perdoaram o ex governador, até porque foi e é o único a denunciar a rede como foco de corrupção, entreguismo, da ditadura, essas coisas.

O segundo fato, Armando Nogueira não agüentou, pediu demissão. Foi quando os caras viram que Lula havia ultrapassado Collor, em 1989, o fato, um ano depois foi trazido a público pelo “Estado de São Paulo, e deram um resultado diferente para o público, como se Collor estive com maiores índices de intenções de votos, enquanto editavam, na madrugada, um debate entre os dois candidatos, era o segundo turno, colocando os maus momentos de Lula e os bons momentos de Collor, sem falar no episódio da filha de Lula, que apareceu em cima da hora. E o jornalista Armando Nogueira não é nenhum homem de esquerda, apenas um sujeito decente, só isso.

O poder de Roberto Marinho levou Luís Fernando Veríssimo, um dos maiores cronistas do País e, hoje, no “O Globo”, a escrever uma pequena história, onde alguns banqueiros, grandes empresários, num restaurante, no Rio, logo que começou a ser implantada no Brasil a telefonia celular, começavam, um a um, receber chamadas no dito aparelho. O primeiro falou com o governador geral do Brasil; o segundo com o presidente, à época era Bush pai; o terceiro, sempre superando os outros, falou com Deus e quando supunha-se que o quarto ia sobrar, seu telefone chama, um suspense e ele: “era o Roberto Marinho”. Ganhou a admiração e o respeito dos demais.

A única vez, que eu me lembre, que o “Jornal Nacional” foi obrigado a ler um desmentido, texto do próprio prejudicado, foi na voz de Cid Moreira, considerado locutor padrão do telejornalismo brasileiro e, direito de resposta do ex governador Leonel Brizola. Fora isso sempre prevaleceram os interesses da rede, até porque, ainda hoje, tem total domínio sobre o Poder Judiciário, nas instâncias superiores. Como não pode enfrentar juízes de primeiras instâncias, parte para aqueles vinculados ao poder político.

Foi por isso que partiu para cima de juízes na edição do jornal do grupo, domingo próximo passado. Se os ditos estivessem “roubando” a favor não teriam problemas.

Ano passado todos os veículos de comunicação do grupo passaram a denunciar irregularidades na organização voltada para a caridade (mina de ouro no Brasil), a Legião da Boa Vontade, dirigida por Paiva Neto, um dos pilantras de proa do esquema instituição de caridade.

Anos atrás o grupo havia comprado a Rádio Mundial, pertencente àquela organização e as relações entre o grupo Marinho e Paiva Neto eram as melhores, as mais cordiais, portas abertas para o caridoso presidente da LBV. Bastou um desentendimento sobre negócios, segundo muitos, lavagem de dinheiro, para que o dito virasse bandido e fosse crucificado. O grupo sempre soube que o dito era bandido. Mas, como escrevi acima, “roubava a favor”.

São fatos assim que marcam as empresas do grupo Marinho. As de comunicação de massa. São leves histórias contadas aqui. Existem as impublicáveis, como contratar garotas de programa para atender políticos, empresários, etc, etc. Prática comum. E fácil, pois resta sempre, nas moças, o sonho de um eventual estrelato. Ser convidada para uma novela, namorar um diretor, coisas corriqueiras no mundo global.

FHC mandou dar 280 milhões para o grupo. Quer evitar a falência em cascata, provocada pelos desarranjos na “Globo Cabo”. Quer o apoio para Serra. É o momento mais delicado dos Marinhos. Não podem fazer com FHC o que fizeram com Sarney, com Collor e outros mais. Estão vulneráveis. Têm que negociar e pisar com cuidado. É o típico arranjo de cachorros grandes. O primeiro que piscar é engolido. Aliados só no momento atual. Não seria nenhum exagero afirmar que o fim do império global está próximo. Está na fase ladeira abaixo.

Para não dizer que a televisão brasileira, como de resto quase toda a televisão mundial, é só isso, houve um tempo que tínhamos um dos melhores telejornais do mundo, com vários prêmios internacionais, inclusive de melhor.

Era o “Jornal de Vanguarda”, da extinta tevê Excelsior e que, entre outros, contava com Luís Jatobá, um locutor/cardiologista, notável; com Nélson Rodrigues falando sobre “a vida como ela é”; Newton Carlos despejando seu notável conhecimento sobre política externa e outros, outros, sem falar em Sérgio Porto, Stanislaw Ponte Preta, que, ao término de cada edição, sabendo que depois vinha um filme, dava seu veredito sobre a película: “o filme é bom, não deixe de assistir”. Ou: “olha companheiro, o filme é horrível, é preferível encarar a patroa”. Isso num tempo em que essa frase não tinha conotação machista. O jornal acabava por volta das 11 da noite.

O tal “padrão global de qualidade”, é só lavagem cerebral. A “Globo” esculhambou qualquer chance de vida inteligente na tevê brasileira. E até então existia, por inacreditável que possa parecer.

A um ponto tal que o mesmo Sérgio Porto tem a receita: “o melhor da televisão é o botão de desligar”. No caso da totalidade das redes nacionais é uma verdade absoluta. No caso da “Globo”, mais que isso, uma necessidade de preservar a família, como talvez dissesse Sérgio Porto, sem qualquer conotação reacionária.

Os caras não têm mãe, podem ter certeza disso.



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