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La insignia
17 de julho de 2007


O farol da província


Urariano Mota
La Insignia. Brasil, julho de 2007.


Divulgo em La Insignia um trecho do primeiro ato de O Farol da Província, peça escrita em 1977, premiada pelo Serviço Nacional de Teatro, no Concurso Universitário de Peças Teatrais. Não pude receber esse prêmio, por uma razão imperiosa: eu estava fora da universidade. Para concorrer, o texto havia sido inscrito sob o nome de um amigo, estudante de Letras. Em 1977 restabelecemos a verdade, que teve por conseqüência a minha exclusão do prêmio. Sem mais registros criminosos.

Se houver boa leitura em La Insignia, poderei enfim receber o galardão. O ambiente é o da redação de um periódico, nos anos da ditadura.


Diálogo entre o editor Penedo e o redator Benzeno.

Penedo - Você nos expõe ao ridículo.

Benzeno - Por quê?

Penedo - Não se faça de idiota. Como é que o senhor põe em manchete, em letras graúdas e ridículas, nítidas, para que todos vissem e não pudéssemos apagar nosso erro...

Benzeno - O jornal vendeu.

Penedo - .... não importa. Quer dizer, isso é importante, porque traz um maior número de anunciantes, que vão aumentar o lucro do jornal, que por sua vez pode aumentar o meu salário, quero dizer, o nosso salário, e eu vou poder consertar meu carro, você vai poder, enfim ... (senta-se, põe as mãos na cabeça, cotovelos apoiados na mesa.)

Benzeno - O jornal há muito tempo não vendia, desta vez, não ...

Penedo - Sim, o jornal vendeu, isso é importante, muito importante, porque ... (levanta o rosto, olha em torno) mas eu dizia (o redator vai interrompê-lo), sim, eu já sei que o jornal vendeu, mas por favor preste a atenção: o senhor nos expõe ao ridículo!

Benzeno - Por quê?

Penedo - Não seja cínico. Como é que o senhor bota um fato inverídico como manchete?

Benzeno - Que fato?

Penedo - Tenha pudor. Isso é cinismo. Um crime. Um lesa-consciência!

Benzeno - Lesa o quê?

Penedo - (Rápido, não querendo perceber a pergunta, cada vez mais querendo acreditar no próprio discurso) Um atentado perpetrado contra os nossos mais altos objetivos, que são, a saber: informar, instruir, construir. Nós somos a voz da comunidade, os olhos, os ouvidos, o olfato, o tato desta cidade. Mas o senhor, não. Levianamente, ligeiramente, destrói todos os nossos sentidos. Sem mais nem menos, isto! Não me interrompa. Sem mais nem menos o senhor estampa isto: "Sarna ataca a cidade do Recife". (Levanta-se e senta-se.)

Benzeno - É mentira? Veja bem, isso não pode ser verdade? Veja se não é possível: (começa a contar nos dedos) lá em casa fomos todos atacados por sarna; tenho dois ou três vizinhos que andam se coçando; eu mesmo, ó (põe as mãos dentro da calça, e com elas embutidas dá-se vigorosas coçadas), eu já não me suporto. Já tentamos tudo. De sabão a líquido antipruriginoso. Com licença, vou lavar as mãos. (Sai.)

O editor fica de cabeça baixa, olhando os próprios dedos.

Benzeno (na volta) - O que é que provoca a sarna? Falta de condições de vida. A nossa cidade está inchando, vem gente de todo interior, de todas outras cidades nordestinas vêm para o Recife, para o mangue, sem as mínimas condições de higiene, sem saneamento... (Triunfal) é natural que surja a sarna.

Penedo - Mas eu até hoje não soube que houvesse uma praga de sarna no Recife. O senhor está indo longe demais. O senhor está trocando um fato que pode acontecer por um fato acontecido de fato. Não sei se fui claro. Vai uma grande distância entre o povo poder andar se coçando e o povo se coçar de fato. Vai uma distância maior ainda entre a sua família estar acometida de sarna, o senhor (faz uma cara de asco) andar por aí com esses dedos imundos, untados de sebo, sebosos, e toda a população agitar-se num monstruoso coça-coça.

Benzeno - Um momento. Eu dei a notícia (em voz baixa, doce): "Sarna ataca a cidade do Recife". Não dei essa extensão que você está dando (ergue os braços, arregala os olhos, levanta a voz, com tom de anunciador de mercadoria na feira): "Um monstruoso coça-coça". É diferente. A sarna atacou a nossa cidade. Defendamo-nos.

Penedo - A sarna não atacou coisíssima nenhuma. Tenha vergonha. Tenha princípios. Um mínimo de decoro. Incidentalmente, dois ou três indivíduos , como em qualquer cidade do mundo, foram golpeados por sarna.

Benzeno - Dois ou três indivíduos, uma ova. Tem gente se coçando que não é brincadeira. (Coça-se.)

Penedo - Pare de ser burro. Não tergiverse.

Benzeno - Terge o quê?

Penedo - Tenha vergonha. (Em outro tom.) Suponha dez por cento. Em uma população de um milhão de habitantes, se cem mil indivíduos estão se coçando, isso é insignificante.

Benzeno - É uma calamidade.

Penedo - Foi um exemplo apenas. O importante é que se deve pensar em nossa imagem. O que é que vão dizer de nossa cidade? Recife, capital da sarna.

Benzeno - O que vende é sangue. O que vende é o sujo.

Penedo - O que mata também, seu Benzeno. Lembre-se de que podemos ser enquadrados. Enquadrados porque estamos intranqüilizando a população. Lembre-se da confusão que deu na última cheia. Espalharam o boato que a barragem de Tapacurá havia estourado. Teve gente que morreu do coração. Pense na sua responsabilidade social, seu Benzeno.

Benzeno - O senhor está fazendo tempestade de um copo d'água.

Penedo - (Exausto.) Pense nas conseqüências. (Suspira.) Pense na polícia.

Benzeno (preocupado) - Vamos examinar o que eu disse.



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