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La insignia
20 de abril de 2002


Brasil: Entrevista com Demétrio Valentini, bispo de Jales

O Plebiscito da Alca


Adital. Brasil, 19 de abril.


Sorridente e bom contador de histórias, Dom Demétrio Valentini, bispo de Jales, é um dos membros mais atuantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Gaúcho de São Valentim, 62 anos, ele foi responsável pelas Pastorais Sociais da entidade e iniciador das Semanas Sociais Brasileiras, que tiveram como desdobramento eventos marcantes como o Grito dos Excluídos e o Plebiscito da Dívida Externa.

A CNBB está completando 50 anos de existência. Durante toda esta semana, a entidade realiza em Itaici, próximo a Campinas, sua 40a. Assembléia Geral, com representantes das 270 dioceses de todo o Brasil, na qual a pauta política tem um destaque especial. Há alguns dias, Dom Demétrio, um dos incentivadores do Plebiscito da Alca, que se realizará na próxima Semana da Pátria, concedeu a seguinte entrevista ao Expresso Zica:


Expresso Zica - Os jornais têm noticiado que o Vaticano estaria enviando um representante para discutir com a CNBB seu afastamento de "temas políticos". É possível separar temas políticos de religiosos?

Dom Demétrio - Desconheço a notícia. Pode ser que se refira à presença já anunciada do Cardeal Giovanni Batista Ré, nomeado recentemente "Prefeito da Congregação dos Bispos", um dos cargos mais importantes no Vaticano, e um dos prováveis sucessores de João Paulo II. Ele estará na Assembléia Geral da CNBB. Não acredito que sua presença tenha esta finalidade. A versão soa como um desejo de quem gostaria ver a CNBB afastada de temas políticos. Alguns até poderiam pensar que o motivo seria a instrumentalização que o governo está fazendo da Pastoral da Criança para propaganda eleitoral. A respeito da questão de fundo, do relacionamento entre temas políticos e religiosos, afirmei em Poços de Caldas: "Depende da compreensão que temos da fé e de como encaramos a política, percebemos que a fé a política podem incidir sobre a mesma realidade e validar objetivos comuns, que assim recebem um reforço de motivação por parte de quem os abraça, no respeito da autonomia que é própria tanto do campo religioso como do campo político. A fé pode, e deve, iluminar a política, e a política pode, e deveria, ser para todos um campo concreto de adequada aplicação de convicções religiosas."

Expresso Zica - Como o sr. vê a campanha do Plebiscito sobre a Alca? Há alguma semelhança com o Plebiscito da Dívida Externa, realizado há dois anos?

Dom Demétrio - O Plebiscito sobre a Dívida tinha uma motivação especial, dada pelo Jubileu, e que conferia ao tema um simbolismo bíblico que acabou motivando muita gente a participar do evento. Embora a questão da Alca tenha incidências até mais profundas do que a questão da Dívida, vejo que existe o desafio de esclarecer o povo e motivar a participação neste Plebiscito. Além disso, ainda é uma incógnita saber como o tema da Alca vai ser jogado na campanha eleitoral e, em conseqüência, que repercussão vai ter este debate no Plebiscito. Temo que as condições para a mobilização desta vez serão mais adversas. Mas espero que consigamos mostrar que é um Plebiscito com grande valor pedagógico, sobretudo porque educa para o debate de questões que precisam do respaldo popular para serem bem conduzidas politicamente.

Expresso Zica - O processo eleitoral deste ano tende a ser ainda mais desigual do que o de anos passados. Em que medida isso afeta a democracia que estamos construindo?

Dom Demétrio - A democracia nunca pode se considerada como uma conquista já estabelecida. Ela enfrenta agora, especialmente, o desafio do poderio econômico nas campanhas eleitorais, e a capacidade de distorção e de alienação dos grandes meios de comunicação. Por isto, precisamos encontrar maneiras de neutralizar a ditadura do poderio econômico e dos grandes conglomerados de comunicação, para que as eleições não se transformem em instrumento de mascarar de democracia conchavos feitos com antecedência para a pilhagem do poder.

Expresso Zica - Setores da igreja católica manifestaram desconforto com a aproximação do PT com o PL. O que o sr. pensa a respeito?

Dom Demétrio - Alianças fazem parte do jogo democrático. Mas não podem significar a abdicação de convicções, nem o abandono da coragem de propor com transparência a plataforma de transformações que precisam ser feitas. Estou intuindo que o mal estar causado pela perspectiva de uma aliança entre o PT e o PL reside no fato de parecer que com isto o PT sinaliza uma relativização de suas propostas, e que está disposto a negociar suas metas de governo em troca de votos da direita. Com isto, corre o risco de perder mais votos do que ganha, além de descaracterizar sua postura que até hoje serviu de baliza para conquistar a confiança dos eleitores que apostaram em seu programa. No caso de aliança, o PT deveria sinalizar com muita clareza está pedindo do PL a adesão a todos os itens fundamentais do seu plano de governo.

Expresso Zica - Em nenhum país do mundo -salvo a Itália e as Filipinas- a Igreja Católica tem a influência que apresenta no Brasil. No entanto, aqui há um diferencial: a parcela progressista tem um peso considerável, o que leva a mídia conservadora a apontar o caráter partidário de muitos de seus membros. A Igreja apóia algum partido político?

Dom Demétrio - A Igreja Católica sempre fez questão de não se identificar, como instituição, com nenhum partido político. Sobretudo, ela nunca pretendeu fazer de algum partido o instrumento de defesa de interesses corporativos. Nisto ela se distingue de algumas outras denominações religiosas, que não têm nenhum constrangimento de indicar candidatos ou escolher partidos para defesa de seus interesses corporativos. E na prática, penso que há católicos em todos os partidos existentes no Brasil. Mas o engraçado é que só são estigmatizados de "fazer política", os católicos que optam por partidos que propugnam por mudanças profundas na sociedade injusta em que vivemos! Quem vota pela sua continuidade não é considerado como "fazendo política"!

Expresso Zica - O sr. é um otimista ou um pessimista com o Brasil dos próximos anos?

Dom Demétrio - Nestes tempos de crise evidente da Argentina, fico pensando nas excepcionais potencialidades do Brasil, que permitem que ele absorva uma situação muito mais contrastante do que a Argentina, sem os traumas violentos que o nosso vizinho está agora sofrendo. Mas temo pela exacerbação das desigualdades, que já começam a passar dos limites da enorme capacidade de assimilação do nosso povo, por seus valores humanitários de solidariedade, por sua índole de fraternidade, por sua cultura de frugalidade, e por tantos outros motivos oferecidos pela natureza e pelo clima. O Brasil tem tudo para ser a "terra sem males" que os Povos Indígenas sonhavam. Mas temo que seja reduzido novamente à condição de colônia, pelo avanço da exploração do capital transnacional, e pela política obtusa e de patas de elefante da dominação americana. Estamos precisando, com urgência, conciliar nossa disposição de fraternidade universal com um arrepio nacionalista, de defesa de nossa identidade cultural e de nossa soberania. "Soberania não se negocia", é o Grito que, na Semana da Pátria, somos chamados a proclamar neste ano.



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