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La insignia
17 de abril de 2002


Brasil

Carta a um querido amigo


Gilberto Carvalho
Linha Aberta. Brasil, 16 de abril.


Meu querido amigo,

Hoje você completa 51 anos. Não vai haver por aqui a discreta comemoração de um jantar com amigos, nem mesmo o bolo que os funcionários do primeiro andar faziam todos os anos...

Vão haver outras homenagens, que tentam, num misto de tristeza e quase desespero, trazer você de volta, evocar tua presença.

Não dá para dizer que está fácil, meu Amigo, tocar isso tudo aqui com essa ausência. Nenhum problema com o João. Pelo contrário. Aqueles que não o conheciam estão surpresos. Nós que já convivíamos com João Avamileno, estamos felizes pela confirmação dos valores que ele sempre viveu, demonstrados agora nesta nova posição: humildade, coragem, competência, discrição, sentido ético da vida e da política.

João tem sido muito sábio, Celso. Tem conseguido estabelecer a exata distinção entre a reverência a você, a seu projeto e um novo estilo de governar, próprio dele. De modo que não se confunda o respeito a você com a falta de uma cara própria de seu novo governo. Conseguiu ganhar a confiança de toda a equipe, que já retomou o trabalho com muito pique, e ao mesmo tempo demonstra sua confiança nesta equipe herdada de você, zelando pela sua manutenção.

João tem mostrado personalidade: o apego à democracia e cuidado em respeitar os valores da cidade o tem norteado com firmeza e segurança... um belo prefeito, sem nenhuma dúvida, capaz de honrar tua herança!

Mas sua falta, meu Velho, fica evidente do lado da amizade, da afetividade, apesar do teu jeito às vezes tão retraído... Eu nunca vou me esquecer do rosto das pessoas que passavam para te dar adeus naquele 21 de janeiro... de milhares de teus conterrâneos andreenses que pareciam querer retribuir com um olhar de carinho e dor tudo o que você havia feito por eles, por essa cidade que foi tua obsessão de amor...

Faz falta tua risada gostosa ante as piadas do Irineu... faz falta tuas falas consistentes e longas revelando novos projetos, como naquele memorável 8 de janeiro, quando você voltou de férias empolgado por novos projetos para Santo André, revelando o sonho de como você queria deixar a cidade quando acabasse teu governo... tenho dúvidas se esta cidade já teve um de seus filhos tão devotado a ela e com tanta capacidade de lhe trazer benefícios... Eu, provavelmente na minha sensibilidade de "estrangeiro", talvez não me desse conta de toda a dimensão deste seu amor por esta cidade e seus cidadãos, tentando às vezes ter que te lembrar, relógio à mostra, que o tempo passava e você não parava de falar de Santo André...

Que orgulho tive, Celso, de poder andar com você, assim como outros companheiros de governo, por tantos lugares... como era fácil e prazeroso "vender" este produto chamado Celso Daniel... Você chegava, meio desajeitado até para cumprimentar as pessoas... começava a falar e... pronto... um encanto ia tomando conta das pessoas... Foi assim em tantos encontros de prefeitos, em tantos encontros internacionais, foi assim no memorável discurso que você fez no Recife, ante os 1.200 delegados do partido, apresentando o programa do PT...

Lula estava tão feliz como você, meu Velho... com que orgulho ele me dizia, ainda no final de dezembro, que muitas pessoas o tinham procurado para cumprimentá-lo pela escolha certa que ele havia feito ao te convidar para coordenar o programa de governo... Cara, poucas vezes em minha vida vi o Lula tão sofrido como naqueles dias... você era, na verdade, o Novo que ele queria apresentar nesta campanha, como quem revelasse um tesouro ao Brasil inteiro...

Duro este tempo, meu Irmão, porque não nos permitiram sequer o tempo de chorar em paz tua morte. Tentaram te matar de novo, assassinando tua moral e a de teus amigos. Você sabe e sabe inclusive quem são as pessoas que tentaram se valer deste momento de fragilidade para criar acusações, dossiês requentados... imagino sua revolta ao ver o comportamento dessa gente e de uma parte importante da imprensa e de setores da polícia... felizmente a verdade vai se estabelecendo e a honra das pessoas vai sendo reconhecida... já os que levantaram falsidades terão seu julgamento à hora e ocasião certas...

Choramos todos muito neste tempo, Celso. Desde as pessoas do povo que não aceitam sua perda, seus familiares, a Ivone, os amigos... Jamais vou me esquecer da Terezinha, sua secretária, dizendo entre lágrimas : "como seria bom se aquele chato entrasse hoje por essa porta"...

Temos tentado, Mano Velho, transformar este choro em energia para seguir adiante e realizar os projetos que você tanto sonhou e seguia construindo nesta nossa cidade... Temos buscado cuidar da cidade, de sua gente, com o mesmo carinho que você sempre fez. A cidade está bonita, Celso. A luz do outono tem dado um toque especial aos parques, aos jardins... fica tranqüilo que as palmeiras do Paço foram replantadas (e sem custo adicional !)... já está começando a reurbanização na Capuava, Sacadura está ficando uma beleza...

Sendo assim, Celso, descansa agora na paz do nosso Deus, a quem você, na sua discrição, soube servir, porque soube fazer as escolhas certas, ao servir os "menores de Seus irmãos"... ao criar e desenvolver projetos tão claramente voltados para os excluídos, os preferidos de Deus! E você morreu pobre, ao contrário de tanta gente que se enriqueceu na política... como diria o Rubem Alves, você preferiu cultivar um jardim para todos, em vez de se dedicar a um jardim particular... Você certamente já ouviu, por isso tudo, o "Vinde Bendito de Meu Pai..."

Esqueça agora as tristezas, as decepções... alargue os teus sonhos, que agora não tem mais limites... o último presente que você me deixou foi o "Cântico das Criaturas", de São Francisco, que você trouxera de Assis, e que a Ivone me entregou quando fomos buscar as roupas para sua derradeira viagem. Hoje você pode, em toda a plenitude, com todos os seres, entoar este cântico, acima de toda dor, com toda lágrima enxugada...

De nossa parte, como diz o Lula, nós só queríamos poder cuidar de tuas dores, de teu sofrimento, dos ferimentos que tão cruelmente te provocaram sem razão nenhuma, para assim recompor tua face, teu rosto que foi sinal carinho e esperança para tantos... sabemos que o Senhor já fez isso por nós. Você está bem...

E, por último, uma reclamação: vi com certa suspeita esse resultado final do Rio-São Paulo em que o teu Coringão acabou na frente do meu Palmeiras... acho que você está dando uma mãozinha especial aí... desse jeito vou ter que mobilizar meu avô Ballarotti, que me fez palmeirense, prá equilibrar esse jogo... assim não vale!

Muita saudade, meu amigo. Muita!.

Gilberto.


(*) Gilberto Carvalho é chefe de gabinete da Prefeitura de Santo André. Publicado pelo Diário do Grande ABC em 16/4/2002, data do aniversário do prefeito Celso Daniel, assassinado em janeiro.



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