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La insignia
29 de julho de 2007


Maria


Urariano Mota
La Insignia. Brasil, julho de 2007.


Dona Maria, no tempo em que era Maria, era uma mulher agradável, bela. Samuel teria dela a lembrança, alguns anos mais tarde, da mulher que ela era quando ele tinha oito anos. Por quê, não o sabia. Era como se ela fosse lembrada somente em sonho, assim como se faz uma recusa com a vista e a percepção ao corpo tragado pela doença de alguém que se ama. Nessa imagem de sonho ele a veria de corpo oculto por névoas, rosto sem boca, apenas olhos cabelos e fronte da mulher com quem se comunga uma irresistível e mansa intimidade. Ele estava nela, ela era dele, e isso era uma afirmação do humano que ele era. Eram anos que lhe chegavam como de harmonia. Com efeito, a mulher que o perturbava agora, em pose de suave megera, era uma mulher que nascida para o amor, para a dignidade e respeito que se exige no amor, fora brutalizada pelo casamento, transformada em fêmea de parir. Dissemos casamento, mas nem essa violentação cerimoniosa ela alcançou, pois fora jogada a um ajuntamento carnal com um macho bêbado. A sua mãe e seu pai foram amigados, palavra frágil, pois nem amigos foram nos anos em que viveram juntos, juntos, como dizer?, habitantes inimigos sob um mesmo teto.

Os anos que Samuel tomava como harmônicos, e com isso ele apenas lembrava os anos em que seu corpo mal se deslocara do colo morno de Maria, foram os anos em que ela resistira no físico e no ardor às imposições de fazê-la um animal de parir. Foram os anos em que ela, trabalhando como cobradora de ônibus, fora uma pessoa. Isto quer dizer que ela comia o alimento ganho com suas próprias e gordas mãos. Mãos quentes, coração bravo. Ela então possuía os mesmos um metro e cinqüenta e cinco, mas punha saltos altos, e sua pele tinha cor e era fresca, os seios tinham farto leite para a maternidade, e nisso um só ponto em sua graça e elegância ela não decrescia. A sua beleza era a exuberância, chegando à pletora, de vida. Não era ela feita de traços suaves, como ele a idealizaria na lembrança. Ela era bela do que nela se movia. Os seus minutos tinham a duração da intensidade...

No dia em que viu o caixão do marido na sala, teve uma crise de riso, que sufocou a custo, para não explodir na mais libertadora gargalhada. Ao espanto e censura dos vizinhos, ela respondeu:

- É que eu olho pra ele e só penso que ele está se fazendo de morto. Mas vai morrer assim mesmo - e redobrou o riso.

Nesse dia Samuel descobriu uma nova faceta em sua mãe. Depois do enterro, ao voltar para casa, e ver os cômodos ocos, como sempre acontece quando uma casa perde um dos seus moradores, ela lhe disse:

- O que você quer comer? Vamos tratar de comer. A partir de hoje o meu filho é quem manda.

E abraçou-o. E chorou, sentida, desvalida e calorosamente, como a Maria dos seus oito anos. Samuel percebeu, no íntimo, que as lágrimas da mãe caíam sobre o seu ombro como as lágrimas de uma mulher infeliz que encontrou o seu amor. Ele a sentiu em seu peso e sua graça, graça pela solidariedade que o invadiu, peso no entanto por saber que não poderia suportar tamanha esperança.

Esta era a mulher que o destronava.


(Do romance Os corações futuristas)



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