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La insignia
9 de março de 2002


O material e o simbólico


Luís Carlos Lopes


O modo como vemos o mundo parte da combinação entre o material e o simbólico e das várias interpretações decorrentes. E difícil dizer que o primeiro suplanta o segundo em todos os casos, ou que o segundo é mais forte do que o primeiro sempre. Pensar diferente disso, lembra Epicuro que acreditava que o homem era o que comia ou os filósofos que acreditavam que haveria algo além do físico - as idéias - comandando nossas vidas.

As proposições fundadas no materialismo grego clássico e as desenvolvidas a partir de Aristóteles, Platão e outros - que pensavam na prevalência do imaterial na constituição do humano - continuam sendo essenciais nas formações, permanências e rupturas das tradições de todas as ordens. Igualmente, explicam os inúmeros sensos comuns contemporâneos e mesmo parte das formulações 'científicas'. O problema, posto na velha Grécia, consistiu, durante séculos e ainda hoje, em motivo de aceso debate entre intelectuais e mesmo entre pessoas comuns. Portanto, estas questões fazem parte de nossa cultura como um substrato capaz de orientar nosso olhar para o que nos cerca.

O desenvolvimento científico, industrial e urbano das últimas duas centúrias fez com que, pouco a pouco e em termos práticos, o materialismo vencesse e se impusesse como essência da vida. As pessoas vivem para consumir produtos materiais, buscam no dinheiro a possibilidade de tê-los e de viver com o maior 'conforto' material possível. O materialismo pragmático não é mais uma filosofia contra-corrente da vida social e espiritual. Ao contrário, independentemente da religião, opção política, sexo, condição social e cultural, a grande maioria das pessoas que habitam a urbes contemporânea o vivem de fato, mesmo que o neguem e o demonizem.

Há exceções, quase sempre fora das cidades, vinculadas, por exemplo, às comunidades agrárias mais tradicionais que produzem mais para subsistência do que para o mercado. Se este se instala, se o dinheiro é o principal meio de troca, não há ideologia política ou religiosa que resista ao apelo do consumo e à materialidade da carne e dos objetos. Vive-se para comprar ou vender mercadorias, o corpo e, sobretudo, o trabalho.

As novas espiritualidades estão condicionadas a estes fatos. Por isto, vemos um intenso movimento de mutações aceleradas no latifúndio das crenças e dos desejos, em um processo de ajustes aos tempos da materialidade consumista de nossa era. O desenvolvimento deste processo foi e é desigual no tempo e no espaço histórico-social. Mas há um fio condutor que permitiu que o simbólico e o material não mais se antagonizassem irremediavelmente. O diálogo entre ambos foi construído como nova possibilidade de organização da ambiência sócio-cultural.

Neste quadro contemporâneo, o simbólico pode ganhar alguma autonomia do material, sem maiores problemas. Pode afastar-se, voando em direção do etéreo e das impossibilidades sonhadas e desejadas no mundo presente. Vemos isto no cinema, na TV, na Internet e em outras mídias. Não é difícil constatar o mesmo na política oficial e nas conversas que temos dentro e fora de nossos grupos sócio-culturais. Entretanto, este vôo que reflete quão ingênua é a idéia da lógica do espelho entre o subjetivo e o objetivo; revela também que a subjetividade por mais que se afaste da terra acaba voltando a ela de algum modo, para confirmar ou negar em vários níveis sua relação com a materialidade.

O materialismo pragmático de nosso tempo nada tem a ver com uma possível racionalidade e nem com o esclarecimento alcançado como fruto do conhecimento. Convive sem problemas com a irracionalidade, a alienação e a ignorância. Ele enquadra a maioria das pessoas como fundamento da vida construído socialmente. Acredita-se, por exemplo, que com dinheiro resolve-se tudo, ou quase tudo. Gera-se uma combinação entre o material e o simbólico, ajustando-se crenças diversas a formas de vida similares.

A lógica interna deste novo tipo de materialismo produziu um novo poder simbólico, impensável na Grécia antiga ou mesmo no Brasil de quarenta anos atrás. Este poder é na verdade um superpoder, algo desconhecido no passado e de muito difícil combate. Ao misturar o material ao simbólico, é muito fácil perder a noção do tempo e do espaço. Criam-se grandes contingentes humanos que vivem na materialidade da terra, mas flutuam com suas consciências em um mundo sublunar. Para resolver o problema, não basta o pão, apesar de que sem ele pouco é possível fazer. Nunca foi tão importante o conhecimento, sobretudo o mais qualificado, que leve ao desenvolvimento da capacidade crítica. Este é um possível caminho para o esclarecimento dos homens e das mulheres e para a possibilidade de fundir o material ao simbólico.



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