Portada de La Insignia

19 de novembro de 2008

enviar imprimir Navegación

 

 

Cultura

A princesinha do pimbolim


Luís Nassif. Brasil, novembro de 2008.

 

Finalmente, a Dodó convenceu a mãe a comprar uma mesa de pimbolim, pebolim, ou totó, dependendo da região. E, aí, me lembrei dos meus tempos de adolescência varando os sábados no Bilhar do Gibimba, na esquina da rua São Paulo com a praça Pedro Sanches. Eram horas e horas jogando, aprendendo, inventando jogadas e bebendo cerveja. As apostas eram modestas: quem perdia pagava as fichas, às vezes pagava as cervejas.

Peguei a fase dos jogadores de plástico. Mas ainda havia os mesões com jogadores de ferro, onde sobressaíam alguns campeões inesquecíveis, como o Junqueira, que, da defesa, era capaz de colar a bola no pé do jogador como um Rivelino, vislumbrando os espaços abertos pelas quatro filas de jogadores adversários para chutes certeiros, diretos ou oblíquos.

Levei alguns meses praticando intensamente, até dominar o ofício. Diria que, com exceção do Junqueira – que proporcionava um jogo duríssimo – não havia quem fizesse frente à nossa dupla, eu e o Tião Cabo Verde.

Depois, mudei-me para São Paulo e enveredei pelo campo das apostas. Nos primeiros anos, os jogos nos bilhares da rua Aurora, da avenida São João, no Belenzinho, Vila Maria e até na Boca do Cais de Santos garantiram a complementação da mesada e, depois, do salário.

Diria que nosso estilo de apostas era positivamente temerário. O meu amigo Zé Grandão e eu entrávamos no ambiente desconhecido e simulávamos um jogo. O Zé tinha um metro e noventa de puro osso, era cego de um olho e tinha 12 graus no outro. O fato de ter um olho só lhe conferiu uma poderosa mira na sinuca, mas atrapalhava no pimbolim.

Jogávamos umas três partidas, ele ganhando todas, eu dando viradão e outras baixarias. Até que, simulando profunda irritação, tocava-o da mesa e perguntava se alguém gostaria de jogar. No início, sempre aparecia um pato.

Minha carreira começou a entrar em decadência um dia em que, em lugar de pato, topei com um ganso do Capitólio.

Um amigo querido era o Pedrinho, dono de uma banca de revistas na rua Maria Antonia, da Seleção Paulista de Veteranos do Tênis de Mesa e um emérito gozador. Me disse que no Largo do Belém tinha um bilhar e o campeão era o Touro, meio aparentado dele e grande contador de prosa.

Fomos para lá conferir o papudo – que, de fato, pelo tamanho fazia jus ao apelido.

A formação clássica do pimbolim é goleiro – dois zagueiros – cinco meio-campos – três atacantes. Começa o jogo, pego a bola na frente e faço minha firula predileta. Consistia no ponta-direita jogar a bola para o centro-avante que, em vez de chutar ou parar a bola, levantava o pé deixando a bola passar para o ponta-esquerda. Antes que o adversário se desse conta de quem estava com a bola, o ponta esquerda puxava a bola de novo para o centro-avante atirar para o gol aberto.

Fiz a firula, marquei o gol, a galera levantou e aí, o Touro rugiu. Foi até a parede, deu dois murros, caiu um ladrilho. Silêncio absoluto no salão. Procurei o Pedrinho com olhos súplices, mas o traidor tinha se mandado.

Fui como um boi para o matadouro. Sabia que não podia ganhar, mas sabia que não podia entregar o jogo. Foi uma dureza. O jogo chegou a estar 3 a 3. Mais um gol, terminava. E o danado do Touro não conseguia acertar o gol, apesar de todas as molezas que lhe dava. Depois de uma eternidade, ele marcou. 4 x 3. Berrou feito um touro, olhou com fúria para a torcida, depois dirigiu aquele olhar feroz para mim e me convidou para ir ao bar com ele.

Fui, o que fazer. Lá, ele me pagou um uísque fizz.

Olha aqui, não pense que não sei que você me deixou ganhar. Mas queria te agradecer por não ter me deixado passar vergonha perto daqueles fdp. Diria que foi o início do fim da carreira de um promissor jogador de pimbolim.

Estava imerso nessas lembranças, quando vi a mesa em casa. Na hora as menininhas me desafiaram para um jogo. E a caçula Dodó, de 8 anos, se revelou uma adversária temível. No dia anterior, ela havia desafiado nosso motorista e ganhado de cinco partidas a zero. E ele não é lerdo. A mão esquerda dela é fulminante. Duas vezes a bola bateu no fundo do gol e voltou. Diria que, nos meus tempos de Poços, ela encararia a maior parte dos jogadores do Gibimba. A superioridade dela sobre o Edir foi tão grande que marcou diversos gols de goleiro e ainda esnobou:

Na escola gol de goleiro vale dois. Mas vou deixar por um aqui.

E, aqui, faço uma pausa para o exercício corriqueiro: o de ser pai ridículo. Em toda minha vida, nunca vi ninguém nascer mulherzinha como a Dodó. Com menos de dois anos aprendeu a revirar os olhinhos, quando tratava de pedir alguma coisa. Sabe ser insistente, envolvente. Quando fui ouvir a avaliação sobre ela, na escola, as duas professoras comentaram:

Quando ela vem até nossa mesa e revira os olhinhos, consegue tudo.

No pimbolim ela fica com as bochechas vermelhinhas, realçando os olhos grandes de libanesinha, cobertos por cílios que parecem cortinas de veludo. Depois que marca algum gol ela tem por hábito ajeitar os cabelinhos, tirá-lo da testa e se preparar para o próximo gol.

Depois de liquidar com o Edir, Dodó enfrentou a irmã Bibi. Meia hora de jogo a Bibi sai indignada da sala, pisando duro e com olhar assassino.

- O que aconteceu?, perguntei. Está perdendo e apelando?

A Bibi é minha xerox e, como eu na infância, não admite perder.

- Não é nada disso, papai. Não é com o que acontece no jogo. Mas o que acontece DEPOIS do jogo.
- E o que acontece depois do jogo?
- A Dodó ganha da gente, estica a mão e fala: o próximo.

Do lado, ouvindo as reclamações da Bibi, Dodó promete:

- Juro que falo “o próximo” só na Escola. Pode voltar Bibi.

E lá foi a pobre Bibi para mais uma surra homérica.

 

Portada | Mapa del sitio | La Insignia | Colaboraciones | Proyecto | Buscador | RSS | Correo | Enlaces