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La insignia
26 de janeiro de 2004


Entrevista com Ana Calhau

Um objecto é...


Helena Vasconcelos
Storm. Portugal, janeiro de 2004.


Ana Calhau quer transformar o Design no nosso país numa "disciplina do pensamento" que englobe áreas marcantes no seu percurso - a Literatura, a Filosofia, a História de Arte, a Fotografia, o Cinema. O objectivo é comunicar. Por isso, produz objectos com conteúdo - livros, discos - observando o equilíbrio entre a fragilidade dos meios e um respeito incontornável pela percepção visual. O produto final, depois de árduo labor mental e físico - usa meios sofisticadíssimos para chegar a um resultado "minimalista", despojado e "clean" - tem de ser de leitura acessível. Liberdade e um extremo rigor na execução são os parâmetros pelos quais se orienta para que o resultado seja "claro, essencial, eficaz, útil e filosófico... para o bem-estar da humanidade".


Um objecto é um objecto, é um objecto...

Helena Vasconcelos: Quando escolheu estudar Design, o que mais a interessou?

Ana Calhau: Foi, sem dúvida, o conceito projectual do Design, o caminho percorrido, desde que surgem as ideias (e até mesmo "antes da Ideia"), passando pela fluidez do pensamento e por todos os processos internos que levam à concretização daquilo que se acha ser o mais correcto e/ou coerente. E mesmo quando se falha, o processo é, também, importante.

H. V. Em que "categoria" inclui o Design?

A.C. O facto de a disciplina ser um híbrido foi algo que sempre me deslumbrou. O Design de Comunicação (nomenclatura da minha licenciatura) não faz parte das Artes Plásticas nem da Publicidade mas também não é algo que se encontre no meio de, nem a meio de. Não vejo isto com nenhuma pretensão determinista. A abrangência de Pensar o Design é, ou deve ser, infinita.

H.V. Um designer deverá ser, portanto, alguém que abarca muitas áreas do conhecimento e do processo artístico?

A.C. A meu ver um designer não é apenas uma pessoa que se especializa numa determinada área e se isola de todas as outras. Qualquer disciplina humana é importante.

H.V. A sua procura, em termos de pesquisa, baseou-se mais fortemente em que área?

A.C. Creio que o que sempre procurei com mais afinco foi ser bastante séria na elaboração dos trabalhos em todas as suas fases e no seu sentido estético essencial. Para mim o respeito pela percepção visual é sagrado. Aquilo que não é passível de uma leitura não funciona.

H.V. Quer dizer que a comunicação, seja a que nível for, é essencial?

A.C. Sim. Penso que a melhor forma de comunicar é ter consciência da fragilidade do meio utilizado. Procuro manter-me aberta a tudo o que se passa à minha volta e considero que tenho uma metodologia "minimalista" (ai os rótulos!).

H.V. Quais os meios que utiliza para atingir uma perfeição que acha indispensável?

A.C. Utilizo meios complexos e que se tornam demorados na sua concretização mas pretendo sempre que a obra final seja clara, essencial, eficaz, útil e filosófica, no sentido em que o não-preconceito faz com que a única regra seja a ausência de qualquer regra.

H.V. Não acha que existe aí uma contradição? Quer dizer que procura um rigor sem regras?

A.C. Evito qualquer preconceito ou ideias feitas na fase do Pensar mas quando passo à Execução as minhas regras são fortíssimas!

H.V. O que acha do Design actual em geral? O que é que a incomoda mais?

A.C. Fundamentalmente duas coisas e ambas referentes ao panorama português. A primeira é que quando se fala em Design tende a pensar-se em objectos tridimensionais; cadeiras, móveis, etc. Por exemplo, o Museu do Design não tem uma peça de Design Gráfico - o que eu acho grave! Creio que o Design não se pode limitar aos objectos tridimensionais. No nosso país damos uma importância maior ao Design de Equipamento e ao Industrial. O segundo aspecto é que continuamos a fazer (contra mim falo!) design para designers.

H.V. No que diz respeito a esta questão, não consegue detectar alguma evolução, nos últimos tempos?

A.C É verdade que se melhorou bastante: a "movida" dos anos 80 foi crucial pelo fervilhar de acontecimentos. Mas, mesmo assim, é preciso não esquecer que o mais importante não é o mundo do design mas sim o design do e para o mundo. Não é necessário inverter processos para se ter uma consciência aberta. Afinal, um designer funciona como funcionavam os antigos artífices e, com os meios de que hoje dispomos, a ideia é avançar para o bem-estar da humanidade e não para o bem-estar do colega do lado que vai achar que o cartaz que fizemos está excelente mesmo sabendo que as letras são ilegíveis (por exemplo).

H.V. Quais são as suas referências mais importantes?

A.C. Muitíssimas. Por exemplo, quando vi pela primeira vez a revista LER, há muitos anos, pensei "gostava de ter sido eu a fazer isto".Tirando o trabalho do Henrique Cayatte, que acho excelente, as minhas referências estão espalhadas pelos lugares mais díspares: pela fotografia, pelo cinema (os filmes do Resnais e do Viscontti tocam-me de uma forma arrebatadora) pela poesia, pelo movimento Construtivista (tenho um fascínio pela obra escrita de Kasimir Malevitch, mais ainda do que pela sua pintura), pela arquitectura minimalista, pela luz das pinturas de Rembrandt, pelos livros do Wittgenstein, pelas viagens que já fiz. Não posso esquecer uma história de infância, "Alice no País das Maravilhas", que está directamente relacionada com a pergunta: "de onde vem tudo isto?" As minhas referências andam por aí todos os dias e todas as noites...

H.V. Quer referir alguns nomes de designers que a tenham influenciado?

A.C. Para além do Henrique, eu diria: David Carson, Daciano Costa e... tantos outros. No Japão, por exemplo, há designers óptimos.

H.V. Porque é que se empenha tanto no design de capas de livros.

A.C. De tudo o que mais gosto de fazer, (juntamente com as ilustrações), as capas de livros e discos estão entre as primeiras. Por uma razão muito simples: é como dar corpo a um determinado desejo. É uma responsabilidade enorme mas é também um desafio muito apetecível.

H.V. Na questão dos livros e dos discos tem essa preocupação porque acha que, para além do conteúdo, têm de ser objectos desejáveis?

A.C. Sem dúvida alguma! No entanto, não se trata de ter um livro apenas porque tem uma capa tão bonita, tão bonita, que o colocamos no meio de uma sala vazia. Existe uma relação indispensável entre o escritor (ou cantor, músico, etc.) e o designer. Quando se chega ao momento em que a pessoa que escreveu o livro olha para a imagem e diz "é isto mesmo", o sentimento é de plenitude.

Existe outra questão: sabendo nós que os portugueses lêem muito pouco, não é preciso fazer uma capa às riscas roxas e bolas amarelas para que o livro se veja e isso garanta a sua venda. Acho eu! Provavelmente é importante utilizar um processo mais subtil mas mais pedagógico.

H.V Em que projectos é que está a trabalhar, agora?

A.C. Acabei de fazer a capa do Catálogo Português da Feira de Literatura de Frankfurt que foi um trabalho que me deu muito prazer realizar por várias razões: uma delas é que, este ano, o nosso catálogo contempla um nome que penso ser fundamental na poesia portuguesa, Fiama Hasse Pais Brandão; outra, foi o facto de ter ficado feliz por o I.P.L.B. ter escolhido a proposta que era também a minha preferida.

A convite da revista EGOÍSTA estive a trabalhar numas ilustrações (para um texto da minha autoria, imagine-se!) o que fiz com muito orgulho. Estou também bastante empenhada na minha tese de mestrado cujo o tema é O BRANCO. Quero escrever sobre Design sem esquecer a Sociologia e a Filosofia. Interessa-me bastante obrigar-me a mim própria a estudar, não apenas para saber mais, mas também para saber menos-mal, para aprender...

H.V. Tem ambições definidas, objectivos? Está certa do que quer fazer?

A.C Nunca fui muito ambiciosa em termos profissionais. Aliás, acho que abandonei o ritmo de atelier porque o sistema não se coaduna comigo, por mais chorudo que fosse o ordenado. O meu verdadeiro objectivo é continuar a ter trabalho e a executá-lo com a consciência de que estou a fazer o meu melhor mas de que "esse melhor" pode ser melhor ainda. Não quero, tão-pouco deixar de expor. A minha última exposição ("Hífen" na Livraria "Ler Devagar") sobre alguns textos de Herberto Helder resultou melhor que as anteriores e fiquei contente por isso.

H.V. O Design é, para si, uma disciplina lhe dá um sentimento de realização?

A.C. Sim. Tudo vem da minha paixão pelas imagens, pelas palavras e pela luz, para além do facto de que, aos 3 anos, já fazia desenhos em todo o papelinho que apanhava... e nas paredes!



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