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La insignia
23 de abril de 2002


Brasil

Lula tem várias lições a aprender
com a crise da Venezuela


Emir Sader
Agência Carta Maior. Brasil, 22 de abril.


Apesar do discurso radical, Hugo Chávez foi moderado demais em sua tentativa de transformar a sociedade do país. Não soube dar ao povo papel protagonista na "revolução", nem desarticular o monopólio privado das corporações industriais, financeiras e midiáticas.

Nenhum país repete a história dos outros. Mas me lembro de quando chegamos ao Chile, refugiados do golpe brasileiro, e ouvimos lá o que havíamos ouvido aqui: golpe é no país dos outros. O país de mais longa tradição democrática no continente, que tinha eleito seus presidentes quase de forma ininterrupta durante cento e cinqüenta anos, em eleições em que perdedores se submetiam aos ganhadores, seria infenso à barbárie militar. No Brasil também tínhamos ouvido a história, embora com enredos diferentes: violência era coisa da Bolívia, golpe militar da Argentina. Os nomes eram diferentes: Pinochet, Videla, Castelo Branco, mas o processo era historicamente similar e a tragédia, embora em proporções diferentes de vítimas, a mesma.

Depois houve quem pensasse que o neoliberalismo de Thatcher, Reagan e FMI fosse o adversário central da social-democracia e do Estado de bem-estar social, com o qual buscou historicamente se identificar. Poucos anos depois vimos a social-democracia adotar as teses centrais do neoliberalismo. Os nomes tinham sotaques distintos - Felipe Gonzalez, Fernando Henrique Cardoso, Carlos Andrés Perez -, mas sua política econômica não se diferenciava na sua substância das implementadas por Pinochet e por Fujimori. Havia algo como um processo histórico, de que esses personagens, anulando suas particularidades, desempenhavam o roteiro, quase mecanicamente. Agora, quando a trama que montaram se esgotou, que horizontes existem para o pós-neoliberalismo?

A vitória de Hugo Chávez na Venezuela é a primeira tentativa de construir uma alternativa superadora do neoliberalismo. Um neoliberalismo que se frustrou na Venezuela. Quem anunciou um programa com esse caráter - depois de ter sido eleito pela segunda vez presidente do país, pelo partido que reivindicava até ali a social-democracia - foi Carlos Andrés Perez. Seu anúncio foi sucedido pelo que passou a ser chamado de "caracazo" - uma onda de manifestações populares de protesto, cuja repressão produziu centenas de vítimas. O programa de Perez estava ferido de morte. Os flagrantes de corrupção foram a via para decretar seu esgotamento, depois que Hugo Chávez havia dirigido um levantamento militar contra o neoliberalismo de Perez.

Seu sucessor foi Rafael Caldera, também pela segunda vez presidente, um político de origem democrata-cristã que subiu ao poder com a promessa de contornar o neoliberalismo. Caldera, porém, caiu nos braços de um ex-esquerdista, neste caso um ex-guerrilheiro, Teodoro Petkov, que achou que poderia trilhar o mesmo caminho de FHC. Fracassou, porque os tempos áureos do neoliberalismo já tinham passado.

Os dois partidos tradicionais derrotados correram para preencher esse vácuo com dois outsiders: uma ex-miss Universo, Irene Sáez, e um militar, Hugo Chávez. Este triunfou e surgiu como o primeiro governo que se propunha a desenvolver programas antineoliberais. Venceu com 70% dos votos populares, contra as elites como um todo - demonstrando, como primeira grande lição, que para romper com o neoliberalismo é necessário buscar apoio centralmente no voto popular. As elites e setores significativos da classe média têm interesses defendidos pelas políticas neoliberais ou temem políticas populares, até por preconceito.

Chávez governou mais em base à alta do preço do petróleo e do seu desempenho pessoal, sustentado também na simpatia popular que despertou e que foi se consolidando com programas sociais. Porém, não alterou em nada as estruturas de poder na sociedade. Continuavam a reinar o monopólio privado nos meios de comunicação, nas grandes corporações industriais, comerciais e financeiras, assim como continuou a empresa estatal de petróleo - chave para um país que vive do petróleo - sob o controle da burocracia sindical da Ação Democrática. O golpe militar foi produto da combinação entre uma greve na empresa petrolífera, a mobilização das classes médias e a direção política e ideológica da grande mídia privada. Sem mudar profundamente essas relações de poder, não haverá políticas para a grande maioria dos pobres da sociedade, bloqueadas por esses mecanismos viciados de poder privado.

Pode-se tirar a conclusão que um governo pós-neoliberal deve ser ainda mais moderado do que Chávez. Seria um grande erro. Ele foi radical no estilo de discurso, pelo qual se conquistou desnecessariamente muito inimigos ao mesmo tempo. Mas foi moderado demais na transformação das estruturas de poder na sociedade e na transformação da consciência das pessoas.

A terceira conclusão, a mais importante, da experiência venezuelana para o Brasil - e para Lula em particular - é que sem organização popular, que os transforme em sujeitos ativos de ação, um governo antineoliberal vai ficar vulnerável à contra-ofensiva das elites. Que estas camadas são o seu grande apoio. Foram elas que fizeram uma semi-insurreição naquele sábado 13 de abril em Caracas, invadiram o Palácio, desalojaram os golpistas e reconduziram à Presidência um Chávez aparentemente conformado com a perda do governo.



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