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27 de outubro de 2007

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Cultura

Dois tempos, um contexto:
Gramsci e a questão meridional


Maro Lara Martins (*)
La Insignia. Brasil, outubro de 2007.

 

Uma coletânea de textos de Antonio Gramsci deu forma a uma pequena obra com o título A Questão Meridional, em português organizada por Franco de Felice e Valentino Parlato, e recentemente, engloba a coletânea dos escritos políticos de Gramsci coligidos por Carlos Nelson Coutinho. A escolha dos textos que compõe a coletânea se deveu a um tema comum: a reflexão sobre o contraste socioeconômico e político entre os dois troncos que formam a península italiana, meridional e setentrional, durante a época em que foram redigidos - ou seja, no período entre guerras. Ademais, todos os textos tratam de temas constantes na produção intelectual de Gramsci, relativos ao seu ideal revolucionário comunista.

O que se revela como problema desta contradição regional é, para Gramsci, tanto uma condição social desigual, historicamente constituída, quanto as organizações política de classe. Diante disto, sua intenção é compreender as relações próprias de um estrato social que se comporta como massa, amorfa e desagregada, que não se reconhece como classe no espectro político; que está, portanto, colocada de modo anacrônico ao conflito estabelecido no norte. Em seus próprios termos, oferece a seguinte definição:

Avaliando sobre o governo operário e camponês, temos de dar importância especial à questão meridional, ou seja, à questão na qual o problema das relações entre operários e camponeses se põe não apenas como um problema de relação de classe, mas também e especialmente como problema territorial, ou seja, como um dos aspectos da questão nacional. (p.85)

Conforme Gramsci ressalta no artigo O sul e a guerra, a unificação destas duas regiões que se mantiveram separadas por mais de mil anos, do modo como foi feito - sob os interesses do capital -, gerou confusão sobre as exigências e necessidades específicas, e teve como efeito "a emigração de todo dinheiro líquido do Sul para o Norte" (p.62). A explicação para a manutenção desta desigualdade não estaria na falta de medidas voltadas para o desenvolvimento do Sul. Tampouco de uma cultura diferenciada da Itália meridional, resistente ao acúmulo de riquezas. Para Gramsci, a origem do problema está na lógica do capital, conforme argumenta na seguinte passagem:

Fala-se frequentemente da falta de iniciativa dos sulistas. É uma acusação injusta. O fato é que o capital busca sempre as formas mais seguras e mais rentáveis de investimento, e o governo ofereceu, com demasiada insistência, a dos bônus qüinqüenais. Onde já existe uma fábrica, essa continua a se desenvolver através da poupança; mas onde toda forma de capitalismo é incerta e aleatória, a poupança suada e acumulada com dificuldade não confia e vai se colocar onde encontra imediatamente um lucro tangível. (p.63)

Deste modo, não se trata de produzir uma solução específica para o Sul, com leis e tratamentos especiais. A solução, segundo o autor, estaria em projetos voltados ao interesse nacional, o que não pode ser traduzível na soma dos interesses das duas Itálias.

Em outro momento, Gramsci critica o protecionismo à produção do trigo, que teria como objetivo manter elevados preços para que permitam o ganho mesmo em terras pouco produtivas. Sem resolver a condição de vida do camponês - que estaria, ainda assim, largado à própria sorte -, os efeitos desta política seriam os ganhos fabulosos daqueles que podem cultivar em terras férteis e o preço elevado do pão, que recai em dano às classes desfavorecidas. Ele conclui, portanto, que se trata de demagogia.

A solução deste anacronismo estaria em sintonizar os discursos e interesses destas duas classes, operária e camponesa. As condições de vida do camponês só mudariam realmente quando a lógica de produção não for mais individualista, e a coletividade for capaz de fazer os investimentos necessários para uma maior produtividade. Gramsci propõe que se instituam empresas agrícolas e fazendas modernas que seriam controladas por organizações de operários agrícolas, garantindo outro patamar de produção.

Os operários agrícolas, os camponeses pobres revolucionários e os socialistas conscientes não podem conceber como útil aos seus interesses e às suas aspirações (...) a propaganda pelas "terras incultas ou mal cultivadas". (p.75)

Não há, portanto, a crença de uma solução via desenvolvimento capitalista. Ou seja, os propósitos burgueses só podem criar uma aparente solução, via imposição, sem alterar a essência das relações de produção. O capital não se manteria, por sua própria lógica, financiando as regiões que lhe proporcionam menor retorno. Deste modo,

"(...) no quadro da sociedade nacional, estas relações são agravadas e radicalizadas pelo fato de que econômica e politicamente toda a zona meridional e das ilhas funciona como um imenso campo diante da Itália do Norte, que funciona como uma imensa cidade. (p.131)"

Tese esta que está presente também em outro texto, Operários e camponeses (I):

"A burguesia setentrional subjugou a Itália meridional e as ilhas, reduzindo-as a colônias de exploração. (p.77)"

Gramsci é reticente quanto à capacidade dos camponeses encontrarem por si só o caminho rumo à revolução. Para ele, a agricultura na Itália daquela época, como em outros países atrasados do ponto de vista capitalista, não se diferenciava muito das formas de produção da época do feudalismo. Isto porque a propriedade agrária teria se mantido fora da livre concorrência, através de leis que garantiam a reprodução do modelo.

Por isso, a mentalidade do camponês continuou a ser a do servo da gleba, que se revolta violentamente contra os "senhores" em determinadas ocasiões, mas é incapaz de pensar a si mesmo como membro de uma coletividade (...) e de desenvolver uma ação sistemática e permanente no sentido de mudar as relações econômicas e políticas de convivência social. (p.70)

Deste modo ele atribui ao operário industrial, representado pelo partido, a missão de organizar e politizar o camponês. Para o sucesso desta conscientização política, de chamada para uma transformação em nível nacional, seria preciso que os próprios operários se reeducassem, e vencessem o preconceito aos sulistas. As raízes deste preconceito estariam na propaganda burguesa, que atribuía ao sul a responsabilidade de ser um peso que atrapalha o desenvolvimento italiano.

Por outro lado, o fracasso da aproximação entre o camponês e o operário deixaria o caminho livre para o aliciamento político da pequena burguesia, de modo a engrossar a resistência à revolução.

No Informe sobre o III Congresso do PCI, a questão meridional aparece como um entre alguns temas debatidos pelos integrantes do Partido Comunista da Itália. No entendimento de Gramsci, os camponeses meridionais representam um grupo atípico nas relações de classe na Itália; mas importantes para os planos revolucionários do Partido.

Uma das principais idéias gramscianas que subjazem suas análises sobre a questão meridional diz respeito ao conceito de Estado. Para Gramsci, o Estado não se resume às instituições de ordem administrativa. A real governança estaria no controle dos meios que permitem a transformação material do mundo.

"Para conquistar o Estado, é preciso ser capaz de substituir a classe dominante nas funções que têm importância essencial para o governo da sociedade. Na Itália, como em todos os países capitalistas, conquistar o Estado significa, antes de mais nada, conquistar a fábrica; significa ter a capacidade de superar os capitalistas no governo das forças produtivas do país. (p.100)"

Este trecho revela uma visão de Estado muito diferente da visão predominante nos dias atuais. A mudança de controle total do Estado só poderia ocorrer, portanto, por aquela classe que se investisse deste controle:

"Isso só pode ser feito pela classe operária, não pode ser feito pela pequena burguesia, que não tem nenhuma função essencial no campo produtivo, que na fábrica, como categoria industrial, exerce uma função predominantemente policial, não produtiva. (p.100)"

É a partir deste princípio, também, que o pensador italiano descaracteriza a ideologia fascista enquanto potência transformadora das condições objetivas mais significativas. A base do Estado que o fascismo se identifica é o poder militar. Não teriam, neste caso, condições de conduzir uma transformação econômica profunda.

Gramsci abordou nestes textos um tema que soa muito atual. Sua análise sobre a questão camponesa da Itália meridional na década de 1920 é, em alguns aspectos, surpreendentemente compatível com a situação agrária em grande parte do Brasil atual. Aliás, o antagonismo regional que é objeto de sua reflexão é muito semelhante ao brasileiro atual. A divisão, no entanto, aqui se inverte, com a concentração de riquezas nas regiões do sul.

As reflexões de Gramsci sobre a questão meridional estão pautadas a partir de uma perspectiva histórica da formação das classes sociais e da forma e conteúdo do Estado italiano. Para ele, a incompleta revolução democrática burguesa conduziu ao desequilíbrio da unidade nacional da Itália através do domínio da burguesia setentrional entre 1860-71. Com o Rissorgimento exagerado apelativo dado a formação do Estado, Gramsci busca as raízes do desenvolvimento desigual e descontínuo da sociedade.

A questão meridional resume os problemas nos resultados obtidos pela condução burguesa, principalmente no problema do mundo agrário e de seu tipo de trabalhador específico, os camponeses oprimidos do Sul, na questão da reforma agrária, na falta de desenvolvimento industrial, na orientação política e ideológica e na proverbial instabilidade dos governos italianos.

"na Itália, a questão camponesa, como conseqüência da específica tradição italiana, do específico desenvolvimento da história italiana, assumiu duas formas típicas e peculiares, ou seja, a questão meridional e a questão vaticana. Portanto, conquistar a maioria das massas camponesas significa, para o proletariado italiano, assumir como próprias estas duas questões do ponto de vista social, compreender as exigências de classe que elas representam, incorporar tais exigências em seu programa revolucionário de transição, pôr tais exigências entre suas próprias reivindicações de luta." (p.409)

Dada essa ineficácia das ações da burguesia, caberia ao operariado industrial, o novo tipo de trabalhador, o papel de vanguarda na proposição de uma forma de organização social e política, conduzindo a um tempo histórico novo, inédito, através do processo revolucionário, que na Itália, para Gramsci, anda a passos lentos, por transformações moleculares. "O proletariado pode se tornar classe dirigente e dominante na medida em que consegue criar um sistema de alianças de classe que lhe permita mobilizar contra o capitalismo e o estado burguês a maioria da população trabalhadora."(p.408) O primeiro problema a resolver seria o de modificar a orientação política e a ideologia do proletariado, pois "enquanto elemento nacional que vive no conjunto da vida estatal e sofre inconscientemente a influência da escola, do jornal, da tradição burguesa." (p.409)

Gramsci interpretou o processo de unificação italiana como a história da colonização do Sul italiano por obra do capitalismo setentrional e pelo Estado monárquico e de seu Piemonte. Para Gramsci, essa burguesia saqueou os produtos do primeiro impulso de desenvolvimento industrial do reino borbônico do Sul necessitando um pouco mais de dez anos para conquistar os extensos territórios controlados diretamente pelo Vaticano. Esse incipiente Reino de Itália unificado cuja classe dominante dependia diretamente do capital financeiro da Europa do Norte, capitais franceses e ingleses. Ainda segundo Gramsci, a manutenção da monarquia representou o compromisso da burguesia do Norte, que aceitou lograr resultados imediatos como apoderar-se dos impostos estatais sobre o Sul, a extração de recursos naturais, a exploração de mão-de-obra barata e a concentração regional da industrialização. O estado monárquico também absorveu na burocracia indivíduos provindos dos grupos dirigentes do território conquistado, assim, "três quinto da burocracia estatal são constituídos por meridionais."(p.424)

A burguesia colonizadora ao associar-se com a aristocracia local acabou por dominar as massas camponesas do Sul. De qualquer modo, esse tema da Questão Meridional aponta para uma revolução silenciosa que estava em curso na parte meridional da península. Graças às enormes emigrações características do século XX, muitos camponeses dessa região se dirigiram aos outros países, principalmente da América, devolvendo grandes quantidades de dinheiro à terra natal. Entretanto, o Estado interveio pondo fim ao processo "o governo ofereceu bônus do tesouro com remuneração garantida; com isso, os emigrantes e suas famílias, de agentes da revolução silenciosa, transformaram-se em agentes para dar ao Estado os meios financeiros para subsidiar as indústrias parasitárias do Norte". (p. 429)

"No novo século, a classe dominante inaugurou uma nova política, de alianças de classe, de blocos políticos de classe, ou seja, de democracia burguesa. Tinha de escolher: ou uma democracia rural, isto é uma aliança com os camponeses meridionais, uma política de liberdade alfandegária, de sufrágio universal, de descentralização administrativa, de produtos industriais baratos; ou um bloco industrial capitalista-operário, sem sufrágio universal, com protecionismo alfandegário, com conservação do centralismo estatal (expressão do domínio burguês sobre os camponeses, especialmente no Sul e nas ilhas), com uma política reformista em face dos salários e das liberdades sindicais."(p.417)

Devido à debilidade do capitalismo italiano - que não demonstrou força o suficiente para eliminar os problemas estruturais do Sul, herdados do passado - vários tipos de ideologias foram construídos e difundidos pela burguesia e seus intelectuais organizadores da cultura, na tentativa de submeter, principalmente o campesinato, ao seu domínio social. Aqui os "povos do Sul" eram identificados como bárbaros, criminosos, indivíduos inferiores mentalmente, etc. Devido a isso, a região Sul estava comprometida ao atraso natural, à estagnação e à barbárie. A classe operária do Norte, de certa forma, foi o principal alvo desse pensamento, já que a sua aliança com os camponeses poderia colocar em risco o domínio das elites burguesas. Em reposta, os camponeses identificavam, os operários do Norte como sendo seus principais inimigos, ou seja, o conflito de classe assumia uma forma bastante obscura para um movimento realmente "nacional-popular". Na verdade, as elites burguesas da Itália transferiram a contradição entre capital-trabalho para o combate entre trabalho-trabalho.

O foco de análise sobre a nação deveria ser difuso e múltiplo, capaz de captar os vários elementos sócio-culturais. Somente assim, o projeto de superação das heranças históricas poderia ser vitorioso. No fundo, era preciso romper com meridionalismo e transformar a questão meridional em questão nacional. Combater o meridionalismo por meio de uma "reelaboração das correntes políticas e das mentalidades" (p.418)

Para Gramsci,

"o Sul pode ser definido como uma grande desagregação social; os camponeses, que constituem a grande maioria da população meridional, não têm nenhuma coesão entre si. (...) A sociedade meridional é um grande bloco agrário constituído por três estratos sociais: a grande massa camponesa amorfa e desagregada; os intelectuais da pequena e média burguesia rural; e os grandes proprietários e os grandes intelectuais. Os camponeses meridionais estão em perpétua fermentação; mas, enquanto massa, são incapazes de dar uma expressão centralizada às suas aspirações e necessidades. O estrato médio dos intelectuais recebe da base camponesa os impulsos para sua atividade política e ideológica. Os grandes proprietários, no campo político, e os grandes intelectuais, no campo ideológico, centralizam e dominam, em última instância, todo este conjunto de manifestações. Como é natural, é no campo ideológico que a centralização se verifica com maior eficácia e precisão." (p.423)

Segundo Gramsci, os movimentos camponeses, na medida em que não se expressam em organizações de massa ainda que só formalmente autônomas e independentes, "terminam por se enquadrar sempre nas instituições normais do aparelho do estatal através de composições e decomposições dos partidos locais, cujos quadros são formados por intelectuais, mas que são controlados pelos grandes proprietários e por seus homens de confiança." (p.426)

Para o avanço histórico do proletariado italiano, a sua união com o camponês era indispensável. A construção de um projeto consensual entre os dois se apresentava de modo fundamental para a edificação de uma nação nova italiana, ou seja, o entendimento e a solução da questão camponesa era uma das principais tarefas a ser cumprida pelo movimento operário do Norte.

A questão dos intelectuais também observada por Gramsci, da mesma forma, contribui para a maior compreensão dos problemas nacionais da Itália, tendo em vista as conseqüências da sua herança histórica. Principalmente na região Sul, ainda permanecia de modo considerável o predomínio do "velho tipo de intelectual", que na verdade é uma forma de manutenção das milenares relações sociais entre os indivíduos. Avesso ao trabalho braçal dos camponeses, este intelectual luta pela sua inserção no aparato burocrático do Estado ou da Igreja Católica. Membros da burocracia local, padres, militares, advogados, professores, todos permaneciam presos às antigas formas de sociabilidade. Com este tipo de intelectual, o Sul revela a frágil penetração do capitalismo em suas estruturas sócio-econômicas. Para Gramsci, o desenvolvimento das forças do capital fez emergir um novo tipo de intelectual: "o organizador técnico, o especialista da ciência aplicada". (p. 424)

A estrutura intelectual "sulista" era composta, de baixo para cima, pelos camponeses, pelo "velho tipo de intelectual" da pequena e média burguesia rural e pelos grandes proprietários e intelectuais. Os grandes intelectuais eram os centralizadores desse "grande bloco agrário" como Giustino Fortunato e Benedetto Croce. No entendimento de Gramsci eles eram "as bases de sustentação do sistema meridional; e, num certo sentido, são as duas maiores figuras da reação italiana". (p. 423) Na leitura de Gramsci, a filosofia de Benedetto Croce possui um significado contraditório para a vida nacional italiana. Por um lado, Croce se apresenta como fundamental para a elevação cultural dos jovens intelectuais meridionais. Com ele, muitos acabaram saindo do provincianismo regional e intelectual, alcançando o espaço nacional e europeu. Por outro, como na Itália não se deu a Reforma religiosa protestante, quer dizer, um vínculo maior entre intelectuais e massa, a influência dada pela filosofia croceana não atingiu as camadas populares da sociedade italiana, muito menos do Sul. Assim, os intelectuais que seguiram suas idéias o fizeram de modo descolado das massas, sem qualquer compromisso com o movimento popular. Portanto, o movimento "nacional" criado por Croce, deu-se pelas idéias, pela filosofia, em última análise pelo alto, sem vínculo com as amplas camadas subalternas.

Entretanto, se por um lado esse movimento não teve sustentação popular, por outro foi absorvido pelas elites, "pela burguesia nacional e, em conseqüência, pelo bloco agrário" do Sul. Então, ao mesmo tempo em que Croce retira do provincianismo a cultura do Sul, lançando-a ao âmbito nacional o faz de modo cosmopolita, sem vínculo popular. A ruptura com o significado do pensamento de Croce, não se dava apenas em relação aos comunistas, intelectuais de outras posições teórico-filosóficas também sentiam a importância da classe operária como representante de uma história nova para a Itália, como foi o caso do liberal Piero Gobetti. No entendimento de Gramsci, a questão dos intelectuais era fundamental para a construção de um movimento realmente nacional e popular para o seu país. Sem a presença dos intelectuais, a classe operária e os camponeses teriam grandes problemas em suas organizações político-culturais. Era necessário inflamar uma cisão no interior das camadas tradicionais de intelectuais da Itália que carregam o peso da negação sobre as massas. Era preciso lançar os intelectuais às massas, tirando-os o elemento puramente individual e inserindo-os à "organicidade" das camadas subalternas. Somente dessa forma, os intelectuais poderiam entrar em contato direto com as forças "nacionais e portadoras do futuro" da Itália, isto é, com "o proletariado e os camponeses...". (p.435)

O proletariado tinha de assumir essa orientação a fim de que ela pudesse ter eficiência política, "nenhuma ação da massa é possível sem que a própria massa esteja convencida das finalidades que quer alcançar e dos métodos a serem aplicados. O proletariado, para ser capaz de governar como classe, deve se despojar de todo resíduo corporativo, de todo preconceito ou incrustação sindicalista."(p.415) O particularismo da profissão não deveria servir de contraponto a elaboração mental e social da classe trabalhadora face à questão meridional, questão nacional por excelência, e homogeneizando o sentimento e a realidade do proletariado a nível nacional. "o sindicalismo, que é a expressão instintiva, elementar, primitiva, mas sadia, da reação operária contra o bloco com a burguesia e em favor de um bloco com os camponeses." (p.417)

Aqui, o autor já expõe seu ponto de vista sobre quais seriam as bases de classe para a construção de uma nova história-nacional italiana, e será por meio desse processo que se poderá chegar ao entendimento sobre o significado de nação tanto num plano mais geral quanto no específico da Itália. As reflexões desenvolvidas pelo autor sobre seu país, sugerem a existência de várias questões nacionais, ou seja, a nação não se configura somente com uma questão nacional. Isto fica evidenciado com os elementos até aqui ressaltados: questão geográfica, questão camponesa, questão meridional, questão vaticana, questão dos intelectuais, entre outras. Todas dando indícios sobre como Gramsci entende a nação e como ele a compreende no caso italiano. Ao que tudo indica, existe a intenção, por parte do autor, em "desmembrar" o âmbito nacional para, em seguida, enxergar quais são suas estruturas concretas e quais seus impactos para um projeto político-social de fato nacional.

Esta forma de analisar os problemas nacionais, tendo em vista a relação passado-presente, é somente um dos elementos, que compõem o procedimento de entendimento sobre determinada nação. Em outras palavras, o reconhecimento da herança histórico-nacional para as forcas político-ideológicas da luta diária e também a construção do novo é apenas mais um ponto do procedimento sugerido por Gramsci para se analisar o nacional. Um outro fator indispensável para a compreensão dessa questão está no impacto de determinados movimentos e tendências culturais externos à vida nacional de um país específico que estão em diálogo histórico com os países da Europa centro-oriental, fundamentalmente França, Alemanha e Rússia, mas também com o extremo Ocidente e os EUA. A Reforma Protestante, a Revolução Francesa, a Revolução Russa e as inovações técnico-produtivas dos EUA, talvez sejam os principais exemplos.

De modo geral, os textos revelam uma perspectiva particular da história que se desenrolava na Itália. Esta visão se deve tanto à imersão do autor nesta torrente histórica quanto de sua compreensão sobre o mundo social e de seus ideais. Desta maneira, os textos não apresentam tão somente uma versão da história, mas também elementos de uma sociologia, de uma psicologia e de uma filosofia política.


Notas

Gramsci, Antonio. (2004), Escritos Políticos, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira (organizado e traduzido por Carlos Nelson Coutinho), vol. 2.
(*)Professor de História do Brasil Contemporâneo na UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto, mestre e doutorando em Sociologia pelo Iuperj.

 

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