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La insignia
1 de janeiro de 2007


Enrico Berlinguer (II)


Marco Mondaini
Gramsci e o Brasil / La Insignia. Brasil, janeiro de 2007.


Unidade e autonomia no movimento operário comunista e internacional (1)

Recém-eleito vice-secretário-geral do PCI, durante o XII Congresso acontecido na cidade de Bolonha, em fevereiro de 1969, Enrico Berlinguer tem o seu "batismo de fogo" em questões internacionais quando da realização da Conferência Internacional de Partidos Comunistas e Operários, em Moscou, no mês de junho. A dissonância existente entre as posições soviéticas e as italianas já era claramente perceptível no desenrolar das reuniões preparatórias ocorridas entre os meses de março e maio, quando se preparava o documento a ser apresentado para aprovação ao término da Conferência. Desde então, causava estupor aos representantes do PCI o tratamento dado às duas principais causas de atrito e discórdia no chamado movimento comunista internacional, isto é, os movimentos de ruptura levados a cabo na China e na Tchecoslováquia.

Para os comunistas italianos, eram igualmente reprováveis as duas propostas encaminhadas naquele momento: de um lado, a defesa da "excomunhão" dos comunistas chineses e a reafirmação da justeza da repressão à "Primavera de Praga" pelas tropas do Pacto de Varsóvia; de outro lado, a ausência de qualquer menção à existência de uma grave fratura no interior do mundo comunista. Assim, aquilo que se prefigurava nos trabalhos preparatórios apenas se explicitou em meio à Conferência. Primeiro, no momento em que Berlinguer - o chefe da delegação italiana - abordou frontalmente os problemas ocorridos na China e na Tchecoslováquia, assentado na idéia da necessidade se pensar a construção do socialismo nos marcos do pluralismo. Em segundo lugar, no ato da recusa em assinar o documento final como um todo, limitando-se a firmar apenas um capítulo.

As nossas críticas às posições do Partido Comunista Chinês O fato mais grave, que preocupa profundamente a todos nós e as massas trabalhadoras do mundo inteiro, é que o contraste com o Partido Comunista Chinês tenha chegado ao ponto em que o Partido Comunista Chinês e a República Popular Chinesa estejam hoje contrapostos, em posições de hostilidade, à União Soviética, a quase todos os países socialistas e a quase todos os partidos comunistas, ou seja, à parte decisiva do movimento revolucionário e antiimperialista. Este fato não somente é extremamente danoso para o movimento revolucionário, como também exerce um peso negativo sobre toda a situação internacional, suscitando graves preocupações. Tal contraste é também causa de desorientação e de desestímulo entre as massas.

Nós, já de muitos anos - e ainda na última reunião do nosso Comitê Central -, criticamos abertamente as posições, que consideramos erradas, que o Partido Comunista Chinês vem assumindo. De fato, a contradição fundamental da época contemporânea e de toda a presente situação política continua sendo aquela entre socialismo e imperialismo. É justamente por isso que nós consideramos um erro grave e preocupante - aos fins do interesse geral da luta dos povos pela independência nacional, pela emancipação social e pela paz - o fato de que o Partido Comunista Chinês ponha no mesmo plano o imperialismo americano e a União Soviética, ataque a União Soviética e outros países socialistas, a maioria dos partidos comunistas e toda uma série de forças democráticas e antiimperialistas.

Em segundo lugar, nós consideramos profundamente errôneo que o Partido Comunista Chinês confirme a pretensão de ditar a todos os países e a todos os partidos, como única via válida, a via que ele segue, proclamando o pensamento de Mao Tsé-tung como o "marxismo-leninismo" da época contemporânea e promovendo uma ação de cisão. Temos também afirmado que consideraríamos errada, e continuamos considerando até hoje, qualquer "excomunhão" e qualquer tendência a responder a exageros polêmicos com exageros em sentido oposto. E, por isso, avaliamos positivamente o fato de que, no projeto de documento elaborado para esta conferência, não haja nenhuma condenação ou "excomunhão".

Certamente, em um encontro internacional, é legítimo discutir todas as mais importantes questões internacionais, caso se queira fazer uma análise objetiva da situação. Parece-nos claro, porém, que não existem hoje condições para chegar, sobre estas questões, a conclusões coletivas e a uma tomada de posição nesta conferência, tomada de posição que nós consideramos teria sido, e continua a ser, contraproducente.

Isto não impede, repito, que o nosso partido continue a fazer uma obra de esclarecimento e de crítica em relação às posições erradas do Partido Comunista Chinês. E isto não tanto porque, também na Itália, em nome das posições chinesas, vem sendo fomentada uma ação de cisão, quanto porque as questões em discussão dizem respeito a alguns pontos centrais da perspectiva revolucionária e da nossa linha política. [...]

As nossas posições sobre os acontecimentos tchecoslovacos

Um outro aspecto essencial é aquele relativo ao tipo de relações que devem existir entre os partidos. Quanto a isso, a nossa opinião foi e permanece sendo que, no estágio de maturidade e de amplitude alcançado pelo nosso movimento, não pode haver um centro dirigente, um partido-guia, um Estado-guia.

É necessário reconhecer e respeitar plenamente a independência de cada partido, não apenas na determinação da própria política e na busca de uma própria via de luta para o socialismo e de construção da sociedade socialista, mas também nas próprias posições sobre as grandes questões do nosso movimento. Trata-se, em substância, de superar toda tendência a uma concepção monolítica da unidade do nosso movimento, tendência que seria não apenas equivocada, mas utópica.

Naturalmente, nós não ignoramos que possam manifestar-se, e na realidade manifestam-se, tendências dispersivas, nacionalistas, e riscos de isolamento provinciano. Para combater tais tendências, é necessário, antes de tudo, intensificar nos mais variados campos o contato, a colaboração internacional entre os partidos e as ações por objetivos comuns. É exatamente esta concepção, que atribui um valor de princípio ao respeito vigoroso à independência e à soberania de cada partido e de cada Estado, que inspirou, junto ao interesse que nós atribuímos a cada desenvolvimento da vida democrática nos países socialistas, as nossas posições sobre os acontecimentos tchecoslovacos: da solidariedade ao curso novo iniciado em janeiro de 1968, ao grave dissenso em relação à entrada na Tchecoslováquia das tropas dos cinco países do Pacto de Varsóvia, até as sucessivas tomadas de posição que reafirmamos no nosso congresso e na última reunião do nosso Comitê Central, e que também aqui reafirmamos. Tomando estas posições, nós não quisemos, nem queremos, nos ingerir nos negócios internos dos camaradas tchecoslovacos, do seu partido, do seu Estado. Ninguém mais que nós está convencido de que é necessário evitar toda ingerência em questões que dizem respeito apenas ao povo e aos comunistas da Tchecoslováquia, aos quais renovamos a nossa confiança e o nosso desejo de sucesso no enfrentamento das difíceis tarefas que estão à sua frente.

Mas existem aspectos dos acontecimentos tchecoslovacos que levantam questões de princípio e não dizem respeito apenas aos países interessados, mas a todo o nosso movimento. Tais são as questões da independência e soberania, e tais são também aquelas da democracia socialista e da liberdade de cultura.

É por isso que nós saudamos, como um fator que faz crescer entre as massas o prestígio do socialismo, todo passo dado no desenvolvimento da vida democrática dos países socialistas e todo ato voltado a assegurar o pleno respeito à sua independência, como fundamento da sua unidade.

As posições que nós temos assumido sobre estas questões, no quadro de uma reafirmada solidariedade internacionalista com os países socialistas e com todos os partidos comunistas, correspondem aos princípios em que acreditamos, e nos têm permitido, além disso, opor-nos com eficácia à campanha anti-soviética e anticomunista. [...]


Centralismo democrático e divisão em correntes internas:
A questão de Il Manifesto
(2)

Além da Conferência de Moscou, o mês de junho de 1969 chega para o novo vice-secretário-geral do PCI acompanhado de uma novidade difícil de ser assimilada no plano interno de um partido construído na base do centralismo democrático, ainda que marcado por uma dinâmica interna excepcionalmente plural. Um grupo de intelectuais da esquerda partidária, que havia se reunido em torno da figura de Pietro Ingrao, no decorrer do XI Congresso de 1966, na luta pela direção do partido, e que manifestara abertamente as suas discordâncias em relação às posições da maioria do partido durante a realização do XII Congresso, lança o primeiro número de um jornal chamado Il Manifesto.

Dirigido por Rossana Rossanda e Lucio Magri, e contando com o apoio de nomes como Aldo Natoli e Luigi Pintor, o novo periódico consegue vender 55 mil exemplares do seu primeiro número, gerando a reprovação imediata de um núcleo dirigente intransigente em relação à existência de grupos dissidentes no interior do partido. A atitude era inaceitável para o próprio Ingrao, que vinha progressivamente se distanciando do grupo que o havia apoiado inicialmente na luta contra Giorgio Amendola pela sucessão do posto de secretário-geral, deixado vago com a morte de Palmiro Togliatti, em 1964.

Em nome da maioria do núcleo dirigente reunida em torno do adoentado secretário-geral, Luigi Longo, Berlinguer assume a responsabilidade de combater os "hereges" da "nova esquerda" que ousaram passar por cima da tradição, tornando público o seu dissenso fora da imprensa comunista oficial. Ao fim do combate, o grupo do Manifesto seria cancelado, sendo seus principais líderes afastados do PCI.

A liberdade com que diversas opiniões puderam manifestar-se [durante o XII Congresso do PCI] confirmou a intrínseca potencialidade democrática de um costume de vida interna que, sem transpor o limite representado pelas frações e correntes organizadas, tende a realizar até o fim aquela concepção não metafísica do centralismo democrático, que é própria - como recordou o camarada Longo - do pensamento gramsciano e que, exatamente no seu aspecto dinâmico, foi cada vez mais se desenvolvendo no decorrer dos últimos vinte anos. [...]

Isto significa, entre outras coisas, que devemos incorporar cada vez mais a capacidade de basear na racionalidade e na participação consciente todo o nosso trabalho: a política, a propaganda, a relação entre órgãos dirigentes e base, entre partido e massas. Não somos nem queremos ser sob nenhum aspecto uma igreja, ainda que respeitemos profundamente toda fé religiosa sinceramente professada. No partido comunista e na sua relação com as massas, não podem, pois, se verificar fenômenos como aquele - sobre o qual Gramsci escrevia, recordando toda uma parte da história da Igreja Católica - da dupla verdade, uma para os cultos, outra para os simples.

Mas isto não significa que também não tenhamos nem devamos ter as nossas precisas regras morais. Pelo contrário, acredito que, justamente porque queremos ser uma força integralmente laica, mundana, racional, também se deve exigir de todos e de cada um de nós um costume baseado na lealdade, um costume que, com liberdade e respeito por cada opinião, não apenas exclua toda manifestação aberta de fração, mas se volte para superar tendências, ainda não de todo desaparecidas, ao espírito de grupo, bem como certos ardis que, mais que o partido, apequenam quem os pratica. [...]

Nesses meses [que se sucederam ao XII Congresso do PCI], por exemplo, houve quem nos questionasse, acreditando nos pegar numa contradição, porque não aplicamos no partido o princípio da unidade na diversidade, que nós afirmamos no movimento operário internacional e nas relações entre os partidos comunistas. A nossa resposta creio deva ser muito simples. Aquele princípio não pode ser transferido, de nenhum modo, mecanicamente, para servir como base da vida interna do partido. As duas coisas não são homogêneas nem podem ser de modo algum relacionadas. Uma coisa é o movimento internacional, no qual estão presentes partidos diversos e autônomos, situações nacionais e também linhas estratégicas profundamente diversas, e no qual, exatamente por isso, nós sustentamos a unidade na diversidade como base de uma concepção e de uma política novas de internacionalismo; e outra coisa é o PCI, que opera na própria situação nacional e deve ser o instrumento revolucionário unitário para a transformação dessa sociedade.

Nesse quadro, o partido busca e põe em prática modos e instrumentos novos para fazer viver a democracia, para assegurar a plena co-responsabilidade dos filiados; isto é, o partido busca agir, como queria Gramsci, como "intelectual coletivo", quer a máxima dialética interna, promove a circulação das idéias, uma pluralidade de contribuições, uma discussão livre e franca, sem juízos preestabelecidos. Eis como se entende, e se tematizou no congresso, o sentido do centralismo democrático: e isto comporta a mais ampla participação dos militantes, o reconhecimento do direito ao dissenso, mas requer que se estabeleça o limite intransponível da defesa da unidade do partido e da repulsa às frações.

De todo modo, é evidente que esta e outras incompreensões acerca da natureza do nosso regime interno, existentes em outros grupos de esquerda, não podem de nenhuma forma dissuadir-nos de um dever que consideramos essencial. Vale dizer, devemos nos esforçar para explicar ainda melhor que nós consideramos ser esta defesa não apenas do interesse do nosso partido, da classe operária, das massas que nos sustentam, que crêem no nosso partido, mas do interesse de todas as forças da esquerda, de toda a democracia. Somos e queremos continuar sendo um partido revolucionário, de massa, de combate, e isto só será possível se soubermos permanecer um partido unido e disciplinado.

Sem a essencial contribuição do nosso partido, isto é, deste partido, do tipo de partido que historicamente construímos, a Itália não pode se transformar. Se o PCI "mudasse", se viesse a confundir as suas características com as de qualquer outro partido, toda a luta das outras forças de esquerda, no país e dentro dos partidos, seria debilitada, perderia um ponto de referência, uma certeza. De outra parte, somente lutando para mudar e transformar o país, somente conseguindo efetivamente transformar a sociedade, é que se podem renovar os partidos e o nosso próprio partido. [...]

A nossa firmeza em suprimir do corpo do partido a prática das frações, dos grupos ou das tendências organizadas deriva de toda a experiência histórica do movimento comunista e operário. Já está provado que, uma vez admitido o direito à existência e à atividade de uma fração (ainda que seja uma "minifração" como era o Manifesto), sua formação atrai e agrega uma outra, depois mais outra e assim por diante, segundo um processo de proliferação "em cadeia", rumo a uma incontrolável degeneração do partido, rumo à sua paralisia política.

O partido, neste ponto, já não seria mais a força revolucionária que os trabalhadores e o povo quiseram e querem como instrumento indispensável e insubstituível das suas lutas e do seu movimento de emancipação. Somente uma pressão, somente a prevalência de um momento autoritário poderiam, neste ponto, barrar o caminho de tal processo desagregador. E é também e exatamente por isso que o regime das frações não seria a democracia, mas a sua negação, o seu sepultamento.

Eis por que livrar-nos das frações, mesmo quando são apenas um germe ainda nascente, é para nós um fato essencial, seja para a defesa do caráter de luta do partido, seja para o desenvolvimento da sua vida democrática: aspectos que são indissociavelmente conexos.

Dessa forma, o nosso partido restará sem frações. Dêem-se conta disso, no nosso interior, aqueles poucos que podem ainda pensar que haja margens para qualquer tipo de atividade fracionista.

Dêem-se conta disso também aqueles que estão fora das nossas fileiras. A este partido comunista, unido e democrático, da forma como é, diverso dos outros, devem dirigir-se todos aqueles que querem trabalhar, como também queremos, pela unidade das esquerdas e por novas relações entre todas as forças democráticas.


Democracia direta, democracia política e revolução processual:
Reflexões a partir do "outono quente"
(3)

Os dois últimos anos da década de 1960 trouxeram à tona uma expressiva ascensão do caráter reivindicatório dos movimentos sociais existentes no território italiano. Se, em 1968, foi o movimento estudantil a dar o tom da ofensiva, alinhando-se com aquilo que vinha acontecendo em várias partes do planeta, no ano de 1969 foi a hora e a vez do movimento operário fazer avançar as manifestações contra a ordem capitalista, por meio de um conjunto de movimentações que entraram para a história da Itália como o "outono quente". Iniciado no mês de setembro com a greve dos operários metalúrgicos, no momento da renovação dos seus contratos de trabalho, o "outono quente" alastrou por toda a Itália uma verdadeira avalanche de greves, passeatas e confrontos com as forças policiais, num crescendo que acabou por impulsionar até mesmo um singular movimento de luta por moradia.

No entanto, na esteira dessa multifacetada mobilização, advieram palavras de ordem extremistas que enfatizavam a necessidade de estruturação de organizações extraparlamentares voltadas para a formação de um poder operário autônomo em relação às instituições da democracia representativa. A partir de então, começaram a se formar na Itália agrupamentos políticos de extrema-esquerda críticos em relação aos caminhos trilhados pelo PCI.

Nesse momento, Enrico Berlinguer vem a público defender as posições assumidas pelos comunistas italianos em defesa de uma revolução processual, que trouxesse em seu seio elementos tanto da tradição representativa como da tradição participativa, numa síntese capaz de reunir concomitantemente democracia direta e indireta.

Nós somos favoráveis e nos batemos pelo mais amplo desenvolvimento da democracia de base, e isto, em primeiro lugar, exatamente porque nós, comunistas, somos portadores de uma doutrina, de uma concepção do processo revolucionário que tem como um dos seus fundamentos a plena participação das massas na direção da vida pública, e que identifica no autogoverno operário e popular não apenas uma arma eficaz na luta pela afirmação plena da democracia contra a exploração e o domínio capitalista, mas também um elemento essencial da sociedade socialista que queremos construir no nosso país.

Em segundo lugar, exatamente porque coerentes com esta doutrina, ninguém deveria ignorar que, na história do nosso país, fomos precisamente nós, comunistas, os promotores e protagonistas principais de todas as formas de democracia operária e popular e de autogoverno que caracterizam a história e o patrimônio político e ideal do movimento operário: da experiência gramsciana dos conselhos de fábrica e da construção de uma rede capilar de Comitês de Libertação Nacional e de outros organismos surgidos durante a Resistência, até a experiência dos "delegados de seção", dos conselhos de gestão e dos comitês da terra depois da Libertação.

Mas o que nos ensinaram estas grandes experiências? Ensinaram-nos, justamente, que nenhuma forma de democracia direta, na fábrica ou na sociedade, pode viver e desenvolver-se sem uma luta pelo alargamento contínuo da democracia política em geral, da vida democrática, em todos os níveis. Por exemplo, nós não esquecemos - e talvez aqui os camaradas mais velhos se recordem - que, depois de 1948, os conselhos de gestão, os "delegados de seção", os organismos de democracia operária, que haviam surgido nas fábricas e também exercido um papel importante depois da Libertação, primeiro foram golpeados e pouco a pouco varridos do mapa, quando entrou em crise o clima político geral unitário e democrático e no país desenvolveu-se uma onda reacionária, isto é, quando, depois do afastamento dos comunistas do governo de unidade antifascista, foi instaurado o clima de Guerra Fria e se desencadeou a cruzada anticomunista, a divisão das massas trabalhadoras e populares, o scelbismo (4).

Portanto, democracia direta e democracia política, em todos os níveis da sociedade e do Estado, são dois elementos inseparáveis de um mesmo processo. Eles não podem ser separados nem muito menos contrapostos. E exatamente por isto nós nos empenhamos a fundo em todas as batalhas pela democratização de toda a vida pública: por uma reforma da escola, por uma gestão democrática do emprego e dos organismos previdenciários, pela democratização de todos os aparelhos do Estado. Exatamente por isto, nós nos batemos por libertar a Itália das ameaças ao livre e conseqüente desenvolvimento da democracia advindas dos vínculos que ligam o nosso país ao imperialismo americano, através do Pacto Atlântico.

As lutas e as vicissitudes dos últimos anos e deste outono foram riquíssimas de ensinamentos também no que diz respeito à relação e à recíproca influência entre as lutas e a situação política. Todos os trabalhadores têm sentido o novo ímpeto que o resultado eleitoral de 1968 deu às suas lutas e o quanto estas lutas, somadas ao avanço eleitoral de 1968, pesaram no desenvolvimento dos processos políticos que foram adiante no Parlamento, nas instâncias locais, nos partidos, determinando deslocamentos à esquerda e criando um clima político que tem uma influência muito grande sobre o curso e sobre o resultado das lutas contratuais. [...]

Pois bem, agora, para nós, os movimentos dos estudantes podem superar progressivamente as insuficiências que até o momento os impediram de desenvolver aquela função que lhes é própria: a de contribuir para assegurar à Itália uma transformação real e profunda das suas estruturas e das suas idéias de base. Em outras palavras, pensamos que os estudantes podem participar plena e maciçamente de um movimento social e político tal como o queremos nós, comunistas, isto é, algo que seja totalmente diverso do evolucionismo burguês ou do covarde gradualismo reformista da socialdemocracia, e que, ao mesmo tempo, não se reduza a um exercício de agitação com um fim em si mesmo.

Assim como nós, comunistas, os estudantes não podem deixar de querer tornar-se capazes de realizar um avanço concreto, dia após dia, da unidade e do poder operário e popular; devem querer e promover, em suma, a revolução que se faz, não aquela que se evoca, que se espera para uma hora x, já que apegar-se a esta espécie de messianismo significaria fazer retornar o socialismo da ciência à utopia, depois que, com Marx, ele foi levado da utopia à ciência. [...]

Eis, pois, como na nossa luta e concepção se entrelaçam e se fundem o momento da ruptura e aquele da reconstrução. A destruição de uma realidade, de um equilíbrio existente, encontra-se para nós em função de uma realidade e de um equilíbrio novos e mais elevados, que devemos nos propor e saber edificar. Nisso consiste e se realiza para nós, comunistas, a dialética entre esfera social e esfera política, entre luta de massa e iniciativa dos partidos, entre crescimento do movimento e novas alianças e entendimentos políticos. Nisso se exprimem o funcionamento da democracia, o avanço ao socialismo, a passagem gradual e progressiva - mas não evolucionista, não linear, mas desigual, articulada e complexa - do capitalismo a uma sociedade nova e superior; nisso se realiza concretamente - digamos com Gramsci e com os nossos clássicos - a "práxis transformadora", isto é, a revolução como processo e não como "sol do futuro".


Notas

[1] Do pronunciamento feito na Conferência Internacional dos Partidos Comunistas e Operários, em Moscou, 11 jun. 1969. In: Berlinguer, Enrico. La "questione comunista" I (1969-1975). Org. por Antonio Tatò. Roma: Riuniti, 1975, p. 42-61.
[2] Dos pronunciamentos feitos, respectivamente, nas conclusões sobre a discussão do primeiro ponto da ordem do dia do XII Congresso do PCI, em Bolonha, 15 fev. 1969; na intervenção conclusiva da reunião do Comitê Central do PCI, em Roma, 13-17 out. 1969; e no artigo publicado em L´Unità, 30 nov. 1969. Trechos extraídos de: Berlinguer, Enrico. "Costruire una nuova unità internazionalista e compiere un passo in avanti verso il socialismo", "Sulla questione del Manifesto" e "Coerenza del partito". In: Op. cit., p. 3-41, 79-82, 93-7.
[3] Das intervenções feitas, respectivamente, na V Conferência Operária do PCI, em Milão, 28 fev.- 1º mar. 1970; no artigo publicado em L´Unità, 14 maio 1970; e no artigo publicado em Rinascita, 16 out. 1970. Trechos extraídos de: Berlinguer, Enrico. "La classe operaia all´offensiva", "I comunisti e gli studenti" e "A un anno dall´autunno caldo`". In: Op. cit., p. 114-40, 188-94, 225-37.
[4] Referência a Mario Scelba, político democrata-cristão e ministro do Interior, que, especialmente entre 1947 e 1953, levou a cabo uma duríssima política repressiva contra os comunistas.



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