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La insignia
8 de dezembro de 2002


Entrevista com Nádia Rebouças

Os valores da mídia


Marcelo Medeiros
Rits. Brasil, dezembro de 2002.


No dia 7 de dezembro aconteceu no Rio de Janeiro o II Diálogo Imagens e Vozes de Esperança (IVE), que reúne um grupo de profissionais empenhados em analisar os valores que a grande mídia passa para o público. Durante o encontro serão apresentados os resultados do estudo exploratório conduzido por alguns integrantes, com a intenção de avaliar as expectativas da população em relação aos meios de comunicação e o que as pessoas fariam no lugar de diretores. A pesquisa entrevistou 91 pessoas no Rio e revelou uma imagem negativa da mídia. A maior parte dos entrevistados relaciona a função de divulgar e informar com manipulação. Os programas também foram condenados, com depoimentos que citam sua baixa qualidade e valores errados.

A interpretação dos dados ficou a cargo de Nádia Rebouças, publicitária, conselheira do Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar), professora da Fundação Getúlio Vargas e integrante do IVE e de André Trigueiro, jornalista e também membro do IVE (veja link ao lado).

Nesta entrevista, Nádia afirma que falta às faculdades de comunicação ênfase na formação humanística. Para ela, os profissionais não estão cientes da responsabilidade social dos meios de comunicação e só a mobilização da sociedade resolverá esse problema. "Recebemos informação sobre tudo e a mídia tem que repensar seu papel assim como a sociedade deve se repensar. Assim como nos conscientizamos em melhorar nossa alimentação, escolhendo melhor nossa comida, devemos selecionar o alimento da alma, do coração -que são os valores, muitos deles vindos da mídia", diz.

Rets - A pesquisa fez algumas perguntas, entre elas "o que é mídia para você?". As respostas mais frequentes foram "informar, divulgar" e "manipular, formar opinião". Qual a sua percepção sobre o papel da mídia hoje?

Nádia Rebouças - Acho que é impossível imaginar que a mídia não influencie a sociedade. A força da comunicação é incalculável - é uma arma que pode ser usada para o bem e para o mal. Um dos problemas atuais é o jornalismo ter virado "show". Alguns temas rendem mais que outros, mas nem sempre a notícia sai com toda a história. O caso Richthofen, por exemplo, virou uma novela, a cada dia há um novo capítulo e novas discussões surgindo. É como se a mídia tivesse o poder de pautar a sociedade e não o contrário. Mas dado o poder da mídia, parece ser impossível deixar de ser assim. O desafio é saber qual a responsabilidade social deles, uma vez que têm tanto poder. A conseqüência é perguntar como estão sendo formados os futuros jornalistas, se eles têm idéia da sua importância - não pelo lado do ego, mas pelo da responsabilidade.

Rets - Como os profissionais de comunicação estão chegando ao mercado? A cota de cidadania da sociedade tem aumentado desde a queda do [ex-presidente Fernando] Collor. As crianças já têm mais opinião. Não digo se ela está certa ou errada, mas sim que há mais interesse em diversos assuntos. A academia está mais ativa. Estou cansada de julgar casos no Conar nascidos de denúncias individuais -antes eram coletivas ou vindas de empresas. Enfim, a crítica está mais acentuada e as pessoas mobilizadas. O movimento é similar ao do consumo consciente, cada vez mais crítico ao que recebe. A grande pergunta do nosso grupo é qual sociedade queremos construir? Se sabemos que a propaganda, a mídia, enfim, a comunicação em geral criam padrões, não seria hora de pensar melhor no que fazemos? Veja a quantidade de casos de adolescentes grávidas. Qual é a responsabilidade da mídia nesse fenômeno? É necessário questionar a veiculação de danças, da promoção de roupas apertadas etc.

A sociedade vem perdendo a ingenuidade de achar que pode assistir a tudo isso e nada ser alterado. Temos que ver a comunicação sob esse ponto-de-vista. As decisões são muito mais sérias do que as consideradas pelos responsáveis pela comunicação. Não basta criticar ou denunciar, deve haver pensamentos mais claros sobre o papel do comunicador hoje. Outro exemplo é o [traficante] Fernandinho Beira-mar. Com tanta exposição, corremos o risco de transformá-lo em herói, mas não tenho certeza de que quem está editando os jornais está ciente disso.

O grupo pretende pensar sobre esses assuntos. A pesquisa acabou sendo feita com pessoas com algum tipo de interesse pelo assunto. O ideal seria fazer algo maior, mas não temos dinheiro. Porém percebo que até as pessoas de renda mais baixa já estão cansadas do modelo de comunicação atual. Cada mídia tem uma responsabilidade diferente, mas a televisão possui a maior carga atualmente.

Rets - Como fica a credibilidade da mídia em meio a tantas críticas?

Nádia Rebouças - A credibilidade está visivelmente em queda. Não creio que as pessoas achem a que a informação esteja errada. O problema é o show, o exagero, o dramalhão das notícias. Os jornalistas deveriam se perguntar "estou fazendo aos outros o que faria a mim?". E não são só eles, os publicitários também. Há algum tempo atrás, num comercial de tênis, a Xuxa induzia as crianças a destruírem seus calçados para ganhar um novo. Num país com 52 milhões de miseráveis, isso é um acinte. Essa propaganda foi retirada do ar por uma liminar, depois de ficar uma semana na televisão. Ou seja, atingiu toda a população e duvido que algum pai tenha ficado contente com a mensagem. Por outro lado, uma loja de roupas veiculou uma propaganda onde uma mulher cortava as roupas do marido para forçá-lo a comprar novas na loja e nada foi feito contra. Por que isso acontece? Não sei, mas os dois casos revelam que pelo menos somos mais cuidadosos com as crianças.

Uso o caso do tênis para ilustrar minhas aulas, na minha luta pela responsabilidade social. Os alunos ficam assustados e isso é reflexo de uma sociedade mais madura. Ninguém vai deixar de fazer propaganda por causa de críticas acadêmicas, mas quando a sociedade começar a reclamar, aí as coisas serão diferentes. A pesquisa aponta melhoras: há mais preocupação com as mensagens, a visão social está mais ativa.

No fundo, a lógica é a mesma do alimento. Assim como nos conscientizamos em melhorar nossa alimentação, escolhendo melhor nossa comida, devemos selecionar o alimento da alma, do coração -que são os valores, muitos deles vindos da mídia. Já estão surgindo ofertas diferentes, mais preocupadas com o ser do que com o ter.

Rets - Falando nesse estímulo ao consumo, como estão os valores educacionais dos meios de comunicação? Eles estão cumprindo sua obrigação constitucional de educar e valorizar a cultura nacional e regional?

Nádia Rebouças - Essa é uma 'reposta para a qual não existe sim ou não. Há coisas boas e ruins, mas no dia-a-dia a programação tem piorado. Há muita erotização e valorização do consumo, até mesmo de pessoas. O problema não é tanto o que se veicula, mas como isso é recebido - o Brasil possui muitas diferenças geográficas e culturais. O primeiro passo é perceber a importância dessa diversidade. Em seguida, trabalhar o estudante e o profissional. A formação humanística deixa muito a desejar. É preciso entender o papel da comunicação no país e o próprio país para se comunicar bem. A esperança está no fato de haver muito talento represado para trazer algo novo, mas ainda falta espaço.

Rets - Como fazer para se conseguir abrir esse espaço?

Nádia Rebouças: Com trabalho nas faculdades. Os professores são importantes nesse processo. Sonho em fazer um "Congresso do Quarto Poder". No próximo ano (em março, na Grécia) haverá a Terceira Cúpula Mundial Sobre Mídia para Crianças e Adolescentes e importantes noções serão discutidas. A sociedade está sofrendo uma crise ética. Estamos construindo novos valores e a mídia é muito presente nesse processo. Veja a questão ambiental, por exemplo. Freqüentemente há matérias sobre desastres ambientais e formas de conservação da natureza.

Mas isso não é algo que os meios de comunicação façam sozinhos, é uma troca entre eles e a sociedade. Por outro lado, se a mídia não promover novas atitudes não adianta nada todo esse esforço.

Rets - Os valores da mídia não seriam reflexo da sociedade?

Nádia Rebouças - É um reflexo reforçado. Geralmente acusam os publicitários de estarem produzindo esses valores. Respondemos com "se não for isso não vende. As pessoas querem comprar fantasia". Porém, se analisarmos, já há gente vendendo produtos com pessoas fora do padrão de beleza. Isso vale para todos os setores, é preciso reagir à acomodação, tentar se colocar no lugar dos outros. Temos que mudar o modelo para usar a potencialidade produtiva da população. Recebemos informação sobre tudo e a mídia tem que repensar seu papel assim como a sociedade deve se repensar. As notícias de tragédia são incalculáveis, mas em alguns lugares a quantidade de fatos positivos é tão grande que me pergunto onde estou. Então por que não dar este contraponto? Estamos lidando com o sentimento e quem edita não leva em conta a emoção. Falta compaixão. O jornalista é criado para dar destaque, conseguir furos a qualquer custo, mas o valor da ética é desconsiderado em boa parte dos casos.

Rets - Você falou bastante da necessidade de preparar melhor os futuros profissionais. Mas o que fazer com os de hoje?

Nádia Rebouças - Eles devem procurar debates, congressos, seminários etc. É preciso ter canais de comunicação dirigidos por pessoas de mentalidade nova e ter uma mídia menos hegemônica, com mais empregos. Seria interessante também ter políticas públicas para garantir uma programação de qualidade. Além disso, levar as discussões para a sociedade e criar uma massa crítica que não responda que mídia é só informação. Esse é o nosso trabalho no IVE - a idéia é criar novos canais. Sabemos que a mudança é demorada, mas as pessoas devem percebê-la.

Rets - Em alguns momentos você comparou a comunicação à alimentação. Seria interessante fazer um "fome zero" da mídia?

Nádia Rebouças - É interessante sim e algum dia será feito. Mas alguns programas só sairão do ar quando a sociedade mudar - e ela está em modificação. Na década de 80, o programa Malu Mulher, trouxe a imagem da nova mulher, que a sociedade deveria aceitar. As novelas já mostraram negros casando com brancos, namoro de homossexuais e mais recentemente o problema de viciados em drogas. São assuntos tabus, mas que cada inserção faz a sociedade pensar. A parcela da mídia que tem consciência de seu poder de influência precisa identificar oportunidades de educar na novela. Falta ainda percepção de que nenhuma notícia é a verdade, mas parte de uma história - são casos especiais e não paradigmas.

Rets - Quais serão as próximas ações do IVE?

Nádia Rebouças - Iremos nos reunir para realizar alguns projetos. Somos um grupo transdisciplinar e iremos começar as conversas para a Cúpula das Crianças. O importante é nos reunirmos e conseguirmos espaço na imprensa e valorizar as boas idéias. O ser humano é complexo demais para poder julgar a partir de notícias, ainda por cima quando estão espetacularizadas.



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