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La insignia
22 de janeiro de 2002


A naturalização e a razão


Luís Carlos Lopes


Talvez um dos mais perversos efeitos da vivência nas sociedades midiáticas contemporâneas consista na naturalização, isto é, na crença difundida pelos meios de comunicação de massa de que os fenômenos humanos ocorrem ou ocorreram por seguirem as leis naturais. Vistos deste modo, eles não podem ser alterados ou destruídos e devemos aceitá-los como a chuva, o vento e as marés. No máximo, nos protegemos dos efeitos, abrimos os nossos metafóricos guarda-chuvas, edificações, diques e quebra-mares. Há duas vantagens práticas em pensar deste modo. Na primeira, não precisamos aprofundar conhecimentos, basta a superfície, por exemplo, a notícia da grande imprensa e aceitação a priori de tudo que nos inculcam. Na segunda, ganhamos a completa redenção. Não temos nada a ver com que se passa em torno, não precisamos construir nossas próprias explicações e nem nos envolver emocionalmente ou intelectualmente. Aceitar e pronto, estamos apetrechados para vida. O resto que se dane...

Obviamente, não podemos mudar a maioria das coisas, mas podemos pensar em mudá-las e até tentar, por vezes, conseguindo, mesmo que sejam pequenas vitórias. De outro ponto de vista, podemos desenvolver com a boa filosofia um rosário de dúvidas e inquirições. Temos, como seres humanos, o direito de optar pela interpretação do que nos cerca, pela preservação de nossas individualidades e inteligências. Mesmo que a pressão contrária para que cedamos seja muito grande. Aliás, a natureza nos possibilitou tanto o ato de aceitar como o de divergir. Se imaginarmos nossa história, como se tivesse sido absolutamente natural, estaríamos em outro estágio tecnológico e social. Somos herdeiros dos fortes poderes da dúvida, criatividade e originalidade. É verdade que também somos portadores de uma herança de mediocridades, passividades e acomodações. Há, algumas vezes, margens de manobra e podemos fazer escolhas. Em outras, somos empurrados pelos fatos ou por nossa ignorância e realmente nada poderíamos ter feito. Mas é preciso que saibamos que assim se processa a vida e que sempre nos perguntemos incessantemente o que de fato ocorreu conosco e com os que nos rodeiam.

A naturalização é uma característica recorrente dos atos comunicacionais entre os homens e as mulheres ou mediados pelas máquinas e os primeiros. É preciso que se produza ou receba mensagens dizendo que determinado fato ou processo dá-se sem qualquer interveniência de forças artificiais. É preciso que o contexto social as valide e que estas mensagens instrumentalizem a criação de crenças compartilhadas por comunidades inteiras ou por grupos sócioculturais específicos. A naturalização é necessariamente social. Precisa da aprovação e da entrada nos liames de comunicação dos que pertençam a uma mesma rede intersubjetiva.

O positivismo do século XIX naturalizou o mundo da vida humana por meio de alguns expedientes bem conhecidos: racismo científico, determinismo geográfico, darwinismo social, história acontecimental, dentre outros. O entorno da vida de cada um que bebeu nestas fontes ganhou sentido natural. Desenvolveu-se forte crença de que o mundo estava determinado teleologicamente. Havia um fim em tudo. Nada se podia fazer, a não ser aceitar a ordem previsível das coisas. As sociedades humanas foram alocadas e imaginadas como uma abóbada celeste, com movimentos conhecidos e controlados por forças naturais: a raça, o meio, a ordem social e os fatos.

As promessas de racionalidade e desenvolvimento social do século XX terminaram por gerar: a razão cínica dos que sabem que poderia ser diferente, mas nada fazem para que tal ocorra; o desenvolvimento social, econômico e cultural com níveis de desigualdade comparáveis ao experimentados no passado. Faz parte deste mesmo contexto, a força da indústria cultural, operada pelo grandes meios de comunicação de massa, que além serem grandes negócios, também servem como poderosos instrumentos de naturalização, mantendo tudo em seu lugar.

A nova naturalização copiou os ícones da antiga, remodelou-os e atualizou-os. Mudou a aparência, mas conservou-se a essência. O que importa é manter o controle. Elogiar a mediocridade, satanizar a genialidade, manter a inteligência com amarras, controlando, por vezes de modo sutil, a criatividade e a originalidade. Tratar a todos como se fossem iguais, fazer de conta, por meio dos discursos políticos e sociais, que tudo é feito para e pelo bem público e que só existe um modo de vencer a barbárie e construir a civilização. Este consistiria na submissão, no banimento da dúvida e do espírito criativo.

Se a antiga naturalização foi vencida, nada indica que a atual não pode ser desmoralizada e que se encontrem novos caminhos mais esclarecidos para a felicidade dos homens e das mulheres.



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