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La insignia
25 de agosto de 2001


Flademir Araújo:

«O jornal se transformou com o próprio MST»


Miguel Stédile
Jornal Sem Terra. Brasil, agosto de 2001.


O envolvimento do jornalista Flademir Araújo com os trabalhadores sem terra coincide com a própria retomada da luta pela terra no Rio Grande do Sul, com a ocupação das fazendas Macali e Brilhante. Em 1981, com o acampamento da Encruzilhada Natalino, assume a criação do Jornal Sem Terra, na época chamado de Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade com as famílias acampadas. Flademir concedeu a Miguel Stédile esta entrevista (na íntegra com exclusividade aqui).


O envolvimento do jornalista gaúcho Flademir Araújo com os trabalhadores sem terras coincide com a própria retomada da luta pela terra no Rio Grande do Sul, com a ocupação das fazendas Macali e Brilhante. Na época, acompanhava a situação das famílias expulsas das áreas indígenas do município de Nonoai como representante da Assembléia Legislativa. Porém, foi no acampamento de Encruzilhada Natalino, em 1981, que assumiria sua principal tarefa na organização e construção do MST: a criação do Jornal Sem Terra, na época como Boletim Informativo da Campanha de Solidariedade com as famílias acampadas.

Durante seis anos, Flademir Araújo esteve a frente da redação do jornal, inicialmente produzido de forma artesanal, acompanhando suas principais transformações até o formato e linha editorial hoje consolidada. Em Março de 1985, transferiu-se para São Paulo, onde se instalaria a Redação do Jornal e a Secretaria Nacional do MST. No ano seguinte, o Jornal receberia o Prêmio Wladimir Herzog, do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. Atualmente, é Assessor do Governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra.

JST: Tu participastes do Movimento Sem Terra desde suas origens, em fins da década de 70, com as ocupações da Macali e Brilhante. Como se deu este teu envolvimento, esta participação ? Flademir: Foi, foi desde o começo, porque eu trabalhava na Assembléia Legislativa, quando ocorreu este problema com os índios lá na reserva em Nonoai. Houve uma mobilização rápida aqui em Porto Alegre de determinadas entidades: Comissão de Direitos Humanos, a própria Assembléia, Comissão Pastoral da Terra, Câmara de Vereadores... Houve aí uma primeira reunião, a partir da eclosão do problema, então a Assembléia se tornou uma espécie de espaço de referência desde os primeiros dias, onde se faziam as reuniões e onde se desencadeou este processo de apoio e ajuda às famílias.

O desdobramento do problema em Nonoai foi o seguinte: as famílias que foram expulsas pelos índios, era a época da retomada das terras indígenas, uma parte destas famílias foram destinadas para o Mato Grosso, para as áreas de colonização. E a outra parte, as famílias que "emperraram", que não queriam ir, foram as famílias que estas entidades deram apoio, sustentaram a tentativa deles de permanecer no Rio Grande do Sul para que pudessem fazer esta reivindicação, se organizar e lutar para serem assentadas aqui.

Eu me lembro que foi feita esta reunião, e nós organizamos uma caravana para lá imediatamente, fizemos uma lotação com duas kombis, sem ter tido nenhum contato com as famílias. E eu fui pela Assembléia com estas entidades representativas para dar apoio, para ajudar os colonos a encontrarem uma solução. Nem se pensava ainda em jornal.

JST: O Jornal irá surgir somente com o acampamento da Encruzilhada Natalino...

Flademir: A idéia do Jornal é diretamente ligada à Encruzilhada Natalino. Imediatamente, com a repercurssão maior que assumiu este acampamento, mais entidades foram se associando a esta campanha de solidariedade. E aí uma das principais ações tiradas foi o Boletim.

Existiam os dois locais de apoio logístico, a Assembléia e o Movimento de Direitos Humanos. E os primeiros números eram feitos lá, o Movimento de Direitos Humanos deu um apoio muito grande desde o princípio.

Então, se tu pega o primeiro número, ele surgiu com este objetivo de divulgar a Encruzilhada Natalino e solicitar o apoio das comunidades, das entidades, de outros setores ao acampamento.

JST: E havia regularidade deste boletim?

Flademir: No começo não. Ele saia conforme a demanda, a necessidade, o acúmulo de material que nós recebíamos. A gente recebia muita manifestação de apoio, de bispos, da igreja, de parlamentares, do Brasil inteiro. Então, o sentido é o que o Boletim pudesse repercutir isto tudo, tanto para os acampados, para verem que estavam sendo apoiados, como para a própria sociedade e a imprensa. O Boletim era destinado para a imprensa também, porque também era interessante que ela acompanhasse a repercussão disto. Como nós estávamos organizados para isto, então nós acabamos sendo uma fonte de informações, de referência para a imprensa.

Logo no começo, quando o acampamento estava nesta fase de formação, o Boletim era muito dinâmico, chegava a sair três ou quatro edições por mês. Era semanal para poder dar conta do volume das coisas que chegavam.

JST: E depois deste período da Encruzilhada Natalino, quando acontece a transformação do Boletim em Jornal Sem Terra?

Flademir: Em 1981, A Encruzilhada Natalino assumiu este caráter regional e nacional . Em 82, houve um encontro de trabalhadores sem terras em Medianeira no Paraná. Aí o Boletim passa a ser não apenas da Encruzilhada Natalino, mas da regional Sul, que foi criada neste encontro.

A partir de 82, ele é melhorado, ele deixa de ser mimeografado, passa a Ter um mínimo de edição. Antes a gente reproduzia as coisas, escrevia pouca coisa. Eram reproduções de cartas, este tipo de manifestação de apoio, reprodução de artigos da própria imprensa. E a partir daí, ele passa a Ter uma diagramação, melhora visualmente, ele começa a ser um informativo de lutas, de sem terras, de problemas dos pequenos agricultores, de barragens... Ele é um boletim, duplo ofício, formatinho, mas já vai sendo melhor trabalhado, aumentam o número de páginas.

Isto vai até 1984, quando houve o I Encontro Nacional em Cascavel (PR), que aí sim fica formalizado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e neste encontro se define fazer um jornal maior, que tivesse uma repercussão maior. Muda o formato, muda a amplitude, a amplitude editorial, os objetivos, dá um salto, passa para um outro patamar completamente diferente daquilo que a gente vinha fazendo até então.

JST: Poderíamos dizer que no início ele era mais voltado para a sociedade, para o apoio às famílias e a partir deste momento, ele passa a ser mais voltado para a organização interna ? Flademir: Ele vai tendo uma transformação diretamente ligada as mudanças que o próprio Movimento vai sofrendo. Desde o começo, ele é voltado também para os problemas internos. Eu até considero isto como um dilema, esta amplitude de público desde o começo. Ao mesmo tempo era voltado para os acampados, para os próprios agricultores, para outras lideranças, para a militância, para o movimento sindical e pastorais. E ao mesmo tempo voltado para a sociedade, para os formadores de opinião, imprensa... enfim, ele sempre teve, em termos de público, uma amplitude muito grande, nós nunca definimos isto.

Na Encruzilhada Natalino, ele repercutia coisas de outros locais, mas era voltado principalmente para o Rio Grande do Sul. A partir do Encontro de Cascavel, que ele passa a ser o jornal da regional Sul, mas voltado ainda para o mesmo público. Ali ele não sofre mudança fundamentalmente de público.

Ele vai sofrer transformações de linha editorial, de formatação do jornal, mais direcionado ao público interno a partir de 1986, 87, depois da redação ir para São Paulo.

JST: Este período coincide também com a premiação do jornal com o recebimento do Prêmio Wladimir Herzog.

Flademir: O Prêmio Wladimir Herzog coincide com o fim deste primeiro ciclo do jornal em termos de linha editorial, de orientação do jornal até esse período. O Prêmio foi no final de 1986 e ele encerra este ciclo quando no início de 87 a Direção do MST começa a fazer uma mudança de corte radical no jornal. O Jornal chega a uma encruzilhada, onde era possível seguir dois caminhos. Um deles foi o que a Direção tomou, de um jornal mais voltado internamente, de formação, articulador, de motivador da luta. Muito maior do que era feito naquele momento, que era um jornal mais informativo e de divulgação da luta. Não que ele não servisse como formação, mas ele tinha muito mais esta outra finalidade.

JST: Em sua história, o JST contou ainda com muitos colaboradores importantes.

Flademir: Com a decisão de transformar o boletim em jornal em 1984, aumenta até a equipe. A demanda é maior, aí sim ele passa a ser efetivamente um jornal com todas as características, com um grupo de colaboradores importante; intelectuais, pensadores desta área agrária e dos problemas sociais, com jornalistas.

Quando a redação esteve em Porto Alegre, colaboraram grandes jornalistas daqui, alguns eram até fixos da redação. Eu me lembro do Chico Daniel, que era fixo, considerado um dos melhores repórteres de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul, tanto é que depois foi para São Paulo e editou o Jornal da Cultura que é uma referência, era um profissional muito capacitado; Sérgio Canova, um dos grandes jornalistas daqui; Rafael Guimarães; Caco Schimitt; Entre os ilustradores, tinha colaboração do Edegar Vasquez; do Corvo, que era um dos melhores chargista e desenhista, fazia uns bicos de penas maravilhosos, ele trabalhava na "Gazeta Mercantil" que não usava fotos, só usava bico de pena; do Celso Schroeder. O Humberto Magrão que era um dos melhores diagramadores, não dá para esquecer ele, trabalhou na "Zero Hora", no "Folhetim" da Folha de São Paulo, trabalhou nos principais órgãos de São Paulo. Era diagramador exclusivo do jornal na época em que ele era editado no CAMP.

JST: O Issac Akcelrud ...

Flademir: O Isaac foi quando o JST e a Secretaria Nacional se transferiram para São Paulo. Ele já conhecia, acompanhava, tanto é que quando nós estávamos aqui em Porto Alegre ainda, recebemos uma carta longa dele, fazendo elogios, comentários, se colocando a disposição. E era um cara que na época era editorialista da Folha de São Paulo. Quando a gente recebeu a carta de um jornalista ilustre, desta dimensão que era o Isaac, para nós foi uma festa.

Ele ficou acompanhando enquanto o Jornal estava em Porto Alegre. Depois que o JST foi para São Paulo, não demorou muito tempo e o Isaac já estava colaborando, acho que já no terceiro mês. Era o correspondente do jornal no Rio de Janeiro, mas durante muito tempo ele passou indo a São Paulo para colaborar também com o fechamento do Jornal.

JST: Apesar de ter surgido no final da ditadura militar, num período de repressões e censura, parece hoje, em tempos de neoliberalismo e do "pensamento único", há menos espaço para iniciativas como foi há 20 anos a criação do JST ?

Flademir: Na época, tu tinhas tentativas, a CUT tentou criar um jornal nacional, o PT também. Mas de fato era um período mais propício a isto. Hoje, surgiram também outras alternativas, outros meios, a própria internet. Tem um exemplo muito concreto disto que são os Zapatistas em Chiapas. Que eu saiba, eles não têm um jornal massivo. Um dos principais canais de divulgação, de arregimentarão de apoios, de diálogo, inclusive com o Governo, é a Internet. E vídeos que eles produzem.

A Internet serve a muitas ONGs, associações, movimentos como instrumento menos oneroso e mais dinâmico de divulgação de suas lutas e suas plataformas. E o outro fator é que hoje fazer um jornal custa muito caro. O MST tem essa grande virtude, que deve ser reconhecida, de que sempre se fez um esforço, não apenas político e do engajamento das pessoas, mas também financeiro para fazer o jornal este tempo todo. Porque o jornal custava caro, 30 mil exemplares, impressão em gráfica, com cores. Não era qualquer movimento que podia se dar este luxo. E para o MST não era um luxo, pelo contrário, era estratégico.

Sempre tiveram esta visão estratégica da comunicação e o Jornal era o principal instrumento. Tudo passava pelo jornal. Tu podes até questionar se era o melhor instrumento, por que não investir em outro meio. Mas na época a Direção tinha a consciência de que a comunicação era estratégica e que dentro da comunicação, o órgão por onde passava esta questão era o Jornal.

Foi feito um sacrifício muito grande para sustentar o jornal e sem essa consciência, sem essa decisão política de manter o jornal, não teria chegado a isto. Qualquer outro movimento que na época não tivesse esta clareza, já teria desistido. Manter o Jornal Sem Terra era uma questão de honra, não se cogitava de maneira alguma se parar o jornal por dificuldades financeiras.



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