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La insignia
1 de abril de 2007


O desafio da esquerda no Brasil


Caetano Araújo (*)
Política Democrática / La Insignia. Brasil, abril de 2007.


O tema selecionado para discussão neste número de Política Democrática sempre esteve presente em nossa revista desde sua fundação: o desafio da esquerda no Brasil. Afinal, a crise das duas grandes vertentes da esquerda do século XX, o comunismo e a social-democracia deu início a um processo de redefinição de estratégias e objetivos ainda em andamento. A discussão confronta posições que diferem fundamentalmente sobre o grau em que as antigas idéias-força da esquerda devem se mantidas, modificadas ou abandonadas. Em torno dessa questão, formam-se e alteram-se continuamente, novas ortodoxias e revisionismos.

Nesse debate, não há nem haverá palavra final. Ao contrário do século XIX e da maior parte do século XX, propostas e programas da esquerda contemporânea não tomarão a forma de um corpo teórico e doutrinário fechado. Perdemos em termos de certezas e segurança, ganhamos, penso eu, em consciência e diversidade de formulações.

Um texto introdutório a uma seleção de artigos não pode pretender mais que lançar algumas das questões mais relevantes do debate. Penso que uma maneira sintética e eficiente de fazer isso é apresentar os diferentes significados políticos que o conceito de esquerda foi acumulando e questionar sua validade presente.

José Luiz Fiori remonta o surgimento da esquerda, já dividida em questões fundamentais, aos radicais das revoluções inglesas do século XVII. Poderíamos recuar até os revolucionários camponeses alemães do século anterior, mas, num e noutro caso, importa lembrar o traço específico desses movimentos: uma utopia igualitária ou o igualitarismo como valor.

De Babeuf a Marx, desenvolve-se, no século XIX, sob o impacto da revolução industrial, um significado adicional de esquerda, que viria a sobrepor-se ao primeiro: o usufruto comum da propriedade, concentrada nas mãos do Estado, gerida racionalmente, por meio do planejamento centralizado. A vitória política dessa visão no campo da esquerda ocorreu em prejuízo de socialistas utópicos, que dispensavam a luta pelo poder estatal, e de anarquistas, que propugnavam sua extinção imediata após a vitória da revolução e auto-gestão dos trabalhadores como instrumento de organização da economia.

A revolução de outubro acrescentou mais um significado ao leque de critérios definidores da esquerda. Com a bipolaridade do mundo, a dimensão anti-imperialista ganhou importância. Governos, partidos e movimentos puderam ser classificados como esquerdistas simplesmente por sua postura anti-americana.

Finalmente, a divisão entre comunistas e social-democratas, fruto também da revolução de outubro, contribuiu também para enriquecer as definições de esquerda. A tentativa de conciliar democracia e socialismo, com aincorporação, depois de 1930, das idéias de Keynes, originou um modelo no qual o Estado, pela via da propriedade de setores essenciais, do manejo de políticas macro-econômicas e pelo poder de arbítrio dos conflitos entre capital e trabalho parecia ter conseguido domesticar o mercado e transformar os capitalistas em funcionários da coletividade. Evitaram-se as crises até então cíclicas do capitalismo e condições mínimas de segurança ("do berço ao túmulo") em termos de emprego, renda, aposentadoria, educação, saúde e moradia, foram garantidas a todos.

Como se comportam todos esses significados no nosso mundo de hoje?

A idéia do controle estatal da produção, da organização da economia por meio exclusivo do planejamento, sofreu um duro golpe com a queda do socialismo real. O mercado ressurgiu mesmo em países em que o poder político continua nas mãos Partido Comunista. Tudo indica que a concentração da propriedade no Estado como meio de conseguir prosperidade e igualdade faliu. Nesse caso, nenhum governo de uma esquerda nova poderia prescindir do mercado. A alternativa ortodoxa seria persistir nas antigas definições, pensar a superação do capitalismo apenas como o controle estatal direto dos meios de produção e aguardar as condições propícias para uma nova rodada de estatização.

A idéia associada à propriedade estatal exclusiva, o controle do Estado pelo partido único, apresenta também sinais claros de falência. O mais evidente talvez seja a rapidez com que os ganhos em termos de igualdade de condições conseguidos pelo comunismo se evaporaram. Garantidos apenas pela força e não pela mobilização cívica dos cidadãos, caíram com a queda do regime. Moral da história: sem participação, ou seja, sem liberdade de informação, expressão, reunião e organização, qualquer avanço é aparente e na realidade não temos nada. Não há atalho. Para atingir seus objetivos, a esquerda no poder precisa da democracia.

A equivalência automática entre esquerda e anti-imperialismo tampouco parece haver sobrevivido à queda do muro. Parece claro que o enfrentamento anti-americano promovido pelo radicalismo islâmico, por exemplo, não pode ser considerado *a priori *como esquerda. A agenda de esquerda nas relações internacionais está em gestação, mas aponta mais no sentido da construção de uma governança democrática internacional, objetivo que confronta, evidentemente, as posições norte-americanas, mas em nome da ampliação da democracia e da constituição de uma ordem multipolar.

Finalmente, o significado social-democrata de esquerda. Na Europa, o estado de bem-estar social funcionou bem até a década de 1970. A partir daí entrou em crise, crise que rebateu na política na forma da eleição de governos neo-liberais e obrigou os partidos social-democratas a uma revisão teórica e política que dura até hoje. Há fortes evidências de que a revolução tecnológica e o processo de globalização que dela resultou inviabilizaram a continuidade do modelo. Hoje o capital, como a informação, locomove-se instantaneamente pelo mundo todo. Não precisa submeter-se a restrições impostas pelas políticas macro-econômicas dos estados nacionais nem a seu poder de arbítrio de conflitos. A idéia de um Estado gerente exclusivo ou principal do crescimento econômico, dos conflitos de classe, das crises do sistema, da segurança dos cidadãos, parece um sonho tão distante quanto a ditadura do proletariado.

Resta, nessa perspectiva, com critério definidor da esquerda, sua motivação de valores, constante na história: a igualdade como valor. Os meios para consegui-la, desenvolvidos em séculos de lutas, encontram-se, aparentemente, esgotados. O caráter da utopia está em transformação. A sociedade de trabalhadores, que por meio do estado, partilha a riqueza da sociedade não se revelou um caminho aceitável e eficiente para conseguir e manter uma situação de eqüidade. Se mercado e democracia precisam ser incorporados à utopia, por outro lado, qual a igualdade possível nessas condições? A distribuição contínua de propriedade, renda, conhecimento e poder, a radicalização constante da democracia, pode apontar para uma resposta.


(*) Caetano Araújo é professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), consultor legislativo do Senado Federal e Editor da Revista Política Democrática da Fundação Astrojildo Pereira.



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