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La insignia
29 de junho de 2007


Internacionalizando a ciência política brasileira


Gildo Marçal Brandão
Gramsci e o Brasil / La Insignia, junho de 2007.

Rossana Rocha Reis,
Políticas de imigração na França
e nos Estados Unidos (1980-1998)
.
São Paulo (Brasil). Editora Hucitec, 2007.


Por que escrever tese ou publicar livro de ciência política cujo tema não envolve diretamente, ou não compara nada com o Brasil? O que há de diferente e de significativo neste Políticas de Imigração na França e nos Estados Unidos (1980-1998), de Rossana Rocha Reis? Para começar, o fato de que é expressão e parte de um movimento de consolidação das áreas de política comparada e relações internacionais na universidade brasileira. Até pouco tempo atrás, as áreas de política externa e de relações internacionais eram reserva de caça dos diplomatas e, em alguns momentos, dos militares. Tirando alguns acadêmicos politicamente empenhados que escreveram quase solitariamente sobre problemas de estratégia e diplomacia, e experiências fugazes como a do ISEB nos anos 1950/1960, que nos legou uma abertura para o mundo afro-asiático que teve impacto na própria política externa, foram raros os momentos em que os intelectuais e a universidade se dedicaram ao estudo desses tópicos. Tal circunstância refletia não apenas o alto grau de autonomia que desde o início da República a política externa detinha diante da interna - as relações do país com o resto do mundo não eram vistas como problema político interno - mas também que a sociedade sequer se interessava pela sua elaboração, delegando-a a uma elite (bem preparada, não se pode negar) do aparelho de Estado. A disseminação recente de cursos de graduação e pós-graduação em relações internacionais modificou bastante o panorama. Ainda que essa produção acadêmica esteja em seus inícios, não se trata apenas de moda: é que nesses últimos vinte anos houve uma mudança significativa na percepção que os outros países têm - e na que os próprios brasileiros temos - do Brasil. E com o avanço da democracia, a própria sociedade - pelo menos a letrada - manifesta interesse por esses problemas e parece não mais disposta a delegar sua resolução com exclusividade às agências do Estado.

É claro que fazer política comparada não é, estritamente falando, novidade. De fato, desde os tempos dos "intérpretes" e sujeitos da "redescoberta do Brasil" que a ciência social aqui praticada tem sido, em uma de suas vertentes, um esforço desesperado de nos comparar com a Europa e com os Estados Unidos, buscando entender por que não chegamos aonde eles chegaram. A contrapartida é que excetuando um ou dois momentos - como o da conjuntura crítica dos anos 1970, quando houve alguma latino-americanização de nossa reflexão política e o desafio de decifrar os autoritarismos impôs a necessidade de reavaliar a diversidade de caminhos para o capitalismo - dificilmente comparamo-nos com as experiências mais próximas, as do mundo hispano-americano, que teimamos em perceber como as mais distantes.

Mas fazer política comparada ao modo de Políticas de imigração é, em si, também um momento de desprovincianização. Numa ciência política que em geral só compara, quando compara, "os outros e nós", ele se debruça sobre países que não o Brasil. Como o nome e a periodização indicam, o livro analisa as mudanças nas legislações e políticas de imigração e o seu impacto sobre as identidades e as instituições de duas das principais sociedades republicanas do planeta. A seleção dos Estados Unidos e da França como objetos de pesquisa tem a ver obviamente com a circunstância de ambos estarem entre os maiores receptores de imigrantes do mundo, mas também - e sobretudo - porque são duas das mais antigas democracias liberais, países produto de Revoluções que formalizaram nação e cidadania como contratos sociais, não como culturas ou destinos aos quais se está condenado pelo sangue, religião ou pertencimento à etnia, e que, em decorrência, alimentaram um conjunto de leis e procedimentos voltados para ampliar a esfera de liberdade individual e garantir direitos civis e políticos, com efeitos decisivos sobre a ação dos Estados e o próprio fenômeno da imigração. Além disso, aquelas mudanças são investigadas no momento em que a relação tensa e umbilical entre cidadania e nacionalidade que a modernidade consagrou - os direitos humanos são universais, mas só podem ser garantidos pelo Estado político, histórica e territorialmente delimitado -, parece posta em xeque pela maré montante da globalização, pela perspectiva de relativização dos estados-nacionais e pelo recrudescimento dos fluxos migratórios internacionais; processos que estão na base tanto da postulação de uma cidadania pós-nacional como da realidade da ascensão de uma nova extrema-direita nativista e xenófoba, voltada para a demonização dos estrangeiros, contenção dos avanços dos imigrantes e tentativa anacrônica de recuar os limites da comunidade para o supostamente homogêneo.

Descartando qualquer utopismo e enfatizando a presença às vezes simultânea e contraditória de políticas de abertura e fechamento em relação aos imigrantes, Rossana submete à falsificação a tese segundo a qual o processo de suposta ou efetiva superação dos Estados-Nacionais pelo mercado globalizado estaria naturalizando a idéia kantiana da cidadania mundial; para isso, examina a disputa entre as diferentes concepções de nação, as ondas de xenofobia e assimilação, as maneiras encontradas para lidar com a problemática dos direitos (relações entre direitos universais e pertencimento a comunidades imaginadas, generalização, mas também despolitização da idéia de cidadania, políticas públicas de incentivo ou controle à imigração, etc.), e como os dois países, cada um a seu modo, em vez de eliminar, estão reconstruindo suas fronteiras, internas como externas. De passagem, recusa a hipótese da existência de culturas singulares e coesas, inassimiláveis às demais e, no limite, incomunicáveis e incompatíveis entre si, que está na base da teoria dos choques entre civilizações, bem como a possibilidade, digamos mais light, de redefinir uma identidade única para um determinado Estado, essas respostas fundamentalista e regressiva ao estado de coisas do mundo. O caminho, ao contrário, passa tanto pela luta pela implementação de direitos civis independentemente da origem nacional do indivíduo como, e talvez principalmente, pelo reconhecimento dos direitos políticos dos imigrantes no interior dos países receptores.

Rossana Rocha Reis está particularmente apetrechada para tratar desses temas. Traz consigo da Unicamp experiência em pesquisas sociológicas sobre imigração, realizadas sob orientação de Teresa Sales. Na USP, onde se doutorou e atualmente integra os quadros do Departamento de Ciência Política, não apenas investiu no estudo das relações internacionais como é hoje uma das mais promissoras pesquisadoras da área. É esse cruzamento que permite uma leitura inovadora da problemática da imigração - uma leitura eminentemente política.

De fato, ela tem por trás de si a vasta literatura que explica o crescimento dos fluxos migratórios acentuando a ação racional dos indivíduos que calculam custos e benefícios do "fazer a América", o fortalecimento das redes de ativistas sociais (organizações não-governamentais, igrejas, associações culturais, etc.) e a crescente legitimidade alcançada pela idéia de direitos universais e pelas normas negociadas pelas organizações internacionais. Sem negar essa literatura, Rossana aponta sua fraqueza em tratar o fenômeno como um processo social determinado apenas genericamente por relações políticas e interestatais. Não se limita, entretanto, a mostrar que a intensidade dos fluxos depende essencialmente das vicissitudes da política internacional, das políticas externas e das intervenções militares, econômicas e culturais dos países receptores, mas explora os problemas nascidos da presença ou ausência da possibilidade de ascensão à cidadania política.

Em nenhum momento é complacente com a falsa consciência que os próprios imigrantes elaboram de sua própria condição - seriam mais "cidadãos" em seu país de destino, mesmo quando são os mais explorados e se situam nos pontos mais baixos da escala social? - e insiste, ao contrário, na fragilidade estrutural de uma assimilação ao mercado de trabalho, à educação, etc., que não incluí o problema da representação política. Em suas próprias palavras, "No campo da concessão de direitos para os estrangeiros dentro da sociedade receptora, a afirmação segundo a qual os direitos civis e sociais colocam os imigrantes quase em pé de igualdade com os nacionais e criam uma espécie de cidadania transnacional, obscurece o fato de que esses direitos só se tornam reconhecidos e respeitados na medida em que as pessoas lutam por eles. O problema nesse caso não é a idéia de cidadania mundial, mas a crença de que ela está sendo alcançada por meio da concessão de determinados direitos para estrangeiros, excluindo fundamentalmente os direitos políticos".

Por motivos óbvios, a tese ganhou mais atualidade ainda com o 11 de setembro e com a recente vitória de Nicolas Sarkozy nas eleições presidenciais francesas. Tudo somado, cabe dizer que se é preciso "internacionalizar" a ciência social brasileira, então a tese da Rossana é uma demonstração prática da possibilidade de não apenas exportar produtos tropicais para consumo e industrialização pelos intelectuais dos países centrais, mas de gerar os nossos próprios "americanistas", "europeístas", "africanistas", "sinólogos" e "latino-americanistas".



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